Quando o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus declarou uma emergência pública internacional devido ao surto de coronavírus, em 30 de janeiro de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez várias recomendações. Não eram medidas de aceitação obrigatória, mas foi uma postura politicamente significativa.
Eduardo Camin, Carta Maior, 6 de fevereiro de 2022
No entanto, o grande problema é que não existem mecanismos de fiscalização pelos quais a OMS possa exercer pressão para que um país cumpra os requisitos. Alguns tendem a “esquecer” que o verdadeiro escopo da OMS não é nem mais nem menos do que o de um órgão consultivo intergovernamental, atuando em simbiose com os Estados-membros.
Portanto, seu papel se limita a recomendar aos países o que fazer para melhorar a saúde de seus cidadãos, e quais medidas devem ser tomadas para prevenir surtos de doenças. Mas, paradoxalmente, não pode fazer cumprir essas mesmas recomendações, uma vez que não tem capacidade para obrigar ou sancionar os seus membros.
A OMS tem a missão de exercer a liderança global em saúde, ajudando a definir agendas de pesquisa, estabelecendo padrões e diretrizes para a formulação de políticas baseadas em evidências e fornecendo assistência técnica aos Estados-membros, monitorando e avaliando de perto as tendências epidemiológicas.
Desde o início da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, OMS identificou ao menos cinco diferentes variantes consideradas como mais preocupantes: Alpha, Beta, Gamma, Delta e Ômicron.
Em recente conferência de imprensa, Tedros Adhanom Ghebreyesus considerou que é “prematuro” declarar uma vitória contra a covid-19 e abandonar o esforço para frear a transmissão do vírus. “É prematuro que qualquer país decida baixar a guarda, ou se declarar vitorioso”, foi a declaração completa do chefe da OMS, preocupado com o aumento do número de mortes na maioria das regiões do planeta.
Seu pedido de cautela ocorre em um momento em que alguns países ocidentais buscam retornar à normalidade, levantando restrições – apesar dos recentes números recordes de casos de covid-19. Alguns governos estimam que a ampla cobertura de vacinas e a menor gravidade do quadro que produz a variante Ômicron justificam tal postura.
Contudo, Adhanom deixou claro que “mais contágios significam mais mortes”, e alertou que “estamos preocupados com o fato de ter sido instalado, em certos países, um relato de que graças às vacinas e à elevada contagiosidade da variante Ômicron, combinada com sua menor gravidade, não seria recomendável utilizar mais recursos na prevenção do contágio. Isso não poderia estar mais longe da realidade”. O médico também enfatizou que o vírus é “perigoso”, uma mensagem que ele vem repetindo incessantemente desde que esta nova variante apareceu, nos últimos meses de 2021.
“Não estamos pedindo aos países que restabeleçam os confinamentos, mas sim que protejam suas populações, usando todos os meios disponíveis, e não apenas as vacinas”, disse o diretor-geral da OMS. Também lembrou que o vírus continuará evoluindo, e por isso “os países devem continuar testando, monitorando e sequenciando os casos. Não podemos combater esse vírus se não soubermos o que ele está fazendo”. Além disso, afirmou que “talvez as vacinas também tenham que evoluir”.
Desde setembro de 2021, a OMS estabeleceu um Grupo Técnico Consultivo sobre a Composição de Vacinas contra a Covid 19 – conhecido pela sigla TAG-CO-VAC. Este grupo multidisciplinar conta com 18 especialistas e seu trabalho é revisar e avaliar o desempenho de vacinas contra a doença, e suas implicações para a saúde pública.
Esses especialistas estão considerando e recomendando a composição da cepa das vacinas contra a covid-19, e incentivam os desenvolvedores de vacinas a coletar dados em pequena escala sobre a amplitude e magnitude da resposta imune para vacinas monovalentes e multivalentes.
Entre a imunidade de rebanho… a prioridade do mercado
A realidade é que a crise sanitária desencadeou a paralisia quase total da máquina produtiva do capitalismo global: o sistema político dominante do nosso tempo, que em sua forma neoliberal se baseia em dar prioridade absoluta ao mercado na organização da vida social.
O dinheiro é a medida de sucesso mais usada e o principal indicador de competência e valor, o grande denominador comum pelo qual todas as coisas são comparadas e medidas. Dessa forma, a saúde não é mais concebida como um direito humano, conforme declarado na constituição da OMS, mas sim como uma mercadoria – ou, no melhor dos casos, como uma contribuição para a produtividade, conforme já determinado pelo Relatório da OMS de 2001, denominado “Investir em Saúde para o Desenvolvimento Econômico”.
Hoje, quase todo o trabalho internacional em saúde é organizado por meio de parcerias público-privadas, que representam mais um mecanismo de extração de riqueza (dos 99% ao 1% mais ricos), aproveitando o setor público para obter benefícios privados.
A politização para fins geopolíticos é um mau presságio. Os países mais poderosos do mundo exigem que a OMS siga seus respectivos interesses soberanos, por razões que pouco têm a ver com a saúde global.
Sem dúvida, a OMS se encontra nessa situação apesar de sua liderança em saúde global, mais por suas capacidades científicas, médicas e de saúde pública do que por sua autoridade para desafiar politicamente os Estados. E, em meio a esse quadro, apesar das recomendações da agência, acreditamos que os dados já estão lançados: as comportas abertas do consumo massivo vão impor o relato de que o vírus já foi erradicado.
Eduardo Camín é jornalista uruguaio, correspondente na sede da ONU em Genebra e associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
*Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli