Por George Monbiot em The Guardian, tradução de Maurício Ayer para Outras Palavras.
Eles não têm filhos? Eles não têm netos? As pessoas ricas e poderosas não se preocupam com o mundo que deixarão aos seus descendentes? Estas são perguntas que me fazem toda semana e não são fáceis de responder. Como podemos explicar uma mentalidade que disposta a sacrificar o planeta habitável por um pouco mais de poder ou um pouco mais de riqueza, sendo que essas pessoas já têm tanto?
Há muitas maneiras pelas quais a riqueza extrema nos empobrece. A mais óbvia é a distribuição de dinheiro pelo nosso espaço ecológico comum. Os recentes relatórios da Oxfam, do Instituto Ambiental de Estocolmo e do Guardian dão-nos uma ideia de por qual parcela do planeta os muito ricos se espalham atualmente. O 1% mais rico da população mundial queima mais carbono do que os 66% mais pobres, enquanto os multibilionários, administrando seus iates, jatos particulares e múltiplas casas, consomem cada um o equivalente a milhares de vezes a média global. Poderíamos ver isto como mais uma ação colonial de apropriação de terras: uma elite poderosa se apoderou dos recursos dos quais todos dependem.
Mas isto não é de forma alguma o fim do problema. Alguns destes polutocratas também fazem um grande esforço para frustrar as tentativas de outras pessoas de evitar o colapso dos sistemas terrestres. Bilionários e centimilionários financiam uma rede de organizações que procuram impedir ações ambientais eficazes. Muitos dos junk tanks fundados ou financiados por Charles e o falecido David Koch, proprietários de um vasto império empresarial que inclui a extração de combustíveis fósseis, refinarias de petróleo e fábricas de produtos químicos, fornecem os argumentos que disfarçam o seu próprio interesse industrial como se fosse um princípio moral. O mesmo acontece com o financiamento opaco de instituições análogas no Reino Unido, dentro ou ao redor da Tufton Street em Westminster.
O multimilionário Jeremy Hosking, que investiu milhões na campanha Vote Leave (Vote para Sair) e no partido do Brexit, também é o principal financiador de Laurence Fox Partido da Reconquista [Reclaim Party], que afirma que não há emergência climática e faz campanha contra as políticas de carbono zero e os bairros de baixo tráfego, além de campanhas a favor do fracking. Coincidentemente, uma investigação da openDemocracy no ano passado descobriu que sua empresa, a Hosking Partners, tinha US$ 134 milhões investidos no setor de combustíveis fósseis.
Talvez mais difíceis de explicar sejam os oligarcas que não estão forte ou diretamente envolvidos com os combustíveis fósseis, mas que promovem a oposição à ação ambiental. Uma reportagem investigativa recente do site DeSmog descobriu que 85% dos artigos de opinião sobre questões ambientais publicados no Telegraph nos últimos seis meses negaram a ciência ou atacaram as medidas e campanhas que buscam prevenir o colapso ambiental. O atual proprietário, sir Frederick Barclay, não é um barão dos combustíveis fósseis. Mas se o jornal for agora vendido, como parece provável, a um fundo controlado pela família real de Abu Dhabi, financiado pelo petróleo e pelo gás, poderia ser bem pior.
No centro do império de Elon Musk está a Tesla, que fabrica veículos elétricos. Mas ele transformou sua recente aquisição, o Twitter (agora X, que em breve será Ex) em um espaço francamente hostil ao debate ambiental: pesquisas sugerem que quase 50% de seus usuários ambientalmente orientados ficaram quietos ou foram expulsos da plataforma desde sua eMuskulação [emuskulation, palavra-valise que junta “emasculação” (castração) com o nome do empresário]. O próprio Musk contribuiu à negação da ciência ambiental que se expandiu no X desde que ele o comprou.
Uma ampla coligação de interesses – empresas de combustíveis fósseis, bilionários e os seus jornais e outros membros da elite econômica – fez lobby e conseguiu criminalizar o protesto ambiental em muitas partes do mundo, incluindo o Reino Unido. Aqui, como em vários outros países, protestos ambientais moderados agora podem acarretar longas penas de prisão, facilitado pelo silenciamento em tribunal: os ativistas, em alguns casos, são proibidos de contar ao júri as razões de suas ações. Nos EUA, organizações financiadas por companhias petrolíferas e bilionários elaboraram projetos de lei incluindo as penas mais draconianas e assustadoras para manifestantes, e depois procuram universalizá-las em vários estados e nações. Manifestantes totalmente pacíficos são demonizados como extremistas e até terroristas. A hostilidade generalizada contra os ativistas ambientais foi fabricada junk tanks financiados por dinheiro obscuro e pela imprensa bilionária. É obsceno que aqueles que procuram proteger o planeta vivo por meios democráticos sejam detidos em massa e encarcerados pelas autoridades, enquanto as pessoas e organizações que destroem os nossos sistemas de sustentação à vida não sejam afetadas pela lei.
Então por que os oligarcas que não têm investimentos diretos na destruição ambiental parecem tão hostis à proteção ambiental? Parte da razão é que qualquer oposição à situação atual é vista como oposição aos seus beneficiários. Aqueles que são hoje bilionários ou multimilionários estão, por definição, bem servidos pelo sistema atual. Eles percebem corretamente que um mundo mais justo e mais verde tem como consequência a redução do seu imenso poder econômico e político. Mesmo aqueles que investiram em tecnologias verdes ou que doam para causas verdes sentem, sem dúvida, uma sensação instintiva de ameaça.
Redes financiadas por empresas de combustíveis fósseis deliberadamente juntam as questões, ligando as políticas verdes ao comunismo e à revolução violenta, ao mesmo tempo que promovem candidatos políticos comprometidos em reprimir, simultaneamente, a ação ambiental, a democracia e a redistribuição de riquezas. A paranoia da propriedade, frequentemente associada à riqueza extrema – a sensação de que todos conspiram para tirá-la de nós –, é facilmente desencadeada.
Mas não podemos descartar a possibilidade de que algumas destas pessoas realmente não se importem, nem mesmo com os seus próprios filhos. Existem aqui duas forças convergentes: primeiro, muitos daqueles que ascendem a posições de grande poder econômico ou político têm transtornos de personalidade, particularmente narcisismo ou psicopatia. Estas perturbações são muitas vezes as forças motrizes por trás da sua ambição e os meios pelos quais superam obstáculos à obtenção de riqueza e poder – por exemplo, a culpa pelo tratamento que dispensam aos outros –, o que dificultaria que outras pessoas alcançassem esse tipo de domínio.
O segundo fator é que, uma vez adquirida uma grande riqueza, esta parece reforçar estas tendências, inibindo o vínculo, o afeto e o arrependimento. O dinheiro compra isolamento. Permite que essas pessoas se isolem das outras, nas suas mansões, iates e jatos privados, não apenas fisicamente, mas também cognitivamente, abafando a consciência dos impactos sociais e ambientais que geram, excluindo as preocupações e desafios enfrentados por outras pessoas. A grande riqueza incentiva um sentimento de direito e egoísmo. Parece suprimir a confiança nas pessoas, a empatia e a generosidade. A riqueza também parece diminuir o interesse das pessoas em cuidar dos próprios filhos. Se qualquer outra condição gerasse esses sintomas, chamaríamos isso de doença mental. Talvez seja assim que a riqueza extrema deva ser classificada.
Portanto, a luta contra o colapso ambiental não é e nunca foi apenas uma luta contra o colapso ambiental. É também uma luta contra a enorme má distribuição de riqueza e poder que prejudica todos os aspectos da vida no planeta Terra. Os bilionários – mesmo os mais esclarecidos – são maus para nós. Não podemos nos dar ao luxo de mantê-los.