Os oligarcas que enriqueceram nos anos 1990 aspiraram a controlar a política russa mas foram forçados a subordinar-se a Putin. Não sabemos se a guerra conduzirá a uma maior irrelevância política destes e da nova vaga de oligarcas criada no tempo de Putin ou se será um ponto chave numa mudança de rumo.
Eric Pardo, The Conversation / Esquerda.net, 3 de abril de 2022
A 24 de Fevereiro, Vladimir Putin(link is external), presidente da Federação Russa, reuniu-se(link is external) com representantes dos círculos empresariais russos. Precisamente no mesmo dia em que Moscovo lançou a sua agressão militar contra a Ucrânia. A reunião tinha sido marcada com antecedência. E Putin aludiu às inevitáveis consequências económicas da guerra que acabara de lançar. Nesta reunião, o quadro hierárquico era tão claro quanto na terrível sessão do Conselho de Segurança Nacional russo onde, dias antes, Putin tinha humilhado(link is external) o chefe do Serviço Russo de Informações Externas (SVR).
Desta vez, a cerimónia não proporcionou momentos tão memoráveis. Mas mostrou quem são os oligarcas, atores-chave na compreensão tanto da estrutura económica da Rússia de hoje como da sua história mais imediata. Neste sentido, duas coisas são dignas de nota:
- Que a relação entre poder político e poder económico russos nem sempre foi tão hierárquica como foi demonstrado na cerimónia.
- Que a reunião não incluiu todos aqueles que normalmente se enquadram neste título perturbador.
Portanto, colocam-se duas questões: quem foram e quem são os chamados oligarcas?
Oligarca: o conceito
Antes de mais, vale a pena esclarecer o que se entende por oligarca e porque não estamos simplesmente a falar de empresários. A palavra oligarquia refere-se aos regimes políticos da Grécia antiga, onde apenas uma fração dos cidadãos tinha direitos políticos.
No contexto da nossa ordem política liberal democrática, falar de oligarquia refere-se inevitavelmente à ideia da captura ilegítima da ordem política por uma elite não eleita. E, de facto, foi isso que os oligarcas russos fizeram no contexto do brutal colapso económico da URSS e do nascimento convulsivo da Federação Russa.
O termo oligarca tem uma dupla dimensão. Por um lado, podemos falar da captura de certos sectores económicos, por parte de alguns empresários, graças às suas ligações políticas. Por outro, também pode ser um abuso do seu poder económico para exercer influência política.
O certo é que, em conjunto, as duas dimensões levam a uma simbiose perversa: a pilhagem de recursos leva a uma influência política. E, por sua vez, essa influência leva a mais pilhagens.
Os oligarcas da queda da URSS
Boris Berezovski(link is external), uma eminência parda da administração imensamente corrupta de Boris Ieltsin (presidente da Federação Russa nos anos 90), exemplifica o poder que muitos deles vieram a adquirir.
O episódio mais escandaloso desta simbiose perversa veio com as eleições presidenciais de 1996(link is external). Confrontado com um candidato forte do Partido Comunista, Guenady Ziuganov(link is external), impulsionado pelo cansaço de grande parte do eleitorado, Ieltsin tinha de assegurar a sua reeleição. Assim, concebeu um esquema lucrativo: uma série de magnatas ofereceu empréstimos ao Estado. Estes empréstimos foram garantidos por bens estatais que seriam hipotecados no caso do Estado não poder pagar o dinheiro. Obviamente, o dinheiro não pôde ser devolvido. Assim, enormes sectores económicos acabaram nas mãos de oligarcas ricos a um preço de pechincha. Os oligarcas que iriam beneficiar mantiveram a sua parte do acordo. Os meios de comunicação controlados por eles deram a devida cobertura mediática a Ieltsin, que foi reeleito.
Esta foi, em traços largos, a génese do capitalismo brutal da nova Rússia. Mas depois, em 2000, chegou um certo Vladimir Putin à presidência. E trouxe duas grandes mudanças.
As forças da autoridade e o poder do dinheiro
Em primeiro lugar, Putin forjado na turbulenta política local de São Petersburgo dos anos 1990 e recomendado por Berezovsky como um sucessor maleável, mostrou mais personalidade do que o esperado. Foi impulsionado para a presidência como um campeão contra a ameaça terrorista e, uma vez no poder, marcou o território.
Os oligarcas receberam a seguinte mensagem: "Fiquem com o que roubaram e desfrutem-no. Claro, parem de roubar e paguem os vossos impostos. Mas, acima de tudo, para o vosso próprio bem, mantenham-se fora da política" (paráfrase livre do autor).
E é aqui que entra a segunda mudança: o nascimento de uma nova classe de oligarcas, que Daniel Treisman definiu como silovarcas(link is external). Na Rússia, são identificados como silovikis, todos aqueles com um passado no exército, nos serviços secretos ou na polícia. Para colocar a questão da forma mais simples, poderemos defini-los como "agentes da autoridade". Este perfil político-burocrático começou a ganhar proeminência com Vladimir Putin. Trata-se de colaboradores próximos do regime provenientes do círculo interno de Putin e, na sua maioria, dos setores da ordem pública. Um exemplo é Igor Sechin(link is external), que, através da Rosneft, assumiu a companhia petrolífera Yukos, que em tempos pertenceu a Jodorkovsky.
No início do século XXI, estava a nascer uma nova geração de oligarcas russos, que acumularam enormes fortunas e representam um dos pilares da elite da qual Putin depende. E que, em paralelo, coexistem com os oligarcas dos anos 90, como Oleg Deripaska(link is external), nascidos da queda da URSS e que conseguiram compreender o novo consenso que Putin propôs quando chegou ao poder.
Oligarquia e sanções económicas
Neste momento, coloca-se a questão de saber qual o papel que a oligarquia russa irá desempenhar em caso de colapso económico devido às sanções ocidentais em resposta à guerra contra a Ucrânia. Porque Putin oferecia-lhes poder económico em troca da sua primazia política. O que acontecerá se, para além de cederem politicamente, os oligarcas ficarem arruinados? Bem, não percamos de vista o facto das sanções visarem um impacto generalizado na economia russa. Afetam, acima de tudo, os cidadãos russos. Mas também, embora tenham mais margem de manobra, praticamente toda a comunidade empresarial russa.
Resta ver que capacidade de resistência política tem o regime de Vladimir Putin. Por enquanto, dois fatores terão de ser tidos em conta para o futuro imediato.
- A reação da cidadania
Após a anexação da Crimeia(link is external), em 2014, os russos orgulhavam-se, mas agora parecem menos entusiastas. Os protestos contra a guerra não foram massivos e, se havia potencial para crescerem, a mordaça do governo conseguiu, pelo menos por enquanto, intimidar(link is external) outros cidadãos.
- A reação da própria oligarquia
Nos primeiros dias após o início da invasão, foram ouvidas(link is external) algumas vozes de oligarcas contra o ataque à Ucrânia. Mas é preciso pensar friamente nas consequências de sanções prolongadas.
Muitos gostariam de acreditar que, mais cedo ou mais tarde, uma população indignada sairá para as ruas e irá encurralar uma elite igualmente insatisfeita. No entanto, uma situação económica crítica pode levar muitos oligarcas a tornarem-se ainda mais dependentes do patrocínio do Kremlin e, assim, reforçar o seu controlo político. Ainda que Putin tenha quebrado a sua parte do contrato, subordinando o sucesso económico ao seu trágico aventureirismo geopolítico.
Os oligarcas que enriqueceram nos anos 1990 aspiraram a controlar a política russa, mas foram forçados a subordinar-se a Putin. Aqueles que o fizeram, juntamente com os recém-chegados, demonstraram ter vindo para ficar. No entanto, não sabemos se esta guerra conduzirá à sua maior irrelevância política ou se será um ponto chave numa mudança de rumo. Os próximos meses, se não anos, responderão a duas perguntas que omitimos no início: quem serão os novos oligarcas e onde obterão as suas novas fortunas?
Eric Pardo é Professor de Relações Internacionais da Universidade de Deusto. Publicado originalmente no The Conversation. Traduzido por António José André para Esquerda.net.