08 de junho de 2023. Coordenação Nacional da Insurgência
Depois de uma eleição presidencial apertada, em que a esquerda manteve peso minoritário no Congresso Nacional (apenas 25% das cadeiras), o Governo Lula iniciou sob forte ataque da extrema direita e sob achaque do Centrão.
Após uma tentativa frustrada de golpe, a extrema direita viu a liderança de Bolsonaro ser bombardeada por processos judiciais contra sua família: os antigos casos de rachadinha, a falsificação de cartão de vacina, os gastos da presidência e a revelação de uma transação suspeitíssima de joias com a Arábia Saudita.
Apesar da posição defensiva de Bolsonaro, a bancada da extrema direita se coesionou e atua de forma beligerante no parlamento e fora dele, demonstrando que a extrema direita é um fenômeno que vai além da liderança de Bolsonaro.
O Governo, num primeiro momento, foi capaz de fazer sinalizações à esquerda, com uma composição de Ministério sem precedentes, mesmo se comparado aos governos petistas anteriores. E implementou uma série de medidas muito positivas para a vida das e dos trabalhadores brasileiros: reajuste e fortalecimento do Bolsa Família; aumento real do salário mínimo; reajuste de bolsas de pesquisa e dos vencimentos de servidores públicos. Além de medidas importantes para o controle das armas e a proteção dos territórios indígenas, como a ação de resgate aos Yanomami
O Governo entendeu que para estabilizar sua governabilidade precisa melhorar a vida de quem ganha até 2 Salários Mínimos. Eleitorado que, mesmo sob enorme assédio nos locais de trabalho, igrejas e equipamentos públicos, votou majoritariamente em Lula.
Como esse eleitorado representa a maior parcela da população, se realizadas suas expectativas, viabilizaria uma maioria eleitoral para governar pelos próximos anos e construir políticas mais ousadas.
O Governo espera que, com apoio internacional de atores preocupados tanto com a expansão da extrema direita, como com as questões ambientais, reindustrializará o país, dando início a um vigoroso ciclo de crescimento. Na impossibilidade da reedição da estratégia “ganha ganha” dos governos petistas anteriores, o governo projeta um cenário futuro em que a conciliação poderá estabilizar o país.
No entanto, uma das heranças malditas deixadas por Bolsonaro foi o fortalecimento do Centrão, que passou a atuar de forma coesa, controlando metade da Câmara, sob comando de Arthur Lira, e uma fatia considerável do Senado.
Para essa turma interessa um governo frágil. As dificuldades que Bolsonaro passou na pandemia, sob risco de impeachment, possibilitaram que Lira concentrasse em suas mãos uma fatia sem precedentes do orçamento. Hoje ele tenta achacar o governo para manter seu papel na distribuição de emendas e no atendimento dos deputados do Centrão no Congresso.
É para manter o governo sob pressão que permitiu a criação da CPI do MST, deixada sob comando da extrema direita, e a CPI dos atos golpistas, deixada nas mãos do próprio grupo de Lira.
Ou seja, Lira e o Governo estão em queda de braço para ver qual vai ser a participação do Centrão em termos de Cargos e Emendas.
A entrada do Centrão na coalizão traz ainda outro preço caro: a incidência sob as orientações políticas do Governo. O Centrão é um bloco político que se organiza prioritariamente por dentro do Estado, com cargos, emendas e clientelismos, mas que também tem relações com as elites econômicas, com destaque para o Capital Agrário. E vão representar seus interesses em cima de cada pauta a ser votada. Além disso, o surgimento de uma extrema direita com expressão de massas empurra o Centrão para posições ideológicas ainda mais conservadoras.
E parece ser de interesse de pelo menos uma parte do Centrão tentar dificultar a vida do Governo para possibilitar uma recomposição à direita com o Bolsonarismo em 2026. E não será a atuação da Polícia Federal ou do STF que será capaz de reverter essa hegemonia conservadora.
O PT parece apostar numa tática de fazer concessões pelo caminho - em especial no meio ambiente, direitos humanos, reforma agráia - mas garantir as iniciativas que pavimentariam um maior crescimento econômico (PEC de Transição, maior nacionalização dos Preços da Petrobrás, redução dos juros).
No entanto, a exemplo de 2016, essa aposta numa governabilidade conservadora pode nos levar a um beco sem saída, pois o apetite do Centrão não será saciado. A votação do arcabouço foi uma mostra disso, quando Lira partiu para a ofensiva, restringindo ainda mais os limites fiscais e atacando nos temas ambientais. E a resposta do Governo foi tímida, liberando sua base na votação da urgência do Marco Temporal e na MP que atacava a Mata Atlântica. Uma coisa é ser emparedado pelo Centrão, outra coisa é aceitar e votar a favor sem resistência social.
Esse jogo jogado nos corredores palacianos está dando sinais de que, nas disputas diárias no Governo, o pêndulo na maioria das vezes cairá à direita.
De concessão em concessão, o governo poderá comprometer até mesmo seu objetivo estratégico de alavancar a economia. O Governo ao aprovar um novo teto de gastos que restringe sua capacidade de transformar a vida das pessoas, dificulta a construção desse cenário mais favorável. As concessões poderão frustrar as expectativas geradas com a eleição de Lula e permitir o retorno da extrema direita.
Diante dessa conjuntura estreita, como então o PSOL pode contribuir para resistir aos retrocessos, arrancar conquistas sociais e enfraquecer a extrema direita?
O PSOL está bem equipado para lidar com as contradições dessa conjuntura: uma bancada diversa, que além de trazer para a representação política setores historicamente marginalizados desses espaços, manteve quadros que detêm as memórias das lutas passadas. Além disso, a Federação PSOL-Rede ocupa, com quadros legitimados e aliados, os postos de comando das áreas mais fragilizadas diante das negociações com o Centrão: Meio Ambiente, Povos Indígenas e Ministério dos Direitos Humanos.
Além disso, há uma bancada jovem e renovada de outros partidos que são sensíveis às posições do PSOL e pode ser nossa aliada em importantes embates. Há ainda setores do campo progressista que esperam uma atuação mais ofensiva de mobilização.
Nesses primeiros meses de Governo, o partido e a bancada em particular, vem consolidando um perfil importante de relação com o Governo que dá sinais de por onde podemos caminhar.
Linha de Frente na defesa do Governo e contra a extrema direita. Tem sido exemplar a participação da nossa bancada nas disputas com a extrema direita nas comissões da Câmara. Muitas vezes, esvaziadas de participação petista, são as e os parlamentares do PSOL que fazem a defesa das pautas que Lula apresentou durante as eleições. Como nas incansáveis convocações de Ministros e nas CPIs em curso.
Porta vozes dos avanços. Todo e qualquer avanço precisa ser comemorado. Mesmo que, por exemplo, o ganho real do salário mínimo seja de apenas 18 reais, precisamos reconhecer que ainda estamos numa conjuntura de retrocesso, em que qualquer retomada de direitos, ainda que pequena, precisa ser celebrada e que é de nosso interesse que o Governo aumente seu apoio popular nesse momento.
Autonomia para votar contra propostas contraditórias com o programa eleito nas urnas. O PSOL já se descolou em pelo menos dois momentos importantes da consolidação da aliança com o Centrão, que impôs votações contraditórias com o programa eleito nas urnas. Primeiro na eleição do Lira, em que o PSOL apresentou um importante contraponto programático com a candidatura do Chico Alencar. E, mais recentemente, na votação do Arcabouço Fiscal. No caso de Lira, a própria extrema direita fez parte do apoio à sua candidatura, enquanto no Arcabouço, a aliança com o Centrão, na prática, inviabilizou que a proposta do PL e Partido Novo - ainda mais restritiva - tivesse chance de prosperar. Por isso, havia espaço para o PSOL se diferenciar e gerar debates na sociedade.
Resguardar a autonomia do PSOL. Foi muito importante a decisão do Diretório Nacional que sinalizou que o partido não entraria nas estruturas do Executivo - salvo exceções, como a do Ministério dos Povos Indígenas - e criou uma trava de proteção do Partido no caso da entrada de quadros no Governo. E, mais recentemente, a decisão da bancada de não utilizar as emendas de relator, RP2, que, embora mais transparentes que o Orçamento Secreto, servem de instrumento discricionário de consolidação de base.
Impulsionar os debates na sociedade. Enquanto o PT insiste na estratégia conciliadora de não recorrer à mobilização para contrapor o Centrão, é o PSOL que pode articular os debates na sociedade, convocar os atores interessados em cada tema, mobilizar nas redes e produzir, sempre que possível, propostas alternativas. Esse movimento fez muita falta na votação do arcabouço fiscal, em que o debate público se resumiu a um embate entre fiscalistas e fiscalistas ainda mais radicais.
Obviamente essa voz autônoma do PSOL precisa modular seu discurso de cobranças ao Governo, porque de fato há que se reconhecer uma conjuntura desfavorável. Se em 2003 o PT optou pelo caminho da conciliação, quando havia a possibilidade de algum grau de radicalização, em 2023 as condições são muito mais desfavoráveis.
Fazer disputas que o PT tem dificuldades em fazer. O PSOL tem se apresentado como muito mais do que um pólo à esquerda da Base Governista. Já que o PT, na sua busca de consolidação de uma base no Congresso, terá muitas dificuldades em fazer alguns enfrentamentos importantes, como, por exemplo, o questionamento das comunidades terapêuticas.
E muitas vezes cumpriremos um papel complementar a uma estratégia de defesa do governo e desbolsonarização do país, como na CPMI, em que só o PSOL terá condições de questionar o papel de ruralistas e do exército no financiamento e apoio aos atos golpistas.
Mas existirão ainda situações em que as contradições programáticas serão mais estratégicas, já que setores petistas querem reeditar a aposta neodesenvolvimentista dos governos anteriores - a exemplo dos debates sobre a Ferrogrão e da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Em essência, deste ponto de vista há e haverá um choque mais aberto entre visões de modelo de desenvolvimento entre o governo e o PSOL.
O poder está nos territórios e nas redes. O PSOL já tem peso institucional suficiente para impulsionar ações mais vigorosas para além do parlamento. Mas essa estrutura ainda é drenada para a reprodução dos mandatos e disputas internas (que em última instância também impactam na capacidade de manter ou conquistar novos mandatos). A Fundação partidária precisa ser preparada para ser instrumento de formação continuada de uma nova geração de ativistas, em especial das periferias.
Hoje existem três atores centrais para a construção de um ciclo de ascenso de lutas: os trabalhadores de aplicativo, as e os indígenas e o setor em torno da educação. O PSOL precisa ser pólo organizador importante dessas mobilizações.
A aposta de convergir com MTST e APIB não era só para aproximar suas principais lideranças, mas para construir um novo bloco histórico. Hoje, com as dificuldades do Governo de atender a pauta da Reforma Agrária, é papel do PSOL fortalecer o MST. O movimento é hoje parceiro estratégico na luta ambiental - como vimos na mobilização em defesa da lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização de agrotóxicos, aprovada por nossa iniciativa na Assembleia Legislativa do CE e contestada pelos ruralistas no STF. A reconstrução desse bloco histórico demanda ainda a reorganização do movimento sindical - facilitada pela nova diretoria do ANDES, um dos principais sindicatos do país, alinhada com essa perspectiva. As Juventudes também têm um papel decisivo a cumprir nessa conjuntura.
Construir uma agenda de mobilização e fóruns unitários de organização. A extrema direita ainda tem maior controle da agenda pública. Por isso é importante um arco de alianças sociais que construa uma agenda que enfrente as raízes da extrema direita: o PL de responsabilização das plataformas (Fakenews), uma reforma trabalhista que inclua direito aos uberizados; uma reforma tributária progressiva e uma reforma agrária agroecológica, entre outras.
Da mesma forma que as frentes nacionais de mobilização foram importantes para manter a disputa nas ruas, como a Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular, que também envolveram as torcidas organizadas e se somaram às mobilizações do movimento indígena em diversas disputas cruciais nos anos de governo Bolsonaro, a necessidade de ampliação desses espaços para uma agenda comum de mobilização se torna ainda maior. Assim como as redes de solidariedade populares, criadas e fortalecidas durante a pandemia, devem ser acionadas como parte do método de construção deste novo momento.
É uma mudança na chave do movimento, que antes se unificava em uma tática defensiva, agora tem a oportunidade de pautar o debate público e o governo, de forma que não haja espaço para a extrema-direita ocupar. Essa construção deve permear a retomada dos congressos e encontros de movimentos e entidades pós pandemia. Fazer do congresso da União Nacional dos Estudantes uma oportunidade para elaborar uma reforma educacional com peso no público em diálogo com o movimento educacional, os encontros do movimento ambiental rumo a COP que será sediada no Brasil, os fóruns de luta pela democratização dos meios de comunicação, entre outras.
Vale abrir a discussão no movimento, se não chegou a hora de construir um grande encontro nacional, para compartilhamento de elaborações para o próximo período. Há uma série de setores com os quais temos algum peso e relação e que podemos buscar acordos para testar a ideia de espaços nacionais comuns para impulsionar uma agenda de mobilização. É importante buscar pelo PSOL e sua bancada a aprovação e legitimidade para essas iniciativas.
Governabilidade popular. Forçar o alargamento da democracia representativa como alternativa à conciliação com o Centrão, apostando nas conferências temáticas, uma maior participação popular na definição orçamentária, conselhos e realização de plebiscitos.
Seguir o exemplo da experiência colombiana, onde o governo de Petro e Francia tem respondido às chantagens dos setores da centro-direita da sua própria coalizão com a retirada de ministérios nomeados por eles e convocatória do povo para as ruas em defesa do programa eleito nas urnas.
Seguir nas disputas com a extrema direita nas eleições municipais. Em territórios hegemonizados pelo Bolsonarismo, é importante buscar a coesão do campo de esquerda em torno de candidaturas com maior viabilidade eleitoral. Mas naqueles em que a opção do PT for fortalecer as alas conservadoras do seu governo, é fundamental que o PSOL se apresente como alternativa de esquerda.
O PSOL passou pelo primeiro teste histórico de ser base de um governo de conciliação sob ataque da extrema direita. Resistiu às compreensíveis expectativas por uma maior participação no governo, o que deu ao partido melhores condições para enfrentar esse segundo momento, em que as concessões ao Centrão começam a impactar a plataforma eleita pelas urnas.
O partido ainda precisa passar pelo segundo teste histórico: ser capaz de mobilizar setores sociais para pressionar o pêndulo à esquerda.
Como o partido é muito atravessado pelas posições polares no debate sobre como se relacionar com o Governo, produz-se emblocamentos na bancada que mais respondem a polêmicas do passado ou necessidades de disputa (até de comissões) do que sobre visões de futuro.
Mas, há que se reconhecer que a linha de convergência, a mais adequada para os desafios do tempo presente, tem preponderado. E espera-se que com o perfil de base autônoma se consolidando, as sínteses se darão de forma mais natural, ganhando-se tempo fundamental para a mobilização dos setores sociais.
Para alargar horizontes, precisamos preparar o PSOL e sua fundação para cumprir esse papel de articulador e impulsionador da luta social. Resistindo a propostas que descaracterizam o PSOL como partido militante e avançando para um instrumento mais participativo e pedagógico.
Só assim daremos nossa contribuição para um tempo de retomada