As notícias dos protestos de extrema-direita em Londres e Berlim e a disseminação dos anti-máscaras na internet.
Céticos do coronavírus e adeptos das teorias da conspiração e anti-vacinação protestam em Londres
Damien Gayle e Molly Blackall, The Guardian, 29 de agosto de 2020
Milhares de manifestantes de todo o Reino Unido reuniram-se na Praça Trafalgar, em Londres, na tarde de sábado para protestar contra as restrições do coronavírus e rejeitar as vacinações em massa.
O evento, que começou ao meio-dia, atraiu uma ampla coalizão, incluindo céticos do coronavírus, teóricos da conspiração 5G e os chamados "anti-vaxxers". Levando cartazes contra a Organização Mundial da Saúde, Bill Gates e as restrições governamentais para reduzir a propagação do coronavírus, os manifestantes pediram o fim das restrições de movimento e coberturas de rosto obrigatórias. Muitos cartazes descreveram a pandemia de coronavírus como um "embuste" ou "esquema".
Um sistema de som montado em frente aos discursos da coluna de Nelson transmitidos por vários oradores, que negaram a realidade e a gravidade da pandemia e acusaram o governo de tentar cercear as liberdades civis. Entre os que deveriam falar estavam Piers Corbyn, o meteorologista e irmão mais velho do ex-líder trabalhista Jeremy Corbyn, o ex-colunista e jornalista de saúde Dr. Vernon Coleman, e a celebridade conspiradora David Icke.
Embora a manifestação tenha se concentrado nas restrições do coronavírus, os participantes abraçaram reclamações anti-autoritárias que iam desde o encarceramento até a prisão de Julian Assange, passando por alegações de abuso sexual infantil de elite.
Na véspera do protesto, Piers Corbyn disse ao Guardião que vários grupos se reuniram para participar da manifestação. "Em termos de acreditar ou não que o vírus é um embuste, o que quer que esteja acontecendo agora é menos ou igual a uma gripe normal, então o bloqueio e tudo o que vai com eles é injustificável em quaisquer termos", disse ele. "Estamos pedindo que os deputados recusem a renovação da Lei Covid [Lei Coronavirus], e se não o fizerem, faremos campanha para que sejam destituídos do cargo".
Entre os que se manifestaram no sábado estava Amina, 34 anos, que se recusou a dar seu sobrenome. Ela carregava um cartaz que dizia de um lado: "Que a comida seja seu remédio" e do outro: "A saúde não vem da ponta de uma agulha". Da mensagem de alimentos em seu cartaz, ela disse: "Isto é o que precisamos fazer". Funcionou para nossos ancestrais, funcionou para muitas pessoas ao redor do mundo - e ainda é".
Amina disse que não confiava nas vacinas, e compartilhou uma série de exemplos de vacinas usadas no mundo em desenvolvimento que, segundo ela, causaram danos generalizados. "Se você quer lucrar com a minha saúde, então não é a minha saúde que é importante para você", disse ela.
Elisha Edwardes, 36 anos, disse que estava no protesto "para apoiar o movimento pela liberdade". "Quanto mais fui educada, menos medo tenho", disse ela. "Se algo eu me sinto mais no controle. Estou aqui para criar consciência e sinto que a maioria das pessoas foi enganada. E acho que é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas". "Muitos dos cenários que estamos vendo agora não fazem sentido e as pessoas não estão questionando isso. O confinamento afetou mais pessoas do que o próprio vírus".
A polícia metropolitana emitiu uma carta aberta aos manifestantes avisando que qualquer pessoa que compareça a uma reunião de mais de 30 pessoas pode estar correndo o risco de cometer um delito criminal. Ela foi entregue aos manifestantes enquanto eles marchavam pelo Whitehall.
"Os policiais estão com um grupo de manifestantes em Whitehall", escreveu o Met no Twitter. "Já entregamos ao grupo uma carta explicando que eles estão correndo o risco de cometer um delito. Agora estamos pedindo ao grupo que se disperse".
Polícia alemã dissolve protesto em Berlim contra medidas para frear a pandemia
Manifestantes não respeitaram a distância e o uso de máscaras exigidos pela Justiça para que pudessem marchar. Alemanha vive escalada do novo coronavírus
Ana Carbajosa e Enrique Müller, El País Brasil, 29 de agosto de 2020
Com o lema “Festival da liberdade e da paz”, milhares de pessoas se reuniram neste sábado, no centro histórico de Berlim, para protestar contra as restrições de combate à pandemia impostas pelas autoridades federais e regionais e contra o uso obrigatório de máscaras no transporte público e em lugares fechados. A marcha multitudinária esteve a ponto de transformar o centro histórico da cidade num campo de batalha, mas o sangue não chegou ao rio Spree depois que as autoridades ordenaram dissolver o protesto, já que os participantes não usavam máscaras nem respeitavam a distância física exigida.
Segundo a Polícia, cerca de 30.000 pessoas —entre ativistas antivacina, partidários de teorias da conspiração e simpatizantes da extrema-direita— reuniram-se em frente ao portão de Brandemburgo e marcharam durante boa parte do dia pelo centro de Berlim, gritando palavras de ordem contra o Governo e portando emblemas usados na monarquia prussiana. Mostraram também cartazes exigindo a renúncia do Governo Federal, assim como o fim das máscaras e das restrições cotidianas decorrentes da pandemia do coronavírus. As faixas diziam “Detenham a loucura do corona” e “Acabem com a ditadura do corona”. Uma e outra vez, a multidão cantava “Resistência” e “Somos o povo”.
Alguns manifestantes exibiam fotos da chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel, de centro direita, do vice-chanceler social-democrata Olaf Scholz e do chefe do Governo da Baviera, o conservador Markus Söder, todos com roupa de prisioneiros e descritos como “culpados”.
A Polícia mobilizou mais de 3.000 agentes para impedir confrontos entre os manifestantes e as marchas antifascistas que foram organizadas. Os policiais isolaram completamente o bairro onde fica o Reichstag (Parlamento) e a Chancelaria, levando às ruas canhões de água para evitar possíveis enfrentamentos em pleno centro da capital. Líderes da ultradireita e extremistas de todas as tendências apareceram no protesto, exigindo a renúncia de Merkel e a convocação de novas eleições ainda este ano.
Apesar da enorme repercussão midiática dos protestos, as pessoas que decidiram marchar neste sábado representam apenas uma minoria no país, segundo a última pesquisa da TV pública divulgada esta semana. Do total de entrevistados, 60% apoiam as medidas do Governo e 28% consideram que deveriam ser ainda mais rigorosas. Somente 10% acham que são exageradas, num país onde nunca houve confinamento e não é preciso usar máscara nas ruas. Os contágios na Alemanha voltaram a aumentar no final de julho, mas na semana passada pareceram ter se estabilizado, com uma média de 1.200 casos diários numa população de 83 milhões de habitantes.
Carsten Haffer, um engenheiro industrial de 52 anos, disse que não pertence a nenhuma corrente política, mas decidiu participar da marcha para defender os direitos fundamentais. “Não há liberdade de associação nem de expressão”, disse ele enquanto caminhava para o protesto em Berlim. “O vírus não é uma pandemia. Só é perigoso para pessoas acima de 80 anos e com doenças prévias”, completou, ignorando as evidências contrárias.
Ao seu lado, Jörg Helfen, um técnico de máquinas de 56 anos, acusou os testes de diagnóstico de não serem confiáveis. “São incapazes de identificar o vírus. São um invento de Drösten [Christian, o prestigioso virologista alemão que inventou os exames] no computador.” Helfen disse que a política de luta contra o coronavírus “trouxe muitos problemas aos trabalhadores” e que “as pessoas que realmente estão doentes não têm leito no hospital”. “Por que é mais importante um paciente de coronavírus que um de câncer?”, questionou.
Os dois homens advertiram que o protesto marca o início do que alguns manifestantes já batizaram de “revolução”. “Isso não vai parar enquanto não derrubarmos o Governo. Esperemos que isso incentive também pessoas de outros países a saírem às ruas”, disse Haffer.
O protesto, convocado pela organização Querdenker 711, que nasceu na cidade de Stuttgart, havia sido proibido na quarta-feira passada pelo Governo de Berlim. As autoridades justificaram a interdição afirmando que não havia garantias para que se cumprissem as medidas de segurança vigentes, como manter uma distância de pelo menos 1,5 metro e usar máscaras. A medida gerou forte controvérsia em torno do direito fundamental à manifestação e foi intensamente criticada pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e também pelo jornal sensacionalista Bild.
O tribunal administrativo de Berlim acabou dando razão aos organizadores, ao decidir que “a existência de um perigo imediato para a segurança pública” não era um motivo válido. No entanto, colocou como condição o respeito às medidas vigentes. Neste sábado, a Polícia, após observar como os manifestantes marchavam sem respeitar as medidas e constatar um ambiente que poderia desembocar em atos de violência, anunciou que os protestos e o ato central (previsto para ser realizado na avenida 17 de Junho) deveriam ser dissolvidos, como também ocorreu em 1º de agosto passado. O motivo? A violação das normas sobre a distância e as máscaras. “Todas as medidas tomadas até agora não levaram ao cumprimento das condições”, afirmou a Polícia através de caixas de som e pelo Twitter.
Os anti-máscaras se disseminam nas redes sociais
Enquanto o governo reforçou a regulamentação do uso da máscara nas escolas e nas empresas e enquanto os prefeitos definem perímetros urbanos onde passa a ser obrigatório o seu uso, quem são aqueles que contestam o uso desse tecido apresentado como a primeira barreira de proteção contra o vírus da Covid-19? Quais são os seus argumentos? É a essas e outras questões que procura responder o sociólogo Gérald Gaglio nesta entrevista.
Olivia Elkaim entrevista Gérard Gaglio, La Vie, 21 de agosto de 2020. Reproduzido de IHU-Unisinos. A tradução é de André Langer.
Gérald Gaglio é sociólogo, professor de sociologia na Universidade de Côte d´Azur. Junto com outros sociólogos das universidades de Toulouse e Mines Paris Tech, lançou em março uma grande pesquisa chamada “Maskovid” para estudar a evolução da percepção da máscara. Eles recolheram vários milhares de testemunhos, durante duas etapas de chamadas à apresentação de testemunhos, em março e no final de maio. Uma terceira etapa está marcada para setembro. Ele decifra para La Vie a ascensão do movimento anti-máscara.
Por que a obrigação de usar máscara é considerada por uma parte da população como “liberticida”?
É paradoxal considerá-lo liberticida porque, na realidade, poder-se-ia considerar o contrário: colocar a máscara garante a liberdade de circulação que foi comprometida durante a quarentena. Esta máscara é um dos meios para manter a possibilidade de deslocamento. Hoje, alguns consideram isso liberticida. Trata-se de uma minoria que se faz ouvir. Os anti-máscaras não são legião. Dizem que sua liberdade também está em não usar. Eles reivindicam um direito individual em uma questão muito coletiva que supõe uma solidariedade muito forte: quando alguém a usa, protege mais os outros do que a si mesmo.
O que exatamente eles contestam?
Eles contestam sua eficácia em termos de saúde, afirmam inclusive que usar máscara é um perigo, pois aventam a falsa ideia de que se pode engasgar, ou até mesmo ficar sem oxigênio, o que foi desmentido pela Organização Mundial da Saúde e pelas autoridades médicas. Um membro dos coletes amarelos chegou inclusive a postar no Facebook um vídeo que supostamente provava sua ineficácia, mostrando que a fumaça do cigarro passava por ela... Há uma vontade de afirmar a liberdade de não usar a máscara apoiando-se em argumentos falaciosos.
Vocês conseguiram identificar que faixa da população contesta o uso da máscara?
É muito cedo para termos dados sobre este assunto. Hipoteticamente, pode-se conjeturar que se trata de uma população muito eclética com uma polarização para os extremos, à direita e à esquerda. Neste verão, em Berlim, 17 mil pessoas foram às ruas para protestar contra o uso da máscara e por um “dia da liberdade”, uma referência explícita a um filme de Leni Riefenstahl, um diretor nazista.
Eles se unem nas redes sociais, incluindo o Facebook, e alimentam a conspiração e a desconfiança em relação aos políticos. Podemos dizer que eles são os novos “coletes amarelos”?
Não é um movimento da mesma magnitude. É uma oposição nascente, um conglomerado de descontentes cujo nervosismo se cristaliza no uso da máscara. Ainda não podemos falar de movimento social, é uma efervescência nas redes sociais. Porém, entre os anti-máscaras e os coletes amarelos, há pontes, afinidades ideológicas, se bem que o movimento dos coletes amarelos é muito diverso.
Em que afinidades está pensando?
Eles são antissistema, recusam-se a aceitar medidas impostas “de cima” que afetam seu cotidiano e defendem uma forma de desobediência civil.
Usar máscara parece ser um indicador social. Que desigualdades o uso da máscara (ou o não uso) revela?
Em março, em meio à escassez de máscaras, o objeto era precioso e despertava inveja. Era um indicador social entre aqueles que o tinham e os outros que não o tinham. O contexto era então de muita ansiedade e a máscara não era contestada. Era preciso ter uma a todo custo. Hoje, o objeto se banalizou, a vida está retomando parcialmente o seu curso e agora parece ser um constrangimento. Por fim, o único elemento interessante do discurso anti-máscara é que ele enfatiza o uso e as dificuldades do uso da máscara.
Ou seja?
É um objeto paradoxal: é removível, mas deve permanecer fixo no rosto sob pena de perder toda a eficácia em termos de saúde. Onde o colocamos quando o tiramos? Quando devemos jogá-lo fora? Devemos manter a máscara no rosto quando saímos de um espaço fechado? Existe uma verdadeira complexidade em torno do uso que permanece impensada. Embora existam anti-máscaras que veiculam um discurso conspiratório, não devemos, no entanto, ocultar o constrangimento que esse objeto representa, até porque o espaço público está fragmentado entre áreas onde seu uso é obrigatório e áreas onde não é. Isso requer um aprendizado, como alguns anos atrás com o telefone celular.
Usar ou não usar a máscara também se tornou um gesto político. Você está surpreso com isso?
De modo nenhum. A máscara é um objeto sanitário, relacional – por exemplo, a interação entre médico e paciente se alterou. É um item de consumo que exige orçamento e levanta a questão do reembolso pelo Seguro Saúde, especialmente para famílias desfavorecidas. Este objeto possui múltiplas propriedades, incluindo a de ser um objeto político. No início da crise, nos Estados Unidos e no Brasil, quem usava a máscara estava cometendo um ato político diante de lideranças que não a queriam. Na França, em abril, nossas testemunhas denunciaram o que consideravam uma contradição na retórica do governo: a princípio, as autoridades disseram que a máscara era inútil para os civis, a fim de encobrir a escassez. Agora, os anti-máscaras lamentam a obrigação de usá-la para acabar com os estoques! E isso seria, segundo discursos conspiratórios, uma forma de testar o grau de submissão da população... Penso, porém, que essa efervescência anti-máscara e esses discursos podem esmaecer em caso de agravamento da epidemia.