Marília Souza Santos, 23 de junho, Sergipe
Quem não acompanha o esporte pode desconhecer alguns fenômenos que acontecem dentro e fora de campo. Para além das quatro linhas, os jogadores não estão dissociados do que acontece na sociedade e, as vezes, é reverberado nos estádios. O episódio mais recente envolve a Eurocopa e a luta contra a LGBTfobia. Muitas expectativas foram criadas para a partida de Alemanha x Hungria, na cidade de Munique. E as expectativas dentro e fora de campo foram atendidas.
Acontece que o parlamento húngaro aprovou esta semana uma lei que proíbe a “promoção” de conteúdos LGBT sem escola, por entenderem que isso seria um incentivo a homossexualidade. Qualquer semelhança com o debate sobre a inexistente “ideologia de gênero” aqui no Brasil não é mera coincidência. Além disso, os torcedores da Hungria levaram uma faixa em referência a esta lei e que foi traduzida como “anti LGBT” pela imprensa esportiva. Não satisfeitos, os torcedores ainda imitaram sons de macaco quando o jogador francês Mbappé tocava na bola no jogo entre Hungria x França.
Países europeus discutiram e rechaçaram a atitude do parlamento húngaro e a Alemanha quis dar uma resposta dentro de campo no jogo que fecharia a fase de grupo da Eurocopa. Inicialmente, os alemães propuseram iluminar o estádio em Munique com as cores do arco-íris, como já haviam feito em outras oportunidades. Mas a ação foi vetada pela UEFA, órgão que promove a Eurocopa, por considerar uma ação política que ia de encontro a “isenção” do torneio.
Com vetos, mas com a vontade de manifestação, a Alemanha, em parceria com a Anistia Internacional, distribuiu bandeiras do arco-íris para seus torcedores e o capitão Manuel Neuer usou a braçadeira também colorida como protesto. Fora de campo, a repercussão foi de registro de mais uma tentativa de barrar ações LGBTfóbicas no esporte, dentro de campo o jogo terminou empatado em 2x2, mas foi o suficiente para eliminar a seleção da Hungria e as bandeiras do arco-íris se agitarem nas arquibancadas.
A Eurocopa está completando 60 anos, porque está sendo disputada a Euro 2020 com o atraso gerado pela pandemia da Covid-19. Logo na primeira rodada, o jogador austríaco Marko Arnautovic, fez um ato supremacista enquanto comemorava um gol. Os pedidos de punição de alguns torcedores também foram negados pela UEFA. A expectativa era de que ele fosse banido do torneio, mas ganhou apenas uma suspensão de 1 jogo. Com isso, já não seria possível esperar muito da organização da Eurocopa em casos de racismo ou LGBTfobia.
Quando se fala de futebol, diversos casos de machismo surgem na mente pela grande quantidade dejogadores acusados de assédio, estupro e violência contra a mulher. Nem mesmo as mulheres que arbitram jogos ou exercem a função de bandeirinha escapam das ofensas e violências. Pouco se faz em relação a isso em todos os países, muito menos se faz contra os atos LGBTfóbicos.
É comum que torcidas cantem nas arquibancadas gritos homofóbicos contra os adversários, é impensávelque um jogador se assuma gay e continue sendo amado pelos torcedores. Esta semana, o jogador de futebol americano, Carl Nassib, assumiu sua homossexualidade publicamente e recebeu apoio de diversos companheiros e entidades por ser o primeiro a fazer isso em toda a história da NFL. Baseado nisso, o lateral da seleção da Bélgica, Thomas Meunier, aconselhou que os atletas de futebol não façam o mesmo porque o acolhimento não acontecerá. Mas foi uma fala de crítica ao conservadorismo no esporte e não um pedido para que os companheiros fiquem no armário.
Recentemente, no Brasil,o caso do dirigente do Sport Club Recife proferindo falas homofóbicas contra Gilberto Nogueira, o Gil do Vigor, gerou manifestações de repúdio pelo próprio clube e jogadores, que entraram em campo com o nome de Gil do Vigor em todas as camisas (que foram vendidas e o dinheiro revertido a uma ONG de combate a LGBTfobia) e com uma faixa em apoio ao ex-BBB.
Mas, o que esses casos significam? Muita coisa. O futebol é um espaço ainda ocupado por pessoas que não dão importância à luta dos minorizados socialmente. Esses atos que parecem pouco, são quase revolucionários dentro do esporte. O ruim disso tudo é que ainda há muito trabalho para se fazer. O bom é que estamos caminhando para um cenário menos opressor.
No futebol se ouve muitoa frase: não é só futebol. Na política se ouve muito: não há vácuo na política. Pensando nessas duas frases, fica cada vez mais evidente que os espaços precisam ser ocupados e que as vozes precisam ser ouvidas. Se há debate sobre o assunto, é porque o que é dito está sendo ouvido, mesmo que por poucos. E o caminho não é se afastar desse espaço. Longe disso. O caminho é se inserir cada vez mais para que mais vozes sejam ouvidas. Se é pra vencer, tem que vencer em todos os cantos.
Marília Souza Santos é jornalista e militante da Insurgência Sergipe.