José Manuel Rosendo, meu Mundo, minha Aldeia, 23 de maio de 2021
Depois de 11 dias de conflito, as armas calaram-se. De um lado, esteve um dos mais poderosos e eficazes exércitos do mundo; do outro grupos armados que lançam mísseis de trajecto errático, embora em número surpreendente. Esta foi mais uma guerra que termina com Israel a reclamar ter atingido infraestruturas importantes (principalmente) do aparelho militar do Hamas, retirando ao movimento islâmico capacidade para ataques mais certeiros e violentos nos tempos mais próximos; do lado palestiniano, as ruas em Gaza reclamaram vitória, mas as lideranças políticas apenas sublinham que estes dias de conflito mostraram um “equílibrio” de forças que até agora não tinha sido visto e avisam que não baixam a guarda.
Mas, afinal, a guerra terminou porquê? Porque ao fim de 11 dias, o Governo de Benjamin Netanyahu percebeu que todas as contas tinham saído furadas e, pior do que isso, estava a enfrentar um elemento novo que não tinha previsto, como aliás não tinha previsto a resposta do Hamas às provocações em Jerusalém. Não, não foi a vontade de Joe Biden que prevaleceu – esse tempo de Washington ditar as regras já não é o que era – foi a necessidade de evitar uma guerra civil que estava a despontar, envolvendo israelitas e a população árabe de Israel, e em relação à qual o Governo de Netanyahu não saberá como agir. Uma guerra civil não se resolve com raides aéreos, com bombardeamentos de artilharia ou “botas no terreno” e invasões terrestres. Esse motivo surge como principal influência na decisão do Governo de Netanyahu, que aceitou anunciar um cessar-fogo, e sem condições, apesar de ter emitido um comunicado cujo último parágrafo refere que será a realidade no terreno a determinar o futuro da operação militar. Netanyahu sabe que, primeiro, tem de garantir que a situação interna está controlada e não absorve atenções e recursos; depois, poderá voltar à frente externa.
O diário israelita Haaretz refere-se a esta operação militar contra a Faixa de Gaza como a mais falhada e inútil de sempre, acrescentando que falhou a informação sobre os alvos a atingir na Faixa de Gaza e falhou a previsão sobre as consequências das acções israelitas em Jerusalém Oriental (que levaram o Hamas a lançar mísseis sobre território israelita).
Aliás, Israel parece ter feito tudo mal: não esperava que o Hamas respondesse da forma que respondeu – nem com o poder de fogo que revelou – à invasão da Esplanada das Mesquitas e à tentativa de expulsão de famílias palestinianas de Jerusalém Oriental; não esperava que mais uma guerra com o Hamas – nunca tal tinha acontecido – incendiasse os ânimos entre árabes israelitas e judeus; não esperava que na Cisjordânia os palestinianos reagissem como reagiram, nem que da Jordânia surgisse uma revolta tal que levou os palestinianos a dirigirem-se à fronteira; atacou uma torre em Gaza onde estavam vários órgãos de comunicação; e manipulou os órgãos de informação ao anunciar uma invasão terrestre que acabou por desmentir. O Governo de Benjamin Netanyahu percebeu ainda que, apesar de todas as divisões, os palestinianos – em Gaza, na Cisjordânia e em Israel – por uma vez, estavam unidos. Por um momento, “cheirou” a Intifada.
Sabemos que se Israel quiser, tem poder militar suficiente até para fazer com que a Faixa de Gaza seja transformada numa espécie de “jangada de pedra” que fique à deriva no Mediterrâneo; tem poder para varrer o território de 360 km quadrados e reduzi-lo a pó; mas isso teria um custo político elevadíssimo e insustentável. E também sabemos, como aliás disse o líder do Hamas, que por mais líderes palestinianos que Israel mate (matou Ahmed Yassin, Abdel Rantissi e tentou matar Khaled Mesahal), haverá sempre alguém disposto a assumir a liderança. A solução parece óbvia e tem como ponto de partida as resoluções da ONU e o Direito Internacional. Não há outra forma. Se não houver justiça é impossível esperar que haja paz. É assim em Israel, na Palestina e em qualquer outro lugar do mundo.
Por fim, esta guerra veio revelar, mais uma vez, que muitos líderes árabes fazem da causa palestiniana uma questão de retórica, mas apenas isso. Tem sido essa, aliás, a história dos líderes árabes, sempre mais preocupados com o próprio poder do que com acções concretas de apoio à causa dos palestinianos. Os chamados Acordos de Abraão, assinados com o argumento de que seria algo de bom também para os palestinianos, nomeadamente por permitir travar a anexação de parte da Cisjordânia, revelaram-se afinal absolutamente inúteis. O silêncio e as declarações envergonhadas de algumas capitais árabes, são o sinal claro de que os palestinianos já sabem com quem não podem contar.