Esta resolução, apresentada pelo então Comitê Internacional, foi adotada por 106 votos a favor, 6 contrários e 3 abstenções no 17º Congresso Mundial da IV Internacional (2018).
Quarta Internacional. Reproduzido de Marxismo Revolucionário Internacional. Tradução de Pedro Barbosa.
Conteúdo
1. Introdução
2. Uma reorientação nos anos 90
3. Em 2003 reafirmamos
4. Em 2010 deslocamos nossa ênfase para privilegiar a reconstrução da esquerda, ao invés de focar nas relações possíveis com as organizações de esquerda já existentes e de diferentes tipos
5. Diferentes caminhos para os mesmos objetivos, rupturas e bifurcações
6. O balanço de nossas experiências do início dos anos 90
7. Lições extraídas dos balanços
8. A importância da Quarta Internacional
9. Rumo a uma nova Internacional?
1. Introdução
Nossa tarefa de hoje é construir partidos que sejam úteis nas lutas de classes. Isto é, partidos que podem reunir forças suficientes e decidir sobre ações que tenham um impacto e que possam fazer avançar a luta de classes, sobre a base de uma abordagem e um programa de luta de classes. O objetivo último de tal partido é se livrar do sistema (capitalista) existente, mesmo que este objetivo esteja expresso em termos muito gerais. Esta perspectiva compromete as forças da Quarta Internacional a ser parte integrante e leal da construção e da direção destes partidos, não simplesmente estar ali com o objetivo de recrutar ou esperar para denunciar eventuais traições. Nosso objetivo estratégico é a construção de partidos revolucionários de massas e de uma Internacional revolucionária de massas.
Nossa orientação deriva da análise da situação mundial que é discutida nos outros dois informes desenvolvidos na perspectiva do Congresso Mundial, os quais assinalam por um lado o caos geopolítico e por outro os processos desiguais e contraditórios de radicalização diante de uma crise de consciência de classe.
A ideia central é que não podemos generalizar um modelo para o que a Quarta tem que fazer, ainda que seja óbvio que algumas experiências aparentemente mais exitosas seriam imitadas. Temos que estar acostumados com uma situação na qual as experiências concretas sejam variadas e talvez caminhem em uma direção diferente. Um dos problemas que temos tido é a tendência involuntária a considerar só o que está acontecendo em alguns países chave (França até alguns anos, etc.), e não internacionalizar o suficiente nossa maneira de pensar. A discussão sobre diferentes experiências nas últimas reuniões do Comitê Internacional [1] foi boa para tornar nossa perspectiva mais plural, e este é o enfoque da presente resolução sobre papel e tarefas.
2. Uma reorientação nos anos 90
No Congresso Mundial de 1995 decidimos, na nova situação criada pela queda do muro de Berlim e pelo colapso do bloco soviético ⎼ reconfigurando as delimitações entre as organizações ⎼, que era possível construir partidos de luta de classes radicais envolvendo forças mais amplas, que poderiam ter um impacto mais positivo e maior peso na luta de classes [2].
A resolução “Construindo a Internacional hoje” expunha uma aproximação à construção de partidos centrada na edificação e fortalecimento das organizações da Internacional, a nível nacional, através da congregação de forças mais amplas do que as que seriam ganhas com o programa histórico da Quarta.
O documento descreveu o contexto da seguinte maneira:
“O projeto de uma sociedade socialista que represente uma alternativa ao capitalismo e às experiências desastrosas do ‘socialismo’ burocrático carece de credibilidade: está gravemente comprometido pelo balanço do estalinismo, da social-democracia e do nacionalismo populista no ‘terceiro mundo’, assim como pelas limitações daqueles que apoiam este projeto hoje.
Em um grande número de países dominados, importantes forças de vanguarda se mostram agora céticas quanto às possibilidades de êxito de uma ruptura revolucionária com o imperialismo e quanto à possibilidade de tomar o poder e de mantê-lo no marco da nova correlação de forças… [...] o internacionalismo revolucionário aparece como uma utopia” (Capítulo 1)
Cabe assinalar que os informes para o Congresso Mundial não indicam nenhuma melhora qualitativa na relação de forças nem no nível de consciência política de classe.
Isto não quer dizer que a situação permaneceu igual desde 1995. Houve movimentos importantes que deixaram sua marca na consciência política (entre outros, os zapatistas, o movimento por Justiça Global, a revolução bolivariana, o movimento Occupy, o processo revolucionário árabe, assim como algumas greves massivas nos locais de trabalho e mobilizações feministas). No entanto, não foram suficientes para reverter os ataques incessantes à classe trabalhadora. Portanto, não mudaram o equilíbrio geral de forças. Não surgiu nenhuma corrente política de esquerda forte que tenha reestruturado o jogo, logo a construção de novos partidos segue sendo uma perspectiva viável.
As duas pistas para tal construção de partidos foram explicadas do seguinte modo:
“O colapso do sistema estalinista tem como consequência positiva ter abalado fortemente os preconceitos sectários sobre nós entre as fileiras das vanguardas operárias, sindicais e políticas. Igualmente, o vangloriar-se do capital teve como efeito incitar a unificação de todos os anticapitalistas, conscientes de sua debilidade. Estamos em melhor posição agora para tecer relações de solidariedade militante e de unidade nas lutas com as forças que anteriormente rejeitavam inclusive iniciar um diálogo conosco (Capítulo 2) [...] Desejamos receber em nossas fileiras organizações marxistas revolucionárias que não necessariamente se reivindiquem do ‘trotskismo’, ou se reconheçam em nossa história, mas que se unam a nós sobre a base de uma convergência programática real (Capítulo 3).
Deveremos também integrar novos temas à reflexão política das jovens gerações militantes que, de agora em diante, atuarão no marco “pós-estalinista”, no qual as novas preocupações ideológicas e experiências devem ser combinadas com as lições tradicionais, mais uma vez confirmadas pelo capitalismo em crise. Levar em consideração estes novos sujeitos não é só um problema de ‘pedagogia’ com a juventude combatente, mas ⎼ mais fundamentalmente ⎼ de nossa capacidade de elaboração teórica, atualização programática e assimilação das novas experiências políticas, das formas e dos eixos de luta originais, das metamorfoses sócio-econômicas, etc. (Capítulo 3)”.
O documento esboçou diferentes métodos para avançar na direção deste objetivo de fortalecer nossas organizações:
“a) A frente única nas lutas concretas e nos movimentos de massas
b) A unidade com as outras organizações revolucionárias
c) Reagrupamento mais amplo com outras forças de esquerda”
Já em 1991, a resolução sobre América Latina colocou: “É obviamente impossível dar uma só orientação para todas as nossas seções. Não há um modelo e uma linha única de construção válidos para todos os momentos e lugares. A revolução nicaraguense e a constituição do PT brasileiro levaram a tentativas de repetir suas experiências. Buscamos construir grandes partidos revolucionários de massas. Mas há uma infinidade de variantes para chegar a isto” (destaque nosso).
Enumerou as distintas opções escolhidas por nossas organizações à época (destaque nosso):
⎼ O surgimento de um partido operário de massas como o PT possibilitou o desenvolvimento em seu interior de uma corrente marxista revolucionária que trabalha da maneira mais leal possível para construí-lo…
⎼ O desenvolvimento de um partido revolucionário independente com influência de massas foi basicamente o caso do PRT mexicano. Antes do surgimento do neo-cardenismo, quase conseguiu atingir a convergência do grosso da esquerda revolucionária ao redor do PRT…
⎼ A incorporação a projetos revolucionários em formação ou já estabelecidos. Este foi o caminho seguido por nossa seção colombiana. A integração de nossos camaradas em ¡A luchar! se deu a partir de uma série de acordos políticos, que giraram basicamente em torno da situação colombiana...
⎼ A participação em uma frente política revolucionária, mantendo uma existência independente. Neste nível, a experiência de nossos companheiros uruguaios na conformação do MPP teve uma grande transcendência. Nele convergem diversas correntes ⎼ o MLN-Tupamaros, o PVP, o MRO e nossos camaradas do PST junto com um setor de independentes.
3. Em 2003 reafirmamos
1) Nosso objetivo é construir partidos proletários que:
⎼ sejam anticapitalistas, internacionalistas, ecologistas e feministas
⎼ sejam amplos, pluralistas e representativos
⎼ estejam profundamente vinculados à questão social e defendam consistentemente as reivindicações imediatas e as aspirações do mundo do trabalho
⎼ expressem a combatividade dos trabalhadores/as, a vontade de emancipação das mulheres, a revolta da juventude, a solidariedade internacional e assumam a luta contra todas as injustiças
⎼ fundamentem sua estratégia no combate extraparlamentar e na auto-atividade e auto-organização do proletariado e dos oprimidos/as
⎼ e assumam uma posição clara a favor da expropriação do capital e pelo socialismo (democrático e autogestionário).
No caso da América Latina, nosso objetivo é construir partidos e/ou reagrupamentos anticapitalistas amplos, pluralistas e com uma real implantação no proletariado e nos movimentos sociais que articulem a resistência anti-neoliberal no marco da luta contra a mundialização capitalista. Como corrente marxista revolucionária, estamos pela construção do ‘núcleo duro’ da esquerda. Esta perspectiva não pode ser construída substituindo o pensamento estratégico, a ação radical e as iniciativas audazes por uma atitude sectária de ‘autoafirmação’ e conservadora de ‘nossa identidade’.
2) A luta por tais partidos passará por etapas, táticas e formas organizativas que serão específicas em cada país. Semelhante recomposição anticapitalista persegue de partida um objetivo chave: promover uma efetiva e visível polarização entre ela e todas as forças devotas do neoliberalismo social (social-democracia, pós-estalinismo, ecologistas, populistas) a fim de acelerar sua crise e dar-lhe uma saída positiva.
Isto requer:
⎼ A presença de forças políticas significativas nas quais as correntes marxistas revolucionárias colaborem com correntes ou representantes importantes ou emblemáticos que rompem com os partidos reformistas sem alcançar com isso posições marxistas revolucionárias
⎼ Uma relação respeitosa mas estreita com o movimento social, cuja recomposição alterne as demandas e a ação
⎼ Uma representatividade reconhecida na sociedade que rompa o monopólio dos partidos social-liberais, graças a uma presença nos parlamentos eleitos mediante o sufrágio universal, a nível local, regional e internacional (Europa)
⎼ Um funcionamento pluralista que, para além da simples democracia interna, favoreça ao mesmo tempo a convergência e o debate e que possibilite a manutenção e o funcionamento de uma corrente marxista como parte de um todo mais amplo.
4. Em 2010 deslocamos nossa ênfase para privilegiar a reconstrução da esquerda, ao invés de focar nas relações possíveis com as organizações de esquerda já existentes e de diferentes tipo.
Queremos nos envolver na reorganização para criar uma nova esquerda que seja capaz de enfrentar o desafio deste século e de reconstruir o movimento dos trabalhadores e das trabalhadoras, suas estruturas, sua consciência de classe, sua independência diante das burguesias a nível político e cultural (destaque nosso)
⎼ Uma esquerda anticapitalista, internacionalista, ecologista e feminista
⎼ Uma esquerda que é uma clara alternativa à social-democracia e seus governos
⎼ Uma esquerda que luta pelo socialismo do século XXI, autogestionário e democrático e que tem um programa coerente para alcançá-lo
⎼ Uma esquerda que seja consciente de que, para alcançar este objetivo, tem de romper com o capitalismo e com sua lógica e que, portanto, não pode governar com as representações políticas daqueles com quem deseja romper
⎼ Uma esquerda pluralista enraizada nos movimentos sociais e nos centros de trabalho, que integra a combatividade dos trabalhadores, as lutas pela libertação e emancipação das mulheres e LGBT e as lutas ecológicas
⎼ Uma esquerda não institucional que embasa sua estratégia na auto-organização do proletariado e dos oprimidos/as, sobre o princípio de que a emancipação dos trabalhadores é tarefa dos próprios trabalhadores
⎼ Uma esquerda que impulsione todas aquelas formas de auto-organização por parte dos trabalhadores e das classes populares que favoreçam e estimulem a pensar, decidir e fazer por sua própria conta e segundo sua própria decisão
⎼ Uma esquerda que integra novos movimentos sociais, novos temas como os expressos no Fórum Social Mundial de Belém e, sobretudo, as novas gerações, pois não se pode construir o novo com membros velhos
⎼ Uma esquerda internacionalista e anti-imperialista, que luta contra a dominação e a guerra, que luta pela autodeterminação dos povos e que constrói o marco para uma Internacional democrática de massas
⎼ Uma esquerda capaz de vincular a herança preciosa do marxismo crítico e revolucionário com as contribuições do feminismo, do ecossocialismo e dos movimentos indígenas da América Latina
⎼ Uma esquerda independente e de luta de classes que luta pela mais ampla ação unitária contra as crises e pelos direitos, conquistas e aspirações dos trabalhadores e trabalhadoras e de todos os oprimidos
Estes são os critérios e o conteúdo geral que nos damos para construir novos instrumentos políticos anticapitalistas úteis para combater o sistema atual.
5. Diferentes caminhos para os mesmos objetivos, rupturas e bifurcações
Como temos reiterado nestas resoluções, a decisão sobre que instrumento político corresponde melhor à definição dada de um país determinado, em um momento determinado, tem que ser baseada na compreensão concreta da situação ⎼ as dinâmicas e as forças existentes. Nenhuma receita vinda de fora, com qualquer etiqueta que seja, pode substituir a compreensão da situação real.
Posto que a utilidade de um instrumento político só pode ser determinada por tal compreensão, o tipo de instrumento político necessário muda conforme muda a situação. O melhor cenário é que o instrumento com o qual estamos envolvidos na construção se adapte ao desenvolvimento das necessidades ⎼ portanto, devemos lutar para desenvolver a base político-programática dos partidos de que somos parte para que façam isso.
Mas pode não ser esse o caso, e que na realidade um tal partido traia o que é necessário. Neste caso, temos que estar preparados para romper e formar um novo instrumento quando avaliarmos que perdemos a batalha política. O risco de fracasso sempre está presente em qualquer decisão política.
No entanto, isto não quer dizer que a decisão anterior foi incorreta (sabemos também que os partidos que proclamam ter o programa completo da revolução bolchevique podem trair ou se tornar reformistas). Temos que avaliar em que ponto da história foram formados e se em seus primeiros tempos (um período mais ou menos longo) tiveram um efeito positivo sobre a situação nacional.
Consequentemente, enquanto julgamos a evolução do PT no Brasil, ou da Rifondazione na Itália, como algo que em última instância não nos levou a nenhum lugar, isto não quer dizer que tenha sido incorreto participar deles (durante um período mais ou menos longo) ou que não foram expressões positivas das aspirações daqueles que desejavam uma mudança sistêmica, tampouco quer dizer que não foram capazes de alcançar avanços concretos.
Também pode ser o caso de que rapidamente se torne óbvio que o instrumento político é transitório e que sua razão de ser deveria ser lutar para criar um novo partido político.
Já que dissemos que a natureza do instrumento político evolui necessariamente com a situação, sabemos que quando a revolução estiver no horizonte vamos necessitar de um partido capaz de entender e aproveitar esta oportunidade. No entanto, sabemos que proclamar o partido revolucionário hoje, na maioria dos casos, não significa necessariamente satisfazer os critérios que estabelecemos para que seja útil para a luta de classes.
Isto não quer dizer que não podemos indicar as experiências nas quais nas quais os partidos que abertamente se caracterizam como revolucionários tiveram um verdadeiro impacto: o Socialist Workers Party (SWP) nos EUA no movimento anti-guerra, a Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) na França, ou fora de nosso movimento o SWP britânico com o lançamento de sua Liga Anti-Nazi nos anos 70. Seu impacto foi o produto de uma situação política particular e somente pode ser entendido em seus próprios contextos. E ainda, seu impacto foi moderado e estes partidos não alcançaram um peso crítico na vida política de seus respectivos países ⎼ se excetuarmos a LCR em suas duas campanhas com Olivier Besancenot em 2002 e 2007 ⎼ durante a última década de sua existência.
6. O balanço de nossas experiências do início dos anos 90
Quase todas as organizações nacionais da Quarta Internacional trataram de construir ou participar, do modo que pensavam corresponder à situação de seus respectivos países, de formações políticas amplas. Existem diferentes avaliações destas experiências, tanto em nossas seções nacionais como na Internacional, mas é mais útil aprender com elas do que insistir sobre o seu resultado.
As primeiras experiências foram nos anos 80, e estas assumiram diferentes formas. Os camaradas do Brasil participaram na criação e construção do PT dos anos 80 em diante. Podemos recordar a formação do Solidarity nos EUA, pelo reagrupamento de três organizações da esquerda revolucionária em 1986, e a Aliança Vermelha-Verde na Dinamarca em 1989, através de um acordo entre o Partido Comunista e o Partido Socialista de Esquerda [3] e nossa própria seção no país. Dez anos depois, em 1999, o Bloco de Esquerda em Portugal foi criado pela seção da Quarta Internacional, por uma corrente do Partido Comunista e por uma organização maoísta.
Na Ásia, várias organizações que vinham de outras correntes ⎼ nas Filipinas camaradas em ruptura com o maoísmo, no Paquistão os camaradas anteriormente membros da Tendência “Militant”, os camaradas do Sri Lanka com suas raízes na ex-seção de antes de 1964 e estando momentaneamente com o Comitê para uma Internacional dos Trabalhadores (CWI, na sigla em inglês) ⎼ também se uniram conosco durante os anos 90 e no início do século.
Estas organizações em particular tiveram que enfrentar situações de extrema violência sob várias formas. Nas Filipinas, através da auto-organização das comunidades ameaçadas e da organização armada e clandestina, apoiando negociações com o governo, e no Paquistão por uma campanha política aberta de denúncia da violência de Estado e dos talibãs.
Algumas de nossas organizações nacionais, particularmente mas não exclusivamente na Europa, participaram de várias tentativas de construir organizações amplas duradouras durante estas décadas. Por exemplo, na Itália ou na Grã Bretanha, mas também na África do Sul e em Porto Rico. Também os camaradas brasileiros, depois da traição do PT, participando na construção do PSOL.
Algumas tentativas de fusão por parte das correntes revolucionárias fracassaram mais ou menos rapidamente (no Estado Espanhol com os maoístas MC/MKE, na Alemanha com os pós-estalinistas no VSP), enquanto outras como o Solidarity nos EUA ou a Socialist Resistance na Grã Bretanha seguem existindo depois de mais de 15 anos. Um ponto central nos balanços foi que estas iniciativas sobrevivem quando há acordo sobre as tarefas na situação nacional.
Outras experiências também fracassaram em realizar o seu potencial, sendo uma das mais notáveis a criação do Novo Partido Anticapitalista (NPA) pela seção francesa em 2009, ou o Left Unity na Grã Bretanha em 2014. Em ambos os casos um fator foi a aparição inesperada de uma corrente de esquerda desde o interior da social-democracia (Partido de Esquerda na França e o fenômeno Corbyn na Grã-Bretanha), o que comprometeu a dinâmica destes novos projetos. No entanto, em nenhum dos casos se demonstrou que estes desenvolvimentos eram um novo instrumento político, crível, duradouro e radical. Isso mostra que, apesar de sua decadência, a social-democracia não está morta (isto não quer dizer que a crise do NPA foi causada somente por este fator).
Por outro lado, tanto a Aliança Vermelho-Verde da Dinamarca como o Bloco de Esquerda em Portugal seguem desempenhando um papel e tendo uma influência como partidos de esquerda em seus respectivos países ⎼ como o Podemos, cujo ímpeto e base estão muito mais ligados ao desenvolvimento de movimentos espontâneos de resistência e à radicalização que caracterizou o movimento dos Indignados.
Por enquanto, o Podemos é a única força política que pode ser caracterizada como produto deste tipo de movimento, ainda que o apoio a Sanders nos EUA ou a Corbyn na Grã-Bretanha tenham elementos em comum. No entanto, estes últimos aparentam estar em contradição com uma das características das novas radicalizações: o rechaço a partidos políticos no geral, bastante como resultado da desilusão com os partidos estabelecidos, ainda que, nos casos de elementos mais radicais, também devido ao comportamento elitista ou sectário de grupos de extrema-esquerda dentro dos movimentos sociais.
Porém, durante o último período, nos EUA e na Europa, é possível notar que embora siga a desconfiança com relação aos partidos, notamos uma mudança estratégica para a arena político-eleitoral, ligada a vários fatores: a profundidade da crise política/econômica/social; o exemplo das revoluções árabes, que visavam derrubar governos e regimes; as dificuldades de obter vitórias somente através da luta social; e devido ao aprofundamento do descrédito da própria elite política, que revela uma imagem de fraqueza.
Tragicamente, o processo revolucionário árabe não produziu forças políticas organizadas capazes de dar direção ao movimento de massas; a exceção seria a Frente Popular na Tunísia.
Nossas experiências na construção de partidos úteis para a luta de classes foram geralmente limitadas à participação em partidos que conseguiram alguma influência em seus países, ainda que tenham sido partidos minoritários (uma porcentagem de votos habitualmente inferior a 10%, com alguns milhares de membros), em situações políticas nas quais havia certa estabilidade relativa e nas quais não foi possível antecipar o colapso dos partidos tradicionais e onde a “questão do poder” não esteve colocada, ou só esteve em termos de sua relação com a social-democracia. Mas há alguns casos em que temos estado envolvidos em outro tipo de situações com outras possibilidades e que colocam outras questões: situações de crise política, onde se pode prever que partidos sem laços com as classes dominantes se convertam em uma maioria política, formem um governo, etc. O caso do PT foi um, Podemos é outro, e o caso de um grupo com o qual temos relações fraternais, DEA no Syriza, foi outro; Marea Socialista esteve no PSUV durante vários anos, ainda que neste último caso isto tenha se dado através de um longo processo sob um governo de esquerda no poder.
Nos consumiria muito tempo fazer a lista de todas as experiências de distintos países, e certo número de contribuições sobre balanços foram publicadas, particularmente na International Viewpoint (“Construindo novos partidos de esquerda”) [4].
Em qualquer caso, como conclusão geral, podemos afirmar que embora não haja nenhum modelo que tenha conduzido a avanços importantes, a incapacidade de aproveitar as oportunidades que aparecem, quando podem ser realizados avanços quantitativos ou qualitativos no agrupamento de forças úteis para a luta de classes, teve um efeito negativo duradouro.
Como indicado mais acima, um acordo sobre as tarefas a nível nacional é um fator indispensável para a criação de novos partidos que possam durar no tempo, ainda mais quando parece haver um acordo “programático” formal, como por exemplo no caso de uma fusão entre correntes que se definem como revolucionárias. A capacidade de compreender o que é a tarefa chave em uma situação nacional, por exemplo a questão do referendo pela legalização do aborto em Portugal em 1999 (acordo que foi um fator chave na criação do Bloco de Esquerda), é, como destacamos várias vezes, essencial para definir nossa orientação com relação a outras forças.
7. Lições extraídas dos balanços
As lições extraídas coletivamente destas experiências variadas foram codificadas nas resoluções dos Congressos Mundiais e nas contribuições apresentadas desde o Congresso Mundial de 2010 em uma série de discussões levadas a cabo nas reuniões do Comitê Internacional.
Giraram em torno da necessidade de lançar batalhas políticas no interior das forças políticas nas quais estamos construindo a respeito de uma série de princípios programáticos. Estes princípios, em sua forma final, não são necessariamente uma condição prévia para a construção de uma nova força política, mas sem estas bases para fazer tais discussões e avançar há muito poucas perspectivas de se criar um partido verdadeiramente útil para a classe. O nível de acordo inicial exigido sobre cada um destes pontos deve ser julgado sobre a base da natureza das correntes políticas existentes e da audiência do novo partido.
Os pontos que apresentamos são:
⎼ participação nos movimentos sociais e nas lutas dos explorados e oprimidos, não como uma elite política intervindo de fora, mas como uma parte orgânica destes movimentos e lutas, desenvolvendo análises e reivindicações, continuando a luta por tais demandas até o fim. Neste processo também aprendemos com os movimentos, aprofundando e enriquecendo o nosso programa ⎼ como temos feito com o feminismo, a ecologia e as questões LGBTQI.
⎼ a construção de sindicatos ativos, radicais e de luta de classes, seja através da militância nos sindicatos existentes ou, se for necessário e apropriado, da construção de novos sindicatos. Nos sindicatos, atuar de forma autônoma e independente dos empregadores, dos governos e dos partidos, e garantir a democracia interna nas estruturas e nas práticas. Contestar os limites da máquina burocrática e da legislação que vincula os sindicatos ao Estado. Participar e fortalecer os sindicatos na medida do possível, no sentido da democracia e da unidade, mas lutar contra o burocratismo, contra o alinhamento com os governos e contra a colaboração de classes. Compreender que esta luta vai além dos sindicatos e de suas estruturas.
Criar espaços que levem em consideração a diversidade da classe trabalhadora, organizar-se com movimentos sociais populares, informais, cooperativos, precários, subcontratados, desempregados sem teto e artesãos, assim como com os povos originários e tradicionais e com aqueles/as que lutam contra o racismo, a LGBTfobia, o machismo e em defesa da ecologia.
⎼ a atitude diante do Estado e das instituições: participar das eleições entendendo-a como um ponto de apoio para as atividades do movimento de massas, que deve seguir sendo o centro de gravidade de nossa atividade. O papel dos representantes institucionais eleitos e sua relação com o partido: eles frequentemente são os representantes mais visíveis do partido, cujas ações (através de votos) podem ser percebidas como as mais eficazes e que por vezes são as mais pressionadas para serem “úteis” no curto prazo. É responsabilidade do partido determinar os marcos políticos de sua ação.
⎼ a importância de uma compreensão internacional e internacionalista da situação política mundial que leve a atividades de campanhas e solidariedades internacionais, assim como à participação na Quarta Internacional (ver abaixo).
⎼ a necessidade de um funcionamento transparente e democrático, com uma ampla democracia, incluindo o direito de tendência, contra o funcionamento vertical e sobre a base da participação dos membros nas atividades e nas tomadas de decisão do partido, com as estruturas organizativas necessárias para assegurar isto; a compreensão das opressões que continuam a existir mesmo no interior dos partidos que se dizem contra todas as formas específicas de opressão, das mulheres e de outros setores, e o desenvolvimento de estruturas, de um funcionamento e de procedimentos apropriados.
⎼ a importância de enfrentar as “novas” questões que surgem na luta de classes e as respostas dos explorados e oprimidos (especialmente o feminismo, a ecologia, o movimento LGBTQI, etc.).
⎼ o partido se engaja no desenvolvimento de uma atividade política baseada em reivindicações e campanhas de combate à opressão das mulheres, no contexto de uma participação nos grupos, campanhas e movimentos de luta de classes, tendo uma compreensão do objetivo estratégico da construção de um movimento autônomo de mulheres. O partido se preocupa permanentemente com a formação e a ação sobre estas questões, sem deixá-las de lado quando o nível de atividade das massas estiver mais fraco.
O partido busca construir um perfil feminista ao mesmo tempo externa e internamente, não somente para encorajar as mulheres a se vincular, mas para construir internamente uma imagem positiva das mulheres na direção.
Além de assegurar que o funcionamento democrático do partido permita a todas e todos os seus membros participar plenamente (como indicado acima), o partido compreende que as dinâmicas sociais tendem a excluir as mulheres da participação política. Assim, aceita a necessidade de mecanismos específicos (reuniões auto-organizadas / não mistas, prioridade para mulheres nas listas de inscritos para tomar a palavra em debates, etc) que encorajem a participação de mulheres e o reconhecimento de problemas posteriores a se superar.
O partido não tolera nenhuma forma de comportamento sexista (ou transfóbico, ou homo/lesbofóbico). Colocar esta posição política em prática é responsabilidade do partido, que assegura não somente uma formação política sobre estas questões, mas também suas estruturas, seu funcionamento e seus procedimentos devem garantir que os partidos que construímos lutem para prefigurar a sociedade que nós queremos, ainda que não possam ser “ilhas de socialismo” em um mundo capitalista.
⎼ uma luta incessante contra todas as formas de racismo ⎼ incluindo o que se dá contra as populações indígenas, o antissemitismo e a islamofobia ⎼ e a favor da liberdade de circulação dos imigrantes, sobre a base da solidariedade e da unidade.
⎼ a importância da renovação de nossas organizações por uma atitude dinâmica e aberta para o recrutamento de jovens em processo de radicalização e para sua integração dentro do partido através de setores de juventude autônomos, onde os jovens militantes radicalizados podem compartilhar suas próprias experiências, desenvolver seu próprio trabalho e programa político, e se reunir em torno de questões relacionadas com os problemas da juventude.
⎼ a necessidade de programas de formação contínua, incluindo questões estratégicas como as do Estado ou a questão da tomada do poder, e questões internacionais.
8. A importância da Quarta Internacional
Um elemento essencial que se manifestou no balanço, começando pela corrente DS no PT, é a necessidade absoluta de manter, tanto a nível nacional como internacional, o marco da Quarta Internacional como um espaço para trocar, contrastar e debater, não somente nossa compreensão da situação política mundial, mas também as experiências reais de construção de organizações políticas. Isto significa estar organizados como quartistas, mantendo a possibilidade de discussão entre camaradas que compartilham este marco político ⎼ renovando-o sobre a base das experiências em curso ⎼ e a possibilidade de tomar decisões políticas autônomas. Nos próximos anos, continuaremos discutindo estas experiências, sobre como manter um coletivo programático e orgânico enquanto trabalhamos em organizações mais amplas.
Buscamos ativamente construir organizações com forças e indivíduos que não compartilham o conjunto de nosso programa histórico, ainda que com a perspectiva de criar uma força política fundada sobre seus elementos mais essenciais. Mas consideramos que nosso marco compartilhado, conformado por todo o alcance de eventos históricos e políticos, em particular desde as primeiras contribuições do pensamento e análise marxistas, mais as experiências e contribuições da atualidade, cria um quadro insubstituível para a discussão frutífera, onde o peso de experiências nacionais pode ser contrapesado por outras, onde a troca de experiências e opiniões podem ajudar a traçar perspectivas para nossos camaradas em seus distintos contextos nacionais. Assim, o encontro anual presencial, cara a cara nas reuniões do Comitê Internacional, de nossos camaradas dirigentes do maior número possível de nossas organizações, assim como daqueles que temos relações de camaradagem tais que os convidamos a participar, são indispensáveis.
A nível nacional, as formas exatas destas discussões e as formas correspondentes de organização irão variar, assim como as formas de organização política ampla. Haverá tensões entre, por um lado, a necessidade de ir além do marco de correntes políticas que originalmente participaram na construção de novos partidos ⎼ implicando em si a dissolução de organizações existentes ⎼ e, por outro lado, nossa convicção de que a manutenção do marco da Quarta Internacional é indispensável, devido às razões acima expressas. Um dos desafios que enfrentamos é resolver esta tensão de maneira apropriada em cada contexto específico.
A nível internacional, nossa imprensa ⎼ impressa e na web ⎼ também é um elemento neste intercâmbio. Esta presença deve ser fortalecida prioritariamente pelo lançamento de um site de internet multilingue da Quarta Internacional, que ao mesmo tempo publique questões atuais e sirva como um arquivo para nossas resoluções e outros textos importantes, pelo menos, nos três idiomas funcionais da Internacional (inglês, francês e castelhano), e em outros idiomas nos quais os textos estejam disponíveis. O site de internet em árabe Al Mounadil, gerido pelos camaradas marroquinos, é fundamental dada a importância dos eventos na região. Também é absolutamente necessário que os materiais de formação do IIRE (Instituto de Pesquisa e Educação) estejam facilmente acessíveis para manter nossa história comum e nosso contexto teórico.
Nossas escolas e seminários representam oportunidades inestimáveis para formar nossos camaradas e também para convidar companheiros de forças políticas com quem estamos desenvolvendo relações. A participação nas escolas desempenhou um papel crucial, por exemplo, no fortalecimento de nossas relações com camaradas das Filipinas antes deles se unirem a nós. O desenvolvimento do IIRE nas seções regulares em Manila e seminários em Islamabade são aspectos importantes do desenvolvimento de uma presença real como Internacional nesta região do mundo. Continuaremos desenvolvendo nossas escolas e seminários, tanto sobre conteúdo político, como organizando mais seminários sobre diferentes temas e movimentos políticos. Assim, poderemos aprofundar o debate político e fortalecer nossa base teórica. Também desenvolveremos nosso programa de publicações em colaboração com as editoras das diferentes seções para dar maior visibilidade ao trabalho intelectual de nossa corrente.
Realizamos, apesar de nossos modestos recursos, um trabalho de solidariedade concreta e um trabalho importante de coordenação, em grande parte (embora não exclusivamente) através de nossas escolas (IIRE). No período por vir, falaremos das possibilidades de reativar um trabalho de coordenação de sindicalistas de combate, por exemplo no setor automobilístico, da saúde e dos trabalhadores dos grandes navios de transporte (contêineres).
O Acampamento de Jovens é, essencialmente para as organizações europeias, uma oportunidade única para atrair camaradas jovens, simpatizantes e organizações amigas a uma iniciativa política na qual, em torno de elementos fundamentais do programa da Quarta, é possível realizar discussões sobre as atividades reais nas quais estão engajados enquanto jovens. Isto é uma parte importante na formação de novos quadros com uma compreensão internacionalista das complexidades de nossas diferentes experiências. Enquanto o Acampamento tem que se manter como uma iniciativa europeia por razões práticas (custos, auto-organização, preparando e avaliando o acampamento de conjunto), a participação de jovens camaradas de outros lugares, sobretudo se isto pode ser combinado com a participação na Escola de Jovens ou em algum seminário, representa igualmente um investimento importante para o nosso futuro. Trataremos de coletivizar os resultados políticos destes acampamentos e de compartilhá-los fora do acampamento. Buscaremos organizar uma conferência de juventude, com o fim de gerar uma nova análise política sobre a situação da juventude e seu papel na luta de classes.
9. Rumo a uma nova Internacional?
As dificuldades que se apresentam na construção de novas organizações a nível nacional são, todavia, maiores a nível internacional. No entanto, o contato internacional entre as organizações políticas da esquerda radical é para nós uma prioridade. Isto pode se realizar através do desenvolvimento de nossa relações bilaterais com diferentes organizações, sejam organizações tradicionais da extrema-esquerda, sejam novas correntes emergentes. Ao mesmo tempo, participamos em fóruns organizados por outros, ou tomamos a iniciativa de promover tais fóruns. Com o declínio do movimento dos Fóruns Sociais, as possibilidades são menos frequentes que durante a primeira década deste século, mas deveríamos propor ativamente que os partidos nos quais participamos busquem se reunir e colaborar com outras organizações a nível internacional, e assim tomar a iniciativa de realizar isso.
Notas
[1] Uma moção no Congresso Mundial de 2010 decidiu realizar um seminário sobre o balanço da orientação de construção de “partidos amplos”. Na reunião do Comitê Internacional (CI) de 2011, com a proposta dos camaradas dinamarqueses, decidimos fazer o seminário como parte da reunião ordinária do CI. E em 2013 decidimos continuar com este debate como parte das reuniões do CI. No total, o CI discutiu os balanços das seguintes experiências: 2012 - PT no Brasil, Aliança Vermelha-Verde na Dinamarca, Bloco de Esquerda em Portugal, Rifondazione / Sinistra Critica na Itália; 2013 - LPP / AWP no Paquistão, LCR > Anticapitalistas no Estado Espanhol, LCR > NPA na França; 2014 - RPM-M nas Filipinas, Respect > Left Unity na Grã Bretanha, Antarsya / Syriza na Grécia; 2015 - Podemos no Estado Espanhol; 2016 - Podemos no Estado Espanhol, Bloco de Esquerda em Portugal.
[2] Em 1968, nos baseando na análise de uma radicalização da juventude em todo o mundo, a resolução do IX Congresso Mundial se concentrou unicamente na construção de organizações de juventude revolucionárias vinculadas ao partido. Em 1974 nos orientamos para “ganhar hegemonia” em uma “nova vanguarda de proporções massivas” e assim construir “organizações revolucionárias qualitativamente mais fortes”. Em 1979 a orientação visou a construção de partidos revolucionários baseados na classe trabalhadora mediante um giro à indústria. Esta orientação se desenvolveu em 1985 como um giro em direção ao povo, às mulheres e aos jovens.
[3] “Desde o começo o partido socialista de esquerda era uma mescla de todos os elementos da nova esquerda: hippies, anarquistas, maoístas, trotskistas, leninistas anti-imperialistas e várias outras nuances da oposição anti-sistema”, Michael Voss, SAP (seção dinamarquesa da IV Internacional), cf. Inprecor nº 577/578 de outubro-novembro de 2011.
[4] “Construindo novos partidos de esquerda”: http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?rubrique14
Nota da tradução. O presente texto foi traduzido tomando como base a versão em castelhano. Em algumas passagens, foi revisado com base na versão em francês.