Neste domingo (19) Paulo Freire completaria 100 anos. Nascido em Recife, o educador passou 15 dos seus 75 anos de vida no exílio. Saiu do país no final de 1964, depois de ter sido preso e acusado de ignorante e traidor da pátria pelos militares, quando organizava a Campanha Nacional de Alfabetização pelo governo João Goulart. Voltou em 1980 reconhecido mundialmente como um dos mais importantes pensadores do campo da educação.
Sergio Haddad, Folha de S.Paulo, 19 de setembro de 2021
Por que uma pessoa preocupada com a educação incomoda os conservadores? Como o seu pensamento pode ser útil para os dias atuais?
Paulo Freire alertava em seus escritos que a educação estava na vida, não apenas na escola, e que seria importante notar que em cada sociedade há pessoas com comportamentos e valores diversos, como por exemplo aquelas que discriminam, praticam o racismo, o machismo e outras formas de exclusão social, e aquelas que promovem o respeito às diversidades, aos direitos humanos e à cidadania.
Quantos de nós não nos surpreendemos nos tempos atuais com atitudes e palavras de amigos, familiares e pessoas que vieram à tona expressando ódio e discriminação? Isto nos convoca para uma atitude educativa frente ao nosso cotidiano se quisermos agir para construir uma sociedade mais justa e menos desigual, segundo o educador.
A pedagogia freiriana tem no diálogo um lugar central. Premissa deste diálogo é o respeito ao outro, à sua cultura, seus saberes e às diferentes posições políticas e ideológicas. Tal respeito toma por base a crença de que não haveria saber mais ou menos importante, mas sim saberes diferentes entre as pessoas. O diálogo estimularia a produção de conhecimentos e as práticas destinadas ao aprimoramento da sociedade. Mas é evidente que o diálogo só é possível quando há disponibilidade real para tal comportamento, infelizmente rara neste momento em que o conflito parece ser hegemônico.
Para Freire não haveria neutralidade na ação educativa: sendo um produto da sociedade, reflete projetos políticos e valores em disputa. E ele tinha lado: seu livro mais famoso chama-se "Pedagogia do Oprimido". Ora, a quem tem servido as políticas educacionais atuais? A que projeto político e valores servem as escolas civil-militares, a limitação de recursos, a segregação dos alunos com deficiência e a ideia da universidade para poucos senão ao desmonte de direitos educativos que atinge os mais pobres?
“Sonhar é parte da natureza humana e motor da história”, segundo o educador. A necessária e permanente denúncia de um presente desumano deveria ser acompanhada pelo anúncio de um futuro melhor a ser criado. Porque a história não para, não morre, é possibilidade.
Freire nos convoca a criar sonhos, aqueles que tratam de superar as desigualdades e discriminações de toda ordem, e anunciar um outro mundo possível. Para isso utiliza o termo "esperançar", trocando o substantivo "esperança" pelo verbo. "Esperançar" significa não ficar parado aguardando que este futuro sonhado chegue, mas sim agir para conquistá-lo.
Nos momentos em que os caminhos parecem intransponíveis, sonhar com um futuro melhor abre as portas para o "esperançar". As conquistas de cada passo nessa direção, que Freire chamou por "inédito-viável", criariam novos sonhos e, como decorrência, novos "esperançares".
E quais seriam esses passos? São as pequenas e as grandes lutas do nosso cotidiano, desde os coletivos de jovens por lutas identitárias até as grandes manifestações de rua, passando pela solidariedade que vimos na pandemia e as ações antirracistas dos últimos anos, chegando à luta dos povos tradicionais, que não só defendem suas terras e sua cultura como apontam novos paradigmas para a organização da vida, respeitando direitos do ser humano e da natureza.
São muitos os sinais, as ações e as possibilidades de nos envolvermos na construção de um mundo melhor. "O futuro não é inexorável", diz Freire. Juntos, devemos "esperançar".