Estudo da Universidade de Oxford publicado nesta semana levou em conta dados de 29 países da América e Europa. Entre os analisados, quem mais sofre com a pandemia nesses termos são os EUA e o Brasil, que recuaram para patamares de expectativa de vida de duas décadas atrás. Em estados como o Amazonas, a queda chega a 3,5 anos anos de vida a menos.
Em 2019, uma espanhola vivia em média 86 anos e seis meses. Em 2020, houve uma diminuição de um ano e meio. A queda é ainda maior nos Estados Unidos (um ano e oito meses) e semelhante à da Lituânia (15 meses). Esses são alguns dos 29 países cuja queda na expectativa de vida por causa do coronavírus foi analisada pela Universidade Oxford em estudo publicado nesta segunda-feira. A principal conclusão é catastrófica: a crise da saúde levou à maior contração da expectativa de vida nos países ocidentais desde a Segunda Guerra Mundial. A Espanha está entre os mais afetados nesse índice. É o segundo país em que as mulheres perderam mais meses de vida e o quinto entre os homens.
O estudo Quantificação dos impactos da pandemia de covid-19 por meio da perda de expectativa de vida: um estudo com população de 29 países compara dados dos Estados Unidos, Chile e da maioria dos países europeus. Analisa a expectativa de vida de cada país, ou seja, a idade média de todas as pessoas que morreram em um determinado período. Nesse caso, ao longo de 2020, ano em que começou a pandemia. “O fato de que nossos resultados demonstram um impacto tão grande diretamente atribuível à pandemia mostra o quão devastadora a covid-19 tem sido para muitos países”, disse à Reuters Ridhi Kashyap, coautor do estudo publicado no Journal of Epidemiology. “A magnitude das perdas observadas em 2020 não era vista desde a Segunda Guerra em muitos países da Europa Ocidental, como Espanha, Inglaterra e País de Gales, Itália, Bélgica, França, Holanda, Suécia, Suíça e Portugal, com dados disponíveis para o século XX”, explica o estudo da Universidade Oxford.
Entre os países analisados, quem mais sofre com a pandemia em termos de expectativa de vida são os Estados Unidos. Entre os homens, esse índice caiu em 2020 para 74 anos e meio (dois anos e três meses a menos que em 2019) e entre as mulheres, para 80 anos (um ano e oito meses a menos). Precisamente os Estados Unidos —cuja expectativa de vida está entre as mais baixas dos 29 analisados— são o país que mais registra mortes desde o início da pandemia (quase 700.000).
Nos Estados Unidos, a queda na expectativa de vida foi muito mais pronunciada entre os homens do que entre as mulheres, cerca de sete meses. Esse padrão se repete, embora não tão pronunciado, na maioria dos países analisados. Vários estudos mostraram que os homens são mais sensíveis às piores consequências do vírus. Uma das exceções é a Espanha, onde a análise da Universidade Oxford mostra que a expectativa de vida caiu um pouco mais para as mulheres do que para os homens.
Assim, depois dos Estados Unidos, o país em que a expectativa de vida das mulheres mais diminuiu foi a Espanha (de 86 e meio em 2019 para 85 em 2020), seguida da Lituânia e da Bulgária. Entre os homens, a Espanha é o quinto mais afetado, com queda de um ano e meio (de 81 anos em 2019 para pouco mais de 79 e sete meses em 2020), superada pelos Estados Unidos, Lituânia, Bulgária e Polônia.
A queda da expectativa de vida na Espanha, reduzida aos níveis de 2012, é a maior registrada na série histórica do Instituto Nacional de Estatística, que se inicia em 1975, um conjunto de dados que crescia cada vez mais quase ininterruptamente até 2020.
Espanha, na vanguarda da queda do índice entre as mulheres
Apesar desses dados, a Espanha é o país com maior expectativa de vida entre as mulheres entre os 29 analisados pela Universidade Oxford. No entanto, a liderança sofreu durante a pandemia: em 2019 as espanholas estavam 11 meses à frente das suíças, mas a diferença foi reduzida para apenas duas semanas. Entre os homens, porém, a Espanha cai para o sétimo lugar, superada pela Noruega, Suíça e Islândia. Em 2019 estava em sexto lugar. Em nível mundial, de acordo com os números do Our World in Data em 2019, a Espanha é um dos países com maior esperança de vida do mundo, só superado por Mônaco, San Marino, Hong Kong, Japão, Macau, Ilhas Cayman, Suíça, Andorra e Cingapura.
Esta análise da Universidade Oxford é limitada para compreender o efeito da pandemia na expectativa de vida no mundo. Não inclui dados do Brasil, o segundo país mais afetado pelo coronavírus (cerca de 600.000 mortes), nem da Índia (450.000), o terceiro. No total, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, 4,7 milhões de pessoas morreram de covid-19 desde o início da crise. Na Espanha, mais de 86.000 pessoas morreram por coronavírus, de acordo com o Ministério da Saúde —esse cálculo não inclui milhares de mortes sem um teste diagnóstico no início da pandemia.
É possível que a expectativa de vida continue a piorar em nível mundial assim que forem conhecidos os dados de 2021. Apesar de as vacinas terem melhorado substancialmente a situação (especialmente nos países ricos, com maior cobertura vacinal), ao longo deste ano houve muito mais mortes (2,88 milhões) do que em 2020 (1,88).
Diego Ramiro, diretor do Instituto de Economia, Geografia e Demografia do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC), acredita que, embora muitas pessoas tenham morrido de coronavírus na Espanha ao longo de 2021, o golpe na expectativa de vida não será tão severo quanto em 2020. Ele considera que “o normal” é que em breve a expectativa de vida volte aos níveis de 2019, mas “isso vai depender dos efeitos colaterais que a covid-19 deixar, o que pode levar a um aumento mais lento da expectativa de vida”. “A Espanha sofreu a pior parte da pandemia no início de 2020, durante a primeira onda. Por isso a expectativa de vida baixou tanto. Países que sofreram mais na segunda metade de 2020 ou início de 2021, e com maior rejeição às vacinas, ainda podem registrar quedas significativas”, acrescenta Ramiro.
Diferenças de idade
O estudo da Universidade Oxford não diferencia apenas por sexo. Também estima como a mortalidade em cada faixa etária afetou a variação da expectativa de vida em cada país. O vírus foi mais letal principalmente nos maiores de 80 anos. Na Espanha, considerando o ano e seis meses de redução na expectativa de vida das mulheres, independentemente da idade, um ano corresponde à mortalidade no grupo das maiores de 80, mais de cinco meses para a faixa de 60 a 80 e cerca de um mês para as com menos de 60.
Entre os homens, a queda de um ano e cinco meses se distribui de forma mais uniforme nos idosos: oito meses nas pessoas com mais de 80 anos, outros oito nas pessoas entre 60 e 80 anos e um mês nos menores de 60 anos.
Esses dados não são substancialmente diferentes no restante dos países europeus, mas a diferença em relação aos Estados Unidos é impressionante. Entre os homens, a expectativa de vida —que caiu um ano e oito meses— piorou mais pela mortalidade entre os menores de 60 anos (um ano) do que entre os maiores de 80 (seis meses).
Brasileiro perdeu quase 2 anos de expectativa de vida na pandemia, e 2021 deve ser pior, diz demógrafa de Harvard
Mariana Sanches, BBC News Brasil, 14 de abril de 2021
O brasileiro perdeu quase dois anos de expectativa de vida em 2020 por causa da pandemia de covid-19. Em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos do que se esperaria sem o quadro sanitário atual no país. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados.
Com isso, a esperança de longevidade dos brasileiros retornou ao patamar de 2013. A queda interrompe um ciclo de crescimento da expectativa de vida no país, que partiu da média de 45,5 anos, em 1945, até atingir os estimados 76,7 anos, em 2020, um ganho médio de cinco meses por ano-calendário.
O cálculo do impacto da covid-19 na sobrevida da população foi feito por uma equipe de pesquisadores liderados pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard. A expectativa de vida, ou seja, a estimativa de quantos anos uma determinada população nascida em um dado ano deve viver, é um importante indicador de qualidade de vida e um dos componentes no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das nações.
"Funciona como um termômetro social porque ela te mostra como a gente está progredindo em aumentar a longevidade da população, através de medidas de saúde pública, saneamento, e também te mostra como determinado choque, como uma guerra ou, neste momento, a pandemia, reduz esse indicador porque há um padrão de mortalidade maior do que o esperado", afirmou Márcia Castro à BBC News Brasil.
Com a segunda maior taxa de mortalidade do mundo em números absolutos, o Brasil registra mais de 355 mil óbitos causados pelo novo coronavírus. E o impacto dessa mortalidade na expectativa de vida da população do país já é 72% maior do que a verificada nos Estados Unidos, líder em óbitos por covid-19 (560 mil). Enquanto os brasileiros perderam 1,94, ano, na média, os americanos perderam 1,13 ano de expectativa de vida em 2020 por conta da pandemia (redução de 78,8 anos para 77,8 anos).
Mais de dois anos?
Mas os dados podem ser na verdade piores do que essa estimativa. "A gente sabe que houve muita dificuldade de acesso ao teste de covid-19, subnotificação e muita morte pelo novo coronavírus que não foi registrada dessa maneira", explica Castro.
Assim, os pesquisadores contemplaram um cenário alternativo: contabilizaram o impacto na expectativa de vida brasileira a partir da soma de todas as mortes oficialmente registradas como covid-19 acrescidas de 90% daquelas identificadas como causadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), quadro comumente provocado pelo novo coronavírus. Nesse cenário, a redução na expectativa de vida no Brasil ultrapassaria os dois anos e meio.
"Ainda assim, são duas estimativas bastante conservadoras. As medidas devem ser ainda maiores porque mesmo depois de contabilizar mortes por covid-19 e por SRAG, verificamos que há ainda um excesso de óbitos em relação ao esperado, que pode ser causado por falta de assistência médica básica para outras doenças, por exemplo", afirma Castro. A demógrafa e os demais pesquisadores já trabalham em novas pesquisas para estimar essa perda.
Em 2021 vai ser maior?
Além disso, o atual estado da pandemia no Brasil indica que, em 2021, em vez de se recuperar um pouco do tombo, a expectativa de vida no país pode sofrer uma redução ainda mais severa. Esse ano, o país já registra o equivalente a quase metade de todas as mortes por covid-19 de 2020. "Não estamos nem em meados de abril e Estados como Amazonas e Rondônia já têm mais mais mortes esse ano do que em todo o ano passado. Então é fácil prever que esse ano deve ser ainda pior", nota Castro.
A tendência, de acordo com a cientista, não é de melhora porque a vacinação avança a passos lentos no país - nem 12% da população recebeu ao menos uma dose de imunizante - e as medidas de saúde pública que poderiam conter a transmissão do vírus - como o uso de máscaras e o distanciamento social - não têm sido adotadas de forma consistente ao redor do Brasil. A atual média móvel de mortes diárias de brasileiros por covid-19 está acima de 3 mil.
Para piorar, de acordo com a Fiocruz, nas últimas semanas o país enfrenta o maior colapso hospitalar de sua história. Nessas circunstâncias, o número de mortes por causas tratáveis e evitáveis tende a aumentar, já que a população não consegue acesso regular a tratamento de saúde em um sistema sobrecarregado por vítimas da covid-19.
À situação, se somam a insegurança alimentar, estimada em dezenas de milhões de pessoas, já que a economia patina e o auxílio emergencial atual equivale a menos da metade do concedido em 2020. "Então você tem a pandemia, o restante do atendimento de saúde precário, um conjunto de famílias com sua vida e renda desestruturada porque perderam um ou os dois mantenedores da casa, há fome de novo no Brasil, e tudo isso afeta os índices de mortalidade não só entre idosos, mas a mortalidade infantil e a força produtiva brasileira também", afirma Castro.
Em um pior cenário, o Brasil poderia verificar uma redução da expectativa de vida comparável à registrada nos Estados Unidos durante a epidemia de gripe espanhola, em 1918, quando se verificou uma perda entre 7 e 12 anos da longevidade estimada dos americanos. "O que percebemos é que o Brasil não está nem tomando as medidas necessárias para tentar sair da onda atual, já que a pandemia corre solta, nem se preparando para a possibilidade de uma nova onda da covid-19 ainda neste ano", diz Castro.
Pior no Norte, melhor no Nordeste
O estudo, ainda em versão pré-print (sem revisão pelos pares), indica também que a pandemia reduziu de modo desigual a expectativa de vida a depender da região do país.
Fenômeno parecido foi registrado nos Estados Unidos. Lá, estudos feitos com recorte de raça mostraram que, enquanto um homem americano branco teve uma redução de 0,8 ano na expectativa de vida em decorrência da pandemia, um negro registrou queda de 3 anos no indicador e um hispânico, de 2,4 anos.
No Brasil, o cálculo por raça não se mostrou viável porque um terço dos registros de óbito por covid-19 não continha essa informação. "Não tenho dúvidas que encontraríamos dados semelhantes aos americanos, com pretos e pardos mais vitimados também no Brasil, mas a estimativa ficaria frágil pela falta do dado completo", afirmou Castro.
A solução foi verificar as diferenças da mortalidade por Estado. A primeira constatação é que, diante da inexistência de uma estratégia centralizada do governo federal para combater a pandemia, as estratégias locais variaram e os resultados em relação à pandemia, também.
Os pesquisadores descobriram que o Distrito Federal, onde está a capital do país, registrou o pior resultado: ali, a expectativa de vida recuou em mais de 3 anos. A região ganhou destaque tanto pelo colapso do sistema de saúde que, recentemente levou a cenas de acúmulo de corpos de vítimas da covid-19 no chão de hospitais públicos, como pelas repetidas excursões do presidente Jair Bolsonaro às cidades satélites que compõem o DF. Nessas ocasiões, o mandatário, sem máscara, provocou aglomerações e repetiu o costumeiro discurso contra medidas de como o distanciamento social.
O DF foi seguido por três Estados do Norte: Amapá, com queda de 2,98 anos na expectativa de vida, Amazonas, com perda de 2,92 anos, e Roraima, com redução de 2,74 anos.
Na outra ponta, entre os Estados que menos perderam na expectativa de vida em 2020, estão vários nordestinos, como Maranhão, Piauí e Bahia, os três abaixo de 1,49 ano de redução na expectativa de vida.
A descoberta intrigou os pesquisadores, já que, conforme assinalam no estudo, os "Estados das regiões Norte e Nordeste têm os piores indicadores de desigualdade de renda, pobreza, acesso à infraestrutura e disponibilidade de médicos e leitos hospitalares". Então, por que o Nordeste não foi tão devastado pela pandemia quanto o Norte do país?
Em um artigo publicado nesta quarta-feira, 14/4, na revista científica Science, eles abordam hipóteses para essa disparidade entre as duas regiões mais pobres do país.
Uma delas é a rapidez com que a pandemia se interiorizou nos Estados. Os pesquisadores usaram uma escala de 0 a 100, em que quanto mais próximo de 100 mais concentrados geograficamente os casos e mortes estão. Se a pandemia tivesse sido restringida com sucesso a poucos municípios, os índices deveriam se manter em valores acima de 50 por várias semanas. Se ela tivesse se espalhado sem controle pelo território, a tendência seria de uma queda rápida desses valores em poucas semanas.
O achado não poderia ser mais ilustrativo. Na primeira semana em que casos de covid-19 foram diagnosticados, Amazonas, Roraima e Amapá (justamente aqueles Estados com maior redução na expectativa de vida) já registravam índices de casos e morte abaixo dos 50 na metodologia dos pesquisadores, ou seja, uma transmissão altamente disseminada e veloz em todo o território.
"Isso sugere a circulação não detectada do vírus antes do primeiros registros oficiais (e, portanto, quando os diagnósticos começaram já havia uma grande fração da população infectada), ou introduções rápidas e múltiplas do vírus seguidas por rápida propagação espacial", escrevem os cientistas no estudo. Os cientistas concluíram que o novo coronavírus já circulava no Brasil ao menos um mês antes do primeiro caso oficialmente diagnosticado, no final de fevereiro de 2020.
O resultado do quadro visto em Amazonas, Roraima e Amapá é um número muito alto de casos em um amplo espaço geográfico e em um curto espaço de tempo. E essa é, segundo Castro, a receita para que a mortalidade avance não só pelos efeitos do vírus, mas pela falta de estrutura de saúde. "No Amazonas, por exemplo, só Manaus têm leitos de UTI. Se esses leitos se esgotam rapidamente, apenas com pacientes da capital, enquanto há doentes que precisam deles a muitas horas de distância dali, o que acontece é inevitável: esse paciente distante vai morrer", explica Castro.
Mas não é só isso. Os pesquisadores também notaram de que maneira a resposta dos Estados produzia melhores ou piores resultados com o passar das semanas. "O impacto na expectativa de vida está ligado obviamente a como a epidemia se espalhou, que é uma função direta da ausência de controle do vírus. E a ausência de controle do vírus está ligada à questão do alinhamento político dos governadores a Bolsonaro", afirma Castro.
Segundo ela, os pesquisadores encontraram uma correlação entre o apoio dos atuais governadores ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em 2018, com sua propensão a tomar medidas como lockdowns e imposição do uso de máscaras, que contrariavam as diretrizes dadas pelo governo federal. Na Região Norte, dos sete governadores eleitos, cinco apoiaram abertamente Bolsonaro: Gladson Cameli (PP), no Acre; Wilson Lima (PSC), Amazonas; Coronel Marcos Rocha (PSL), em Rondônia; Antonio Denarium (PSL), em Roraima; e Waldez Góes (PDT), no Amapá. Do outro lado, no Nordeste, dos nove governadores, nenhum declarou apoio a Bolsonaro no pleito.
"As medidas que foram tomadas contra a pandemia quando você compara as duas regiões são completamente diferentes. Na região Nordeste você verifica medidas que iam completamente contra o que o presidente queria que fosse feito", diz Castro. Bolsonaro chegou a entrar com ação contra os governadores no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir lockdowns. Em março de 2021, quando o governador baiano Rui Costa decretou severas restrições à circulação da população e ao comércio, Bolsonaro prometeu ir à Justiça para derrubar a ordem estadual. Costa reagiu dizendo que o presidente era "aliado do vírus".
'Baby boom' à vista?
Para Castro, os próximos meses serão cruciais para definir o futuro demográfico do país. Segundo a demógrafa, após um choque de mortalidade como o experimentado pelo Brasil, é comum ver um "baby boom", uma onda de nascimentos que recupere as taxas populacionais do lugar.
A pesquisadora, no entanto, tem dúvidas se algo semelhante acontecerá no Brasil agora, dado o cenário sombrio que se projeta para os próximos meses e a dificuldade de ver um fim para a pandemia no país. "É provável que tenhamos muitos casais que tenham adiado os planos de filhos no ano passado. Mas isso não significa que eles verão condição de ter um filho agora", diz Castro.
Em 2020, cidades como o Rio de Janeiro já registraram mais mortes do que nascimentos. O déficit populacional carioca ficou em quase 5 mil pessoas. Essa era uma tendência projetada pelo IBGE para acontecer apenas em 2047.
Segundo Castro, é difícil prever como a pandemia alterará os aspectos demográficos do país. "A gente ainda faz cálculos com base no Censo de 2010. A gente não sabe, por exemplo, o tamanho do impacto que essas mortes podem ter sobre o sistema da previdência social. Ou na composição populacional das cidades. Ou na taxa de reposição da população em dadas áreas, com mais mortes do que nascimentos", diz Castro.
A pandemia atrasou a execução do Censo, realizado a cada 10 anos, e empurrou a pesquisa para 2021. Mas a redução no orçamento público reservado para a empreitada - de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões - agora ameaça inviabilizar a realização de um novo Censo, o que deixaria o Brasil no escuro sobre a configuração de sua própria população.