Nos primeiros meses de confinamento, os telefonemas de mulheres para os centros antiviolência aumentaram entre 25% e 111% em 10 países dos cinco continentes. Só na Itália aumentaram 73%.
Adriana Pollice, Il Manifesto, 26 de novembro de 2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Malásia é o Estado com o valor mais alto (111%), seguida pela Colômbia (79%), Itália, África do Sul (69%), China e Somália (50%), Tunísia (43%), Argentina e Reino Unido (25%). De acordo com a Comissão Nacional para as Mulheres, a situação na Índia também é muito alarmante (mais de 250%).
Os dados, embora subestimados em comparação com os números reais, estão contidos no relatório “O vírus da violência de gênero”, da Oxfam: “A Covid desencadeou uma ‘tempestade perfeita’ – diz o texto – que exacerbou as diferenças de poder e de acesso aos recursos entre homens e mulheres. Uma crise não só econômica, mas também humana, feita de ansiedade social e pessoal, estresse, pressão econômica e laboral, isolamento, aumento do uso de álcool e drogas. Os próprios operadores sociais disseram-se frequentemente incapazes de prestar ajuda a mulheres e meninas que ficaram gravemente feridas ou afetadas por tendências suicidas ou ainda abusadas por parceiros que se tornaram torturadores”.
No Iraque, onde a Oxfam é parceira do projeto Naseej, a violência de gênero durante a pandemia aumentou 65% de acordo com os serviços de apoio às vítimas em três províncias do país. Em 94% dos casos, trata-se precisamente de violência doméstica. A violência contra mulheres e meninas é o principal obstáculo à emancipação feminina no Oriente Médio e no Norte da África, onde a taxa de violência doméstica é de 35%. Principalmente em países como Iêmen, Iraque e Palestina, destruídos por conflitos e crises humanitárias.
A grande parte dos países não respondeu prontamente à violência, apesar de a situação já ser alarmante antes da pandemia: em 2018, mais de 245 milhões de mulheres e meninas de todo o mundo sofreram violência sexual ou física por parte de seus parceiros. Um número maior do que o número total de casos da Covid (199 milhões) entre outubro de 2020 e outubro de 2021.
Na Itália, ressalta a Oxfam, “o surgimento dos episódios de violência e de perseguição relatados desde março de 2020 envolveu principalmente mulheres de cidadania italiana, enquanto os abusos sofridos por migrantes e refugiadas, mais expostas ao tráfico e à exploração, em sua maioria, não foram denunciados”.
Nesse ponto, a Oxfam implementou o projeto WeToo, financiado pela União Europeia, para reforçar as competências dos serviços e das instituições para a identificação e o atendimento das mulheres sobreviventes de violência de gênero. Itália, Grécia, Bulgária, Alemanha e Sérvia são os países envolvidos.
A violência física e psicológica se soma muitas vezes à dependência econômica: a expectativa é ter mais 47 milhões de mulheres na extrema pobreza neste ano devido à crise global.
“Mulheres e pessoas LGBTQIA+ sofrem formas de violência e discriminação agravadas pela pandemia”, explicou Maria Nella Lippi, responsável pelos programas de justiça de gênero da Oxfam Itália. “O fenômeno traz consigo feridas, estresse emocional, danos físicos e psicológicos, pobreza e sofrimento crescentes. A pandemia destacou a incapacidade dos governos, inclusive o italiano, de proteger as pessoas expostas a abusos devido à identidade de gênero e à orientação sexual.”
A Itália está abaixo da média da União Europeia no que diz respeito à inclusão social das pessoas LGBTQIA+. Em 2020, de acordo com a Agência Europeia dos Direitos Fundamentais, apenas 39% das pessoas LGBTQIA+ na Itália declararam expressar publicamente a sua identidade, enquanto 28% disseram ter sofrido discriminação no local de trabalho, e 32% afirmaram ter se envolvido em pelo menos um episódio de violência no último ano. Um contexto hostil que acarreta um elevado percentual de abusos não denunciados às autoridades competentes, com episódios que envolvem também adolescentes no âmbito familiar.
“Apesar da situação dramática – continua Lippi – em outubro passado o Senado negou a ratificação do projeto de lei Zan contra a homobitransfobia, deixando um vazio enorme no ordenamento jurídico, que se traduz na falta de proteções eficazes. Se os governos não implementarem políticas adequadamente financiadas, a emancipação das mulheres retrocederá gravemente, assim como a perspectiva de uma sociedade acolhedora para todos.”
A campanha “16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero” começou nessa quinta-feira, 25, para mostrar aos governos a desigualdade a que as mulheres e as comunidades LGBTQIA+ estão expostas. Nenhum ato concreto é possível sem “investir em serviços de qualidade, apoiar as organizações comprometidas com a proteção dos direitos das mulheres, financiar os centros antiviolência e elaborar análises e dados”.
Mas o que ocorre é o oposto: “Mais de 200 organizações de proteção das mulheres registraram uma redução dos fundos e um menor acesso aos espaços de decisão. Cerca de 33% deles tiveram que demitir de um a dez funcionários, enquanto 9% tiveram que interromper todas as atividades. Essas organizações foram as mais expostas aos cortes justamente durante a emergência da Covid, quando seu trabalho se tornou essencial”.
E ainda: “Embora 146 Estados membros da ONU tenham declarado formalmente o seu apoio à ação contra a violência de gênero nos planos de resposta à Covid – escreve a Oxfam – somente ínfimos 0,0002% dos 26,7 trilhões de dólares mobilizados para responder à pandemia em 2020 foram destinados a essa finalidade”.