15 de julho de 2022. Por Resistência, Insurgência, Subverta e Coletivo Carmem Portinho, correntes internas do PSOL.
Nas diretrizes de programa apresentadas pela coligação Vamos Juntos pelo Brasil está presente o compromisso com a preservação da Amazônia. Desde que o governo Bolsonaro assumiu, tornou-se mais evidente o quanto a preservação da maior floresta tropical do mundo é central para qualquer política ambiental — não apenas em contexto nacional, mas global. Fundamentalmente, é um importante estoque de carbono, por conta da biomassa da floresta, além de capturar o gás carbônico da atmosfera: sem ela o efeito estufa seria ainda mais pronunciado e as mudanças climáticas seriam ainda mais graves.
A Amazônia é responsável por parte significativa da chuva que se precipita no continente sulamericano - cerca de 1/5 da água doce superficial do planeta escoa pela Bacia Amazônica e os chamados “rios voadores” transportam, até o Sudeste do Brasil e a Bacia do Prata, uma enorme quantidade de vapor d’água que emana da floresta levando umidade, chuvas e fertilidade a essas regiões - e é ainda o lar de uma em cada dez espécies conhecidas no planeta, por isso a floresta tem importância central no equilíbrio ecológico mundial. Infelizmente, a ampliação da devastação, com o aumento do desmatamento e das queimadas a patamares alarmantes, inverteu essa lógica e agora a Amazônia está liberando mais gases de efeito estufa do que é capaz de absorver[1].
Também ficou ainda mais clara a ambição devastadora das classes dominantes brasileiras que encontraram no governo Bolsonaro um aliado para avançar com seus interesses na destruição da floresta. Além de todas essas questões, ainda há o interesse imperialista na Amazônia que vê na floresta uma perspectiva de negócios e enriquecimento.
Contudo, a medida apresentada pelas diretrizes é o comprometimento com o “desmatamento líquido zero”. Existe uma diferença importante entre desmatamento zero e desmatamento líquido zero: o primeiro significa barrar todo desmatamento, seja ele legal ou ilegal; o segundo significa reflorestar um hectare a cada hectare desmatado. Em outras palavras, o desmatamento zero tem como objetivo eliminar qualquer forma de desmatamento, enquanto zerar o desmatamento líquido significa construir uma política de compensação.
O reflorestamento é um tema de grande relevância para a questão ecológica atualmente. Não é possível conter a crise climática sem reflorestar áreas desmatadas. De todo modo, compreender o reflorestamento como um método de compensação para o desmatamento enquanto ele ocorre é não apenas insuficiente, mas enganoso. Pode haver a compreensão equivocada de que “floresta é floresta”, então não existe problema desmatar determinada quantidade de área florestal se for reflorestada uma área equivalente. Entretanto, essa é uma ideia completamente equivocada.
Sob a lógica do desmatamento líquido zero, é possível desmatar uma área florestal primária, com espécies maduras e com alto potencial de captura de carbono, fazendo o reflorestamento em outra região com espécies sem o mesmo potencial. Em um sentido matemático o objetivo seria cumprido, mas na realidade teria ocorrido o distúrbio de um ecossistema e a liberação de gases de efeito estufa, contribuindo para o agravamento da crise climática.
A Política do desmatamento zero protege as terras das comunidades tradicionais, quilombolas indígenas, protegendo também os povos que convivem com a floresta de forma equilibrada a centenas e milhares de anos. As terras onde esses povos vivem são incomparavelmente as mais ricas em biodiversidade e regeneração dos biomas. A lógica do desmatamento líquido zero não é capaz de proteger esses territórios ancestrais, pelo contrário, parte do pressuposto que é possível desmatar esses territórios, compensando em outros locais apenas reflorestando, sem dar nenhuma garantia a existência dos povos tradicionais e originários junto à sua terra ancestral. A lógica do desmatamento líquido zero é incapaz de enfrentar o exterminio dos povos indígenas e a perseguição a todos os povos da natureza e ambientalistas que só cresce no Brasil.
É comum acharmos que o Brasil é um dos países que menos contribuiu para a crise climática. De todo modo, isso só é verdade quando consideramos a queima de combustíveis fósseis. Quando levamos em conta o desmatamento, o Brasil fica em 4º lugar no ranking de países mais poluentes desde 1850[2]. No caso brasileiro, a atividade agropecuária domina a geração de gases de efeito estufa. Somadas as emissões diretas do setor agropecuário com as emissões indiretas, por desmatamento, essa atividade respondeu por 69% das emissões em 2018, uma parcela significativa na Amazônia. De 1990 a há um crescimento das contribuições de todos os setores, mas certamente a grande variação ocorreu no setor de mudanças de uso do solo, em decorrência dos períodos de políticas públicas de maior controle do desmatamento ou períodos de maior flexibilização. O desmatamento líquido zero dá a aparência de conservação, mas na prática abre o caminho para seguir devastando áreas conservadas — o que implica mais gás carbônico na atmosfera e destruição de fauna e flora.
É preciso zerar o desmatamento em termos absolutos não só na Amazônia, mas em todos os biomas do país. Para isso é necessário expandir o número de áreas preservadas, destinar recursos orçamentários para viabilizar ações de controle, fortalecer os órgãos de fiscalização, responsabilizar empresas que desmatam e confiscar terras e bens de empresas reincidentes, certificar rigorosamente todos os produtos advindos de desmatamento (produtos agropecuários, madeira, minérios etc.), efetivar um plano de longo prazo de recuperação de áreas degradadas, com a transição da produção agrícola para a agroecologia, além de avançar na demarcação de terras indígenas e quilombolas, e proteger as comunidades tradicionais — povos que são os verdadeiros protetores das florestas. Apenas com uma política de desmatamento zero real poderemos ser uma potência na contenção da crise climática.
Floresta em pé! Defender a Amazônia é defender o planeta!
[1] https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2021/03/amazonia-pode-estar-agravando-mudancas-climaticas-indica-estudo-inedito
[2] https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/10/27/brasil-e-4o-no-mundo-em-ranking-de-emissao-de-gases-poluentes-desde-1850.ghtml