Pierre Khalfa, Europe Solidaire Sans Frontière, 20 de julho de 2020
1. O problema da vacinação não pode ser tratado como um mero problema de liberdade individual, simplesmente porque não ser vacinado tem conseqüências para os outros. Toda liberdade é sempre enquadrada e relativa ao bem comum. A vacinação obrigatória já existe, e já existe há muito tempo, para um certo número de vacinas. Além disso, quando você vai a um determinado número de países, é obrigatório ser vacinado contra esta ou aquela doença. Em princípio, a vacinação compulsória não representa nenhum problema em particular. É uma questão de política de saúde pública que, por definição, é vinculativa.
2. A coerência sugere, portanto, que a vacinação contra a covid deve ser obrigatória para todos, dadas as conseqüências sociais desta doença. Entretanto, esta obrigação se aplica [até agora, na França] apenas aos trabalhadores da área de saúde (e acredito que aos bombeiros). Nem a polícia nem os militares são atingidos. O fato de apenas os cuidadores serem alvos das normas é um escândalo que deve ser denunciado, mas não em nome da liberdade individual, mas em nome do fato de que, dada a gravidade da situação, todos devem ser vacinados.
3. É sempre melhor convencer do que obrigar. Mas, uma vez dito isto, como vamos fazer? O que é certo é que devemos combater as desigualdades sociais na vacinação. O fato, por exemplo, de que o 93 departamento tem uma taxa de vacinação irrisória em comparação com os distritos chiques de Paris não se deve ao fato de que os habitantes do 93 estão relutantes em ser vacinados, mas ao fato de que as condições concretas para a vacinação são muito difíceis neste departamento. O problema com o que Macron diz é que ele está colocando tudo em termos de responsabilidade individual. Os anti-vacinas confiam na liberdade individual, ele na responsabilidade individual. Mas, como todas as políticas públicas, a vacinação depende dos meios que usamos para fazê-la funcionar. Um deputado da França Insubmissa (Corbière, penso eu) disse que a vacinação deveria ser levada aos pés dos prédios. Ele está certo.
4. A coerência também demanda que a vacinação seja generalizada em escala internacional porque, além das questões humanitárias que são essenciais quando se é membro da Attac, se este não for o caso, teremos, como agora com a variante delta, novas variantes que se voltarão contra nós como um bumerangue, sem termos certeza de que a vacinação que já foi realizada será eficaz. A batalha para suspender as patentes deve ser uma prioridade política.
5. Hoje centenas de milhões de pessoas são vacinadas contra a covid e os casos de reações adversas graves são infinitesimais. Qualquer droga pode causar reações nocivas. Basta ler os folhetos nas caixas de medicamentos... Dizer que não temos nenhuma visão a posteriori das vacinas é um argumento falso. As vacinas antigas nem sempre eram seguras e em algum momento tivemos que começar a vacinar as pessoas mesmo não sabendo as conseqüências a longo prazo. A questão hoje é se consideramos que o fato de as agências de segurança de medicamentos terem dado sua aprovação a estas vacinas é uma garantia de que elas podem ser usadas. Se pensamos que todos eles estão podres e vendidos para a indústria farmacêutica, então obviamente... Mas o que se aplica às vacinas também se aplica a qualquer novo medicamento. De modo mais geral, nenhuma sociedade pode funcionar sem um mínimo de confiança. Sei que, em geral, as empresas querem obter o máximo de lucro possível, mas a priori ainda penso que não me envenenarão por isso, caso contrário a vida cotidiana se torna impossível. Claro, há patifes que o fazem, por exemplo, Servier, mas se você acha que todos são um Servier em potencial, como você pode viver?
6. Existe, portanto, um problema profundamente enraizado que está relacionado à desconfiança dos cientistas, uma desconfiança muitas vezes justificada: ligações financeiras com laboratórios, jogos de poder interno dentro da profissão médica ou em outros lugares, escândalos recorrentes e instrumentalização pela indústria... Tudo isso minou a confiança nos cientistas e alimentou a teoria da conspiração. Portanto, não basta se referir à Ciência para convencer. Daí a necessidade absoluta de debate democrático, transparência e confronto de opiniões. A forma de governar de Macron, que leva ao extremo as características da Quinta República, vai contra estas exigências: decisões autoritárias tomadas por um único indivíduo em um quadro deliberativo obscuro, o Conselho de Defesa. As condições sob as quais o passaporte sanitário foi criado - no meio de um período de férias, com prazos muito curtos que eram impossíveis de serem cumpridos - ostentam a marca disso.
7. O sucesso das manifestações anti-vacinas, mais ou menos ou menos lideradas por uma certa extrema direita (Philippot, Dupont-Aignan), mostram a necessidade de um posicionamento que se distancie de Macron, mas não deixe ambigüidades sobre a questão da vacinação. Nada ganharemos correndo atrás de conspiradores e da extrema-direita.
Pierre Khalfa é economista e sindicalista, membro do Conselho Científico do ATTAC França.