Os principais aliados políticos de Vladimir Putin na Europa são partidos da extrema-direita. Por entre acordos de cooperação com o partido Rússia Unida e denúncias de financiamento ilegal a partir de Moscovo, as formações lideradas por Salvini, Marine Le Pen e Viktor Orbán integram a órbita europeia do chefe do Kremlin. Mas, no Brasil, Bolsonaro também evita qualquer condenação a Putin.
Esquerda.net, 24 de fevereiro de 2022
No fim de janeiro, o líder da extrema-direita espanhola foi o anfitrião de um encontro de partidos europeus deste campo político. O propósito anunciado era prosseguir a "reflexão sobre o futuro da Europa", mas o objetivo concreto passa por criar um novo grupo no Parlamento Europeu que aumente o seu poder em Bruxelas, dado que os 14 partidos presentes se dividem hoje por três grupos parlamentares em Estrasburgo. Um objetivo para já frustrado, com a crise na Ucrânia em fundo a sublinhar as divisões no seio da extrema-direita europeia.
Relações com o Kremlin são obstáculo a um grupo comum da extrema-direita em Estrasburgo
Poucos dias depois, dois dos participantes neste encontro em Madrid foram recebidos em capitais diferentes: o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki em Kiev para sublinhar o seu apoio(link is external) incondicional ao governo da Ucrânia, enquanto o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán se encontrava(link is external) com Putin no Kremlin para reforçar laços de cooperação entre os dois países.
Conhecida a divisão profunda entre os principais protagonistas, o comunicado final do encontro dos partidos da extrema-direita europeia continha um parágrafo a responsabilizar as ações militares russas por "nos terem conduzido à beira da guerra", mas a líder da antiga Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, demarcou-se(link is external) desta referência, alegando não querer interferir com as negociações diretas entre Macron e Putin para evitar o conflito armado com a Ucrânia. Após o início dos bombardeamentos, a candidata presidencial afirmou que a ação militar russa deve ser condenada "sem ambiguidades". As ligações do Kremlin ao partido de Le Pen são antigas e incluem o financiamento de um banco russo que o ajudou a salvar-se da bancarrota em 2014.
Quanto ao anfitrião, Santiago Abascal, o silêncio e a ambiguidade sobre a Ucrânia tem sido a imagem de marca, o que lhe valeu críticas do agora líder cessante do PP num debate parlamentar nas vésperas desta cimeira da extrema-direita. "Até agora não se ouviu o Vox a opinar sobre este assunto", disparou(link is external) Casado no debate parlamentar em que declarou apoio à posição do governo espanhol, alinhada com a Nato.
Salvini não esconde a admiração por Putin (até nas t-shirts)
Ausente destes encontros, que incluem também os seus rivais dos Irmãos de Itália, esteve um dos apoiantes mais notórios de Vladimir Putin na cena política europeia: Matteo Salvini, o líder da Liga, que até já se fez fotografar na Praça Vermelha envergando uma t-shirt com uma imagem de Putin fardado e voltou a fazê-lo com uma t-shirt semelhante, desta vez no Parlamento Europeu(link is external) em 2015, para ilustrar a sua oposição as sanções então impostas pela UE a Moscovo.
Além de um acordo(link is external) de cooperação assinado em 2017 entre a Liga e a Rússia Unida de Putin, as ligações da Liga a Moscovo terão passado também pelo financiamento ao partido de Salvini. Segundo uma investigação publicada no "Livro Negro da Liga", um antigo porta-voz do partido, Gianluca Savoini, participou em reuniões com representantes das petrolíferas Eni e Rosneft em outubro de 2018 para discutir um negócio em que a empresa italiana compraria três milhões de toneladas de gasóleo à congénere russa, mas com um desconto de 4%, com a diferença — estimada em quase 3 milhões de euros — a ser depositada em contas da Liga em prestações de 220 mil euros por mês para financiar a próxima campanha das eleições europeias. Esta quinta-feira, em reação ao ataque da Rússia, Salvini afirmou condenar "qualquer agressão militar" e esperar "o fim imediato da violência", sem nunca referir a Rússia ou o seu líder.
Na Alemanha, dirigentes da AfD são passageiros frequentes para Moscovo
Na Alemanha, é bem conhecida a simpatia do principal partido da extrema-direita, a AfD, pelo regime russo. Em 2017, antes de o partido ter assento no parlamento federal, a líder do partido, Frauke Petry, foi a Moscovo a convite de autoridades locais para encontros(link is external) com políticos como o ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky ou o presidente da câmara baixa da Duma Vyacheslav Volodin. O objetivo era discutir formas de cooperação entre os partidos e as suas organizações de juventude, com um porta-voz da AfD a negar que o apoio financeiro tenha estado em cima da mesa. No ano passado, parlamentares da AfD voltaram(link is external) a Moscovo para defender a “normalização” das relações entre França e Alemanha, depois das sanções impostas na sequência do envenenamento do opositor russo Navalny. O apoio mais ou menos explícito ao partido alemão por parte da imprensa estatal russa, a par das campanhas nas redes sociais a partir de contas na Rússia, dão mais credibilidade a um documento(link is external) atribuído aos serviços de contra-espionagem de Moscovo que afirmava que em caso da eleição do deputado Markus Frohnmaier, “teremos o nosso deputado absolutamente sob controlo no Bundestag”.
Na reação aos bombardeamentos esta quinta-feira, a condenação do ataque militar por parte da AfD foi acompanhada da exigência ao Governo alemão que nas negociações “passem a ser feitas propostas credíveis aos parceiros russos que fortaleçam de novo a confiança mútua”.
Negócios da extrema-direita com o Kremlin já fizeram cair um governo na Áustria
A influência de Putin sobre a extrema-direita europeia passa também pela Áustria e culminou na queda do governo em 2019. O líder do FPO, pouco antes das eleições de 2017 em que se viria a tornar vice-chanceler, foi apanhado em Ibiza a oferecer ajuda para uma suposta sobrinha de um oligarca russo obter contratos públicos e a discutir formas de o milionário vir a adquirir o tablóide líder de audiências no país e assim garantir uma cobertura mais favorável ao seu partido. Mas a "sobrinha" era afinal uma jornalista e as gravações vieram a público no escândalo que ficou conhecido como "Ibizagate". A investigação que se seguiu levou à condenação de Heinz-Christian Strache por corrupção no ano passado. As ligações do FPO ao partido de Putin eram públicas e passaram em 2016 pela assinatura de um acordo(link is external) de cooperação a dez anos com o partido Rússia Unida. O partido apoiou a anexação da Crimeia - o nº 2 de Strache, Johan Gudenus, que aparece a traduzir do russo no vídeo de Ibiza, tinha sido enviado como "observador" ao referendo de 2014 que validou a anexação - e a campanha militar na Geórgia em 2008. E a ministra dos Negócios Estrangeiros do governo que caiu em 2019, Karin Kneissl, teve a oportunidade de dançar com Vladimir Putin enquanto convidado do seu casamento em 2018. Com a queda do governo, tornou-se blogger do Russia Today e no ano passado foi nomeada para o conselho de supervisão da petrolífera estatal russa Rosneft.
Em reação ao ataque russo à Ucrânia, o FPO insistiu na sua oposição às sanções à Rússia e acusou o governo de estar a violar o dever constitucional de neutralidade da Áustria ao tomar posição contra uma das partes do conflito.
"Observadores internacionais" na Crimeia a convite de Putin
O elenco(link is external) de "observadores internacionais" no referendo organizado por Moscovo na Crimeia em 2014 é um bom exemplo da lista de aliados de Putin na extrema-direita da Europa. Além do FPO austríaco, marcaram presença enviados da Frente nacional francesa, a Liga Norte e a Fiamma Tricolore italianas, o Jobbik húngaro, o Vlaams Belang e o Partido Comunitário Nacional-Europeu belgas, a Autodefesa da República da Polónia ou a Plataforma Per Catalunya, que entretanto se juntou ao Vox espanhol.
No ano seguinte, em São Petersburgo, realizou-se(link is external) o "Fórum Internacional Conservador Russo", organizado pelo partido Rodina, uma das organizações na órbita do Kremlin. Entre os oradores estiveram Nick Griffin, o antigo líder do BNP britânico, e Udo Voigt do NPD alemão. A Aurora Dourada grega, a Ataka búlgara e outros partidos da extrema-direita da Sérvia, Itália e Suécia também marcaram presença.