É difícil entender que setores que denunciam as ações imperiais dos Estados Unidos há décadas, em diferentes lugares no mundo, utilizem os mesmos argumentos do governo russo para justificar ou relativizar a invasão à Ucrânia.
Andrés Kogan Valderrama, OPLAS, 1 de março de 2022. A tradução é do Cepat.
A atual invasão da Federação Russa ao povo ucraniano, liderada por Vladimir Putin, não apenas nos mostra novamente o caráter imperial daquele Estado, como também o lamentável apoio e silêncio de boa parte das esquerdas europeias e latino-americanas.
Ressalto isso, pois é difícil entender que setores que denunciam as ações imperiais dos Estados Unidos há décadas, em diferentes lugares no mundo, utilizem os mesmos argumentos do governo russo para justificar ou relativizar a invasão à Ucrânia.
A ideia de Putin de que sua intervenção militar não seria uma invasão, mas, sim, uma libertação para o povo ucraniano de setores fanáticos fascistas e nazistas de Lugansk e Donetsk é o roteiro preciso do que disse George W. Bush para invadir o Iraque, em 2003.
Por isso, é muito grosseiro que não só diferentes governos apoiem a Putin, mas que também organizações da sociedade civil e movimentos de esquerda europeus e latino-americanos utilizem a ideia de que o que se busca na Ucrânia é desnazificá-la.
Pelo que parece, ainda não se dão conta do quão profundamente capitalista, conservador, patriarcal, homofóbico, nacionalista e autoritário é o partido político de Putin, Rússia Unida, que é muito mais próximo da Rússia czarista do que da Rússia que Lenin pensou durante a revolução.
Alguém pode argumentar acerca do nefasto papel da OTAN e de sua história criminosa em diferentes países no mundo, o que é verdade, mas daí justificar uma invasão por outra não faz sentido algum para os povos que sofrem bombardeios e veem suas vidas destruídas.
No mais, aqueles que criticam a intervenção militar da OTAN esquecem-se do Pacto de Varsóvia, liderado pela União Soviética, que invadiu países, como é o caso da Tchecoslováquia, em 1968, enquanto boa parte da esquerda mundial também virava o rosto para outro lado e não tomava posição a respeito.
Desta vez, com a Ucrânia acontece exatamente a mesma coisa, em nome de um anti-imperialismo dos idiotas, como bem escreveu Leila Al-Shami, após o apoio de boa parte da esquerda ocidentalizada ao regime de Assad, na Síria, enquanto não só os Estados Unidos, mas também a Rússia, bombardeavam e destruíam aquele país, sem nenhum tipo de respeito pelos direitos humanos [1].
Consequentemente, pode-se ser contra um determinado governo, por seu caráter conservador, nacionalista, religioso, autoritário, ou por ter vínculos com organizações fanáticas, mas daí invadi-lo, como aconteceu no Iraque, Afeganistão, Vietnã e Ucrânia, é completamente inaceitável e deve ser sempre condenado.
Em outras palavras, com esse argumento seria necessário invadir uma longa lista de países, entre os quais a própria Federação Russa, por ser um regime que concentrou brutalmente o poder e por perseguir, aprisionar e assassinar qualquer tipo de dissidência que apareça no caminho.
Sendo assim, às vezes é bom conhecer o que acontece com a dissidência interna nos países e tomar distância da propaganda oficial dos governos para justificar crimes, já que se acaba repetindo argumentos imperiais, completamente opostos aos dos povos.
O caso do historiador de esquerda russo Ylya Budraitskis é um bom exemplo disso, ao considerar que, finalmente, o que está por trás da invasão de Putin à Ucrânia é revisar todas as fronteiras pós-soviéticas, que para ele são apenas artificiais, negando assim a existência desses países e sua autodeterminação [2].
Diante desse cenário de guerra imperial em que nos encontramos, urge uma refundação da Organização das Nações Unidas, que desde a sua criação, em 1945, tem sido um lugar de refúgio para grandes impérios que se dedicam a vetar qualquer condenação da Assembleia Geral por ter privilégios no Conselho de Segurança, após ter triunfado na Segunda Guerra Mundial (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos).
Por último, é cada vez mais urgente promover uma nova institucionalidade regional e plurinacional latino-americana e caribenha que coloque no centro o cuidado da vida, tanto humana como não humana, já que a ameaça militar, econômica e socioambiental para a região, sobretudo de potências como os Estados Unidos e a China, deveria nos unir mais do que nunca para contribuir com um novo processo de desimperialização do mundo.