Esquerda.net. 25 de janeiro de 2021
A conclusão é do estudo "O Vírus da Desigualdade" publicado esta segunda-feira pela ONG Oxfam.
"O montante superior a meio bilião de dólares que os homens mais ricos do mundo arrecadaram no ano passado poderia ter sido usado para garantir uma vacina a toda a população do mundo ou para assegurar que ninguém caísse na pobreza durante os tempos da pandemia, por isso a diferença é muito grande", alerta Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam International.
As mil pessoas mais ricas do planeta recuperaram as suas perdas derivadas da crise pandémica em apenas nove meses, mas pode levar mais de uma década para que os mais pobres do mundo recuperem dos impactos económicos da covid-19.
O relatório revela que a pandemia tem o potencial para aumentar a desigualdade económica em quase todos os países ao mesmo tempo. É a primeira vez que tal acontece desde que os registos começaram, há mais de um século. No documento é ainda referido como o atual sistema económico permite que uma elite super-rica acumule riqueza em plena crise pandémica, enquanto a grande maioria da população luta para sobreviver.
A crise pandémica despoletou “a pior crise de empregos em mais de 90 anos, com centenas de milhões de pessoas desempregadas”. Mais uma vez, as mulheres são as mais atingidas. A ONG aponta que as mulheres estão sobrerepresentadas nas profissões precárias de baixa remuneração que foram as mais afetadas pela pandemia. As mulheres também representam cerca de 70% da força de trabalho global de saúde e assistência social. Em causa estão empregos essenciais, mas geralmente mal pagos, que as colocam em maior risco de contágio.
“A desigualdade está custando vidas”
De acordo com a Oxfam, a pandemia está a aprofundar as antigas divisões económicas, raciais e de género. “A desigualdade está a custar vidas”, alerta. A ONG escreve que os afrodescendentes no Brasil têm 40% mais probabilidade de morrer de covid-19 do que os brancos, enquanto quase 22 mil negros e hispânicos nos Estados Unidos ainda estariam vivos se registassem as mesmas taxas de mortalidade face à pandemia que os seus homólogos brancos.
Acresce que as taxas de infeção e mortalidade são mais altas nas áreas mais pobres de países como França, Índia e Espanha. As regiões mais pobres da Inglaterra registam taxas de mortalidade que equivalem ao dobro das taxas existentes nas áreas mais ricas.
A Oxfam defende que economias mais justas são a chave para uma rápida recuperação económica da covid-19. A ONG lembra que um imposto temporário sobre os lucros arrecadados pelas 32 empresas globais que mais lucraram durante a pandemia poderia ter reunido 104 mil milhões de dólares em 2020. Esta verba seria suficiente para garantir subsídio de desemprego para todos os trabalhadores e apoio financeiro para todas as crianças e idosos em países com rendimentos baixos e médios.
“Assistimos ao maior aumento da desigualdade desde o início dos registos. A profunda divisão entre ricos e pobres está a revelar-se tão mortal quanto o vírus”, afirmou Gabriela Bucher.
As economias estão a canalizar riqueza para uma elite que está “a enfrentar a pandemia com luxo, enquanto aqueles que estão na linha de frente da pandemia - assistentes de loja, trabalhadores da saúde e vendedores do mercado - estão a lutar para pagar as contas e colocar comida na mesa”, acrescentou.
“Mulheres e grupos raciais e étnicos marginalizados estão a arcar com o impacto desta crise. Eles são mais propensos a serem empurrados para a pobreza, mais propensos a passar fome e mais propensos a serem excluídos dos cuidados de saúde”, continuou ainda.
As fortunas dos bilionários beneficiaram da recuperação dos mercados de ações, apesar da recessão contínua na economia real. A sua riqueza total atingiu 11,95 biliões de dólares em dezembro de 2020, o equivalente aos gastos totais de recuperação da covid-19 dos governos do G20.
“A extrema desigualdade não é inevitável, mas uma escolha de política. Os governos de todo o mundo devem aproveitar esta oportunidade para construir economias mais igualitárias e inclusivas que acabem com a pobreza e protejam o planeta ”, frisou Bucher.
“A luta contra a desigualdade deve estar no centro dos esforços de resgate e recuperação económica. Os governos devem garantir que todos tenham acesso à vacina covid-19 e suporte financeiro caso percam o emprego. Eles devem investir em serviços públicos e setores de baixo carbono para criar milhões de novos empregos e garantir que todos tenham acesso a uma educação decente, saúde e proteção social decentes, e devem garantir que os indivíduos e empresas mais ricos contribuam com a sua parte justa dos impostos para financiá-lo”, rematou.
A crise já acabou para os ricos, mas os pobres vão esperar mais 10 anos
O relatório da Oxfam abre o Fórum de Davos: o Covid aumenta as disparidades.
Fabrizio Goria, La Stampa, 25-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A pandemia de Covid-19 acelerou e aumentou as desigualdades. Com a consequência de que, para grande parte da população mundial, o risco é levar dez anos para voltar ao normal. O Fórum Econômico Mundial em Davos abre com o alarme da ONG internacional Oxfam, que destaca o gap entre os "mega-ricos" e o resto do mundo. As mulheres e os países em desenvolvimento são os mais afetados pelas repercussões econômicas do Sars-Cov-2. E, alerta a Oxfam, para evitar tensões sociais e geopolíticas a prioridade é agir imediatamente.
Nove meses. Esse foi o tempo que a parte mais rica do globo levou para compensar as perdas que enfrentou de março passado até hoje. Por outro lado, pode levar até 126 meses, dez anos e meio para os mais pobres. Este é um dos resultados da última pesquisa da Oxfam, conduzida em uma amostra de 295 economistas de 79 diferentes países. Verificou-se que 87% dos entrevistados esperam um "aumento" ou "grande aumento" na desigualdade de renda em seu país como resultado da pandemia de Covid-19. Para a Oxfam, "a recessão acabou para os mais ricos", mas não para os demais.
Uma gap cada vez maior está no horizonte. Entrando nos detalhes do estudo, a Oxfam observa que "os dez homens mais ricos do mundo viram sua riqueza total aumentar em meio trilhão de dólares desde o início da pandemia, mais do que o suficiente para pagar uma vacina contra a Covid-19 para todos no mundo e para garantir que ninguém seja empurrado para a pobreza pelo Sars-Cov-2”.
Mas, enquanto isso, a pandemia “inaugurou a pior crise de empregos em mais de 90 anos, com centenas de milhões de pessoas subempregadas ou desempregadas. E os 305 bilionários europeus viram suas fortunas aumentarem em quase 500 bilhões desde março, o suficiente para assinar um cheque de 11.092 euros para cada um dos 10% mais pobres dos cidadãos da UE”.
Números que se prestam a críticas, como costuma acontecer no caso da Oxfam, de muitos economistas. Mas que podem ser o ponto de partida para uma reflexão mais ampla. Os agentes econômicos que mais sofreram ao longo de 2020 e que registrarão as maiores dificuldades para voltar aos níveis anteriores à Covid são as mulheres e os países mais pobres. Um fenômeno que, como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e o Fundo Monetário Internacional também vêm apontando há algum tempo, deve ser enfrentado o quanto antes. A Oxfam faz isso com uma ideia que gerará discussão.
“Um imposto temporário sobre os lucros excedentes das 32 empresas globais que mais lucraram durante a pandemia poderia ter levantado US $ 104 bilhões em 2020”, provoca a Oxfam. E não é certo que não se possa chegar a medidas semelhantes.