Imunizantes têm sido eficientes em reduzir casos graves, mas transmissão global faz OMS temer mais variante. Pesquisa do Imperial College mostra que vacinação vai ter que continuar a ser acompanhada por medidas de distanciamento social.
O desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 foi o mais rápido da história e já ajuda na queda de óbitos e de hospitalizações em muitos países. Neste sábado (25), o mundo alcançou a marca de mais de 1 bilhão de doses aplicadas. Mas ainda há preocupação generalizada de autoridades sanitárias e de pesquisadores, pois o número de casos cresce nas últimas semanas no mundo, mesmo em nações que avançam rapidamente na imunização.
Essa situação —repique de infecções, mesmo com avanço da vacinação— tem sido motivo de seguidos alertas da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Uma das grandes preocupações é que o atual crescimento de novos casos no mundo, que acelera semanalmente desde o fim de fevereiro, contribua para o surgimento de novas variantes, mais agressivas, que possam minar a eficiência das vacinas.
Quem puxa atualmente a alta de novas infecções é a Índia, onde foi identificada uma nova variante e as medidas de restrição estavam brandas até o início deste mês. Mas há outros casos emblemáticos, como Alemanha, Canadá, Uruguai e Chile. Estes países já passaram de 20% da população total com ao menos uma dose (no Chile, são mais de 40%), mas estão com o número de novas infecções ao menos 35% maior agora do que há um mês.
No Uruguai, com mais de 30% das pessoas já com ao menos uma dose, houve aumento de mais de 150% no registro de contaminações diárias, aponta levantamento da Folha, feito a partir de dados da Universidade Johns Hopkins.
O Brasil está próximo de 13% da população total vacinada (se considerados apenas os acima de 18 anos, são 17%), com número de novos casos estável, mas estacionado em um dos patamares mais altos do mundo (66 mil novos casos diários em média nos últimos 30 dias, atrás apenas da Índia).
Estudos vêm indicando que as vacinas estão reduzindo o volume de óbitos e de internações de pacientes em estado grave. O governo do Chile, por exemplo, anunciou que a vacina Coronavac teve eficácia de 80% para reduzir as mortes por Covid no país, de acordo com o acompanhamento dos vacinados no primeiro mês.
Na Alemanha, Canadá, Estados Unidos e Israel houve forte queda (ao menos de 50%) no número de novas mortes neste mês em relação a janeiro, quando houve um pico de óbitos. Os dois últimos estão entre os líderes na proporção da população imunizada.
Mas o impacto na redução no número de casos parece ser menos efetiva. Uma pesquisa do Imperial College, por exemplo, mostrou que no Reino Unido a vacinação rápida foi eficiente para diminuir a queda de óbitos pelo vírus, mas não para diminuir na mesma proporção o volume de contaminações (que parece ter diminuído mais devido ao lockdown).
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, vem destacando em suas entrevistas à imprensa os seguidos recordes de novos casos no mundo, “apesar de já termos aplicado mais de 780 milhões de doses globalmente”, como disse no último dia 12.
“Que não haja dúvidas: vacinas são essenciais e um poderoso artifício, mas não são a única ferramenta. Precisamos também de distanciamento social, máscaras, higienização das mãos, ventilação, vigilância, rastreamento de possíveis infectados [“contact tracing”], isolamento e quarentena com apoio”, afirmou o diretor.
“Mas confusão, complacência e incongruência nas ações de saúde pública estão levando a mais contaminações e custando vidas”, completou.
Para a diretora de imunização da organização, Kate O'Brien, “potencializamos o efeito da vacina em toda a comunidade quando, além de avançar na imunização, reduzimos a transmissão, o que diminui a chance de termos variantes que possam escapar da imunidade proveniente das vacinas”.
Segundo a dirigente, "temos muito desejo de voltar a ter algo próximo a uma vida normal assim que mais pessoas são vacinadas, mas na verdade deveria ser o oposto. Este é o momento de estarmos mais alertas do que nunca, garantindo que a abertura não seja precipitada".
Alemanha, Canadá, Uruguai e Chile, os países que estão com mais de 20% da população com vacina, mas enfrentam forte aumento de novos casos, estão com as mesmas medidas de restrição do que há um mês, mostra levantamento da Blavatnik School of Government, da Universidade Oxford (Oxford COVID-19 Government Response Tracker).
Os pesquisadores analisam periodicamente as medidas adotadas por governos federais e regionais de 180 países, em aspectos como fechamento de escolas ou restrição de viagens.
Há diferentes contextos para a manutenção das medidas restritivas, ainda que os casos estejam com forte alta.
No Uruguai, que até o início do ano era o exemplo do enfrentamento à pandemia na América Latina, o governo federal reluta em ampliar drasticamente políticas que forcem o aumento do isolamento social, sob o argumento de que o Estado não pode interferir nas liberdades individuais.
Especialistas afirmam que a disseminação pela América do Sul da variante P.1, originada em Manaus, é uma das principais causas para o aumento de contaminações no Uruguai —onde também houve neste mês aumento de mortes, assim como no Chile.
Na Alemanha, o governo federal tem sugerido aumento das medidas restritivas, mas os 16 estados têm grande autonomia e algumas regiões vêm se recusando a seguir a recomendação.
Os dirigentes sofrem pressão de trabalhadores, de líderes do setor produtivo e de parte da comunidade que dizem não poder mais arcar com a queda da atividade econômica ou não conseguir mais ficar distante da vida social.
Na última quinta (22), o governo assinou lei aprovada pelo Parlamento que lhe dá mais poder para impor medidas restritivas, de forma temporária, como restrição de circulação entre 22h e 5h e limitação do número de pessoas em encontros privados.
O Brasil também manteve o nível de medidas restritivas em relação ao mês passado no índice da Universidade de Oxford. Mas, regionalmente, tem havido flexibilizações, como no estado de São Paulo, onde foram liberadas parcialmente nos últimos dias atividades presenciais em escolas, no comércio e de lazer.
No levantamento feito pela Folha, atualizado na quinta (22), aparecem como casos exitosos, ao menos por ora, Reino Unido e Israel. Ambos avançaram rapidamente na vacinação (40% e 50% da população, respectivamente) e estão com forte queda de novos casos (redução de mais de 50% em 30 dias).
Os dois países agora relaxam as medidas restritivas. Israel retirou a obrigatoriedade do uso de máscaras ao ar livre, e o Reino Unido liberou o funcionamento de pubs ao ar livre e começa a testar o retorno do público a jogos de futebol.
Autoridades da OMS criticaram as medidas na Inglaterra, dizendo que a abertura pode ser precipitada, e que o nível de contaminação ainda é suficiente para se criar novas variantes. O governo britânico disse estar seguro de que a flexibilização possa seguir, mas pede moderação à população.
Grupo de pesquisadores do Imperial College, Universidade de Warwick e da London School of Hygiene & Tropical Medicine publicaram informe indicando a possibilidade de uma nova onda de mortes pela Covid devido a essa reabertura, mesmo que a vacinação siga em ritmo acelerado.
Nos Estados Unidos, onde a vacinação já passou dos 40% da população, os casos também estão em queda, mas ainda se encontram em nível elevado (64 mil novas infecções diárias, atrás apenas de Índia e Brasil).