É indiscutível que a crise atual produzida pela pandemia do novo coronavírus já é, e será ainda mais nos próximos meses e anos, a questão social e política mais importante do século XXI. O futuro do planeta e, portanto, da humanidade, será decidido nas próximas décadas.
Para entendermos esse processo atual, precisamos voltar um pouco atrás. Durante os desdobramentos da crise econômica que eclodiu em 2008, ficou evidente a total irracionalidade de um sistema econômico baseado na mercantilização de tudo, na especulação desenfreada, no totalitarismo dos mercados financeiros e na globalização que cada vez mais privatiza e concentra os lucros e a riqueza nas mãos de poucos, coletivizando mais prejuízos e danos oriundos da exploração capitalista dos recursos naturais por todo o planeta.
Já era nítido, portanto, que não estávamos falando apenas de uma crise econômica e financeira, mas sim de uma convergência de crises: ambiental, social, política, alimentar, energética e sanitária. Essa caracterização indica que a crise é, na verdade, do modelo de civilização capitalista como um todo, em especial implementado na sua última etapa histórica de desenvolvimento no planeta, o neoliberalismo.
Atualmente, podemos identificar um aprofundamento brutal dessa crise do atual modelo de civilização do capitalismo, onde o surgimento do novo coronavírus e a rápida consolidação de uma pandemia, se tornou seu maior expoente. Combater a crise sanitária atual requer combater concretamente esse modelo de civilização que nos trouxe até aqui, esgarçando a fresta que pode ter se aberto sobre a reflexão dos caminhos que a humanidade irá tomar a partir desse processo.
O Brasil vive hoje uma situação bastante delicada, com o aprofundamento das crises econômica e política internas, anteriores à pandemia. Os níveis de exploração e violência contra a população e a natureza atingiram patamares dramáticos no governo Bolsonaro. Sem contar as movimentações institucionais de Ricardo Salles, em sua postura irresponsável, omissa e incompetente como Ministro do Meio Ambiente, frente aos graves episódios que, somadas ao seu discurso de aproveitar a “tranquilidade da pandemia para passar a boiada”, revelam sua posição racista, genocida e anti-natureza, que é compartilhada pelo presidente.
Dentre os episódios graves – e a forma como o necro Governo de Bolsonaro-Salles lidou com eles -o rompimento de barragem em Brumadinho, que matou 270 pessoas, as queimadas na Amazônia e o aumento da violência no campo e nas florestas contra os povos tradicionais, o derrame de petróleo no mar da costa do Nordeste brasileiro, atingindo também o Sudeste, a crise no abastecimento de água das grandes cidades, o desmonte ainda maior do ICMBio e do IBAMA, das políticas indígenas e quilombolas, dentre outros.
A questão ambiental deixou de ser uma questão “do futuro” ou de segmentos específicos de lutas, uma vez que impactam diretamente a vida cotidiana de milhões (e bilhões) de pessoas trazendo a centralidade da defesa do meio ambiente para a ordem do dia da luta anticapitalista.
É nesse cenário que o Fórum Popular da Natureza (FPN), teve seu lançamento em evento nacional que aconteceu virtualmente de 1 a 10 de Junho, com debates, oficinas autogestionadas, apresentações culturais e rodas de conversa.
Foi uma possibilidade de construir uma importante articulação e unidade de diferentes processos da luta socioambiental, em um contexto de pandemia e de profunda crise política e econômica no país. Com a participação de centenas de ativistas, movimentos sociais, organizações, partidos, juventude, pesquisadores e coletivos auto-organizados, discutindo uma diversidade de temas, que vão dos conflitos socioambientais às políticas públicas sobre resíduos sólidos, das inter-relações ciência, economia, movimentos e natureza até a reflexão sobre as alternativas sistêmicas ao capitalismo.
Reconhecemos que o formato virtual trouxe limitações para a uma maior popularização e ampliação da iniciativa, mas foi uma imposição frente à pandemia, não o plano original. Ainda assim, o lançamento do Fórum Popular da Natureza contribuiu em dar uma resposta à crise do coronavírus, a partir da articulação em convergência com amplo campo de luta em defesa do meio ambiente, fortalecendo nossas bandeiras democráticas e transitórias de saída para esse momento de enfrentamento à pandemia e a um governo genocida.
Cumpriu, dessa forma, ao que se propôs. Constituir um espaço de articulação onde organizações, movimentos e pessoas possam consolidar, de forma democrática e horizontal um amplo movimento de resistência à destruição ambiental, formulando alternativas econômicas, sociais e culturais ao modelo produtivista dominante e, ao mesmo tempo, reforçando a luta contra o governo Bolsonaro, pela perspectiva ambiental.
Devemos levar a sério a crise sanitária e realizar propostas para combatê-la de forma popular, democrática, antirracista, feminista e internacionalista. A corrente de solidariedade deve se estender, fortalecendo ações e comportamentos coletivos responsáveis para reduzir os impactos da crise para os mais pobres.
Ou as organizações políticas e movimentos sociais encaram esta problemática a partir da realidade social da classe trabalhadora, ou as classes dominantes imporão suas soluções de aprofundamento dos níveis de exploração, violência e destruição, avançando no projeto ultra liberal e na supressão de direitos sociais, trabalhistas, ambientais já em curso.
Ficou evidente durante o Fórum Popular da Natureza a relação entre a pandemia e os ataques ao meio ambiente, evidenciando o que o Salles estava querendo dizer com “passar a boiada” durante a pandemia.Os números dos desmatamentos na Amazônia aumentaram drasticamente durante a pandemia, aumentando consequentemente a emissão dos gases de efeito estufa no país, fenômeno ao contrário do que acontece no resto do mundo, em que a retração da economia derrubou as emissões.
Essa aceleração do desmatamento decorre diretamente das ações do governo Bolsonaro de desmontar os planos de controle, por um lado, e estimular o crime ambiental, por outro.
Não à toa, o crescimento dos casos de coronavírus entre os povos indígenas, até nos povos isolados, devido a presença dos garimpeiros e desmatadores dentro dos territórios indígenas, alarmando entidades e organizações comprometidas na luta contra o etnocídio que se dá tanto pela negligência com a invasão e ocupação territorial, com os assassinatos recorrentes de lideranças e lutadores indígenas, mas também pelo desmonte direto das políticas de saúde e assistência indígenas, permitindo que o vírus seja um fator favorável aos planos capitalistas necropolíticos de Bolsonaro, Salles e cia.
Em paralelo, o acesso a um dos bens comuns mais importantes no enfrentamento a essa crise sanitária, que é a água doce potável, permanece sem chegar para todas as casas, demonstrando a desigualdade estrutural nos impactos dessa crise para as populações mais vulneráveis, evidenciando ainda mais o racismo ambiental que existe no centro desse processo.
É tempo de retomar o debate sobre qual sociedade queremos após essa crise. Precisamos aproveitar esse momento e ser capaz de encará-lo como uma encruzilhada da história.
Nesse sentido, acreditamos que o conjunto dos atores do Fórum Popular da Natureza podem impulsionar em unidade uma campanha de mobilização nas redes sociais contra “#BolsonaroInimigoDaNatureza”, denunciando os ataques ao meio ambiente protagonizados por esse governo, e somando às mobilizações pelo #ForaBolsonaro a defesa do #ForaSalles.
Acreditamos também que será fundamental a construção de etapas estaduais do Fórum Popular da Natureza, aproximando mais essa construção dos territórios, principalmente através das ações de solidariedade que já estão sendo organizadas, consolidando essa rede de articulação, formulação e mobilização por uma outra sociedade.