Isaac Nahón Serfaty, Latinoamerica21, 21 de setembro de 2021
Enquanto o painel intergovernamental de especialistas das Nações Unidas alerta em um relatório recente que as consequências da mudança climática são irreversíveis, na Venezuela as multifacetadas crises sociais, econômicas, de saúde, migração e educação, e as violações sistemáticas dos direitos humanos cobrem o desastre ecológico que continua a avançar sob as ações predatórias e corruptas do regime de Nicolás Maduro. A degradação ambiental se deve, sobretudo, ao declínio da indústria petrolífera e ao turbilhão de mineração no sul do país através da exploração ilegal e supostamente “legal” no chamado Arco Mineiro do Orinoco.
O recente anúncio de que a PDVSA e seus parceiros – incluindo empresas chinesas, russas e iranianas – planejam aumentar a produção de petróleo na Venezuela não é um bom presságio para o meio ambiente. O plano é aumentar a produção de cerca de 500.000 barris por dia para 1,5 milhões de barris por dia.
Grave deterioração ecológica
A deterioração ecológica no país é notável, embora tenha sido basicamente ignorada por organizações internacionais “verdes” como a Greenpeace – uma tímida menção a derramamentos de petróleo em 2020 – e a WWF. O desmantelamento das capacidades financeiras e técnicas da empresa petrolífera nacional contribuiu para agravar ainda mais a crise ambiental do país. E isto começou a acontecer antes que o governo dos EUA implementasse sanções em 2019 contra o regime e a empresa petrolífera estatal.
Relatórios indicam que a má administração e a falta de manutenção na refinaria de Paraguaná causaram sérios danos à flora e fauna marinhas no noroeste da Venezuela, afetando a pesca e a qualidade da água. No leste do país, o coque armazenado ao ar livre, um subproduto do petróleo pesado, polui o ar respirado pelas pessoas que vivem em áreas próximas às refinarias.
Na área de El Furrial, uma localidade do estado de Monagas que possui um dos campos petrolíferos com maiores reservas no país, enormes quantidades de gás metano são queimadas diariamente. Esta é uma consequência direta das expropriações decretadas pelo então presidente Hugo Chávez em 2009. Uma delas, Exterran, uma empresa responsável pelo processamento de gás e geração de eletricidade, foi assumida pela PDVSA. O gás é agora queimado, fazendo da Venezuela o quarto maior emissor de metano do mundo.
Não são apenas os hidrocarbonetos que alimentam o desastre ecológico da Venezuela. O passivo ambiental do chavismo está aumentando a cada dia. A mineração de ouro no Parque Nacional de Canaima – um Patrimônio Mundial – no sul do país está causando estragos. Em 23 de julho, a Unesco aprovou uma resolução solicitando ao governo que autorizasse uma comissão conjunta do Centro do Patrimônio Mundial da organização e da União Internacional para a Conservação da Natureza a visitar o país para verificar in situ o impacto da mineração de ouro na área.
Segundo a SOS Orinoco, a organização que fez um relatório sobre este parque para a World Heritage Watch 2021, até 2018 cerca de 1.000 hectares de seu ecossistema já haviam sido destruídos pela exploração artesanal e quase mecanizada, e o uso de mercúrio para extrair ouro. A mesma organização informa que dentro das fronteiras do parque nacional, mais de 7400 hectares foram negativamente impactados pela mineração ilegal de ouro.
O que está acontecendo no Arco Mineiro de Orinoco?
O que está acontecendo em Canaima faz parte das portas ecológicas, sociais, criminais e sanitárias do inferno que foram abertas com o Arco Mineiro do Orinoco (AMO) no sul do país, declarado pelo governo em 2016 como a Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional do Arco Mineiro do Orinoco. Um relatório recente da representação no Canadá do chamado governo interino de Juan Guaidó, aponta que o ecocídio provocado na AMO “tem um impacto em toda uma região da Venezuela chamada Guayana de 398.345 km2 que representa 43,47% do território venezuelano”. Ali, se manifestam todas as perversões de um estado quase fracassado, corroído pela corrupção e penetrado por gangues criminosas e pelos guerrilheiros colombianos do ELN e das FARC-dissidentes que extorquem e assassinam.
A tudo isso deve ser acrescentada a deterioração das capacidades de pesquisa no país como resultado do defundimento de universidades, institutos e centros científicos, dos ataques à liberdade acadêmica e da emigração de professores. Segundo Emilio Vilanova e outros estudiosos, o rico patrimônio biológico e ecológico da Venezuela está em perigo. Em um artigo publicado no Ecology & Evolution, um grupo de acadêmicos expressou preocupação com as dificuldades de acesso à terra e a continuidade de suas pesquisas. Pior ainda é o aumento do desmatamento, especialmente como resultado da mineração.
Dificuldades em quantificar os danos
O tamanho do dano ecológico na Venezuela não é fácil de quantificar. O governo não se faz responsável e nem a PDVSA ou seus parceiros. Alguns veículos de mídia estão tentando relatar a extensão do ecocídio, mas enfrentam muitas dificuldades em um país onde jornalistas são presos, os veículos de mídia são fechados, as estações de rádio e TV são confiscadas e os jornalistas são intimidados. Algumas ONGs como a SOS Orinoco ou o Grupo Orinoco fazem um trabalho quase heróico diante de uma comunidade internacional que muitas vezes é indiferente.
A fim de conhecer a extensão e as implicações deste dano, a pesquisa científica deve ser resgatada e isto deve ser uma prioridade para a cooperação internacional. Além disso, deve-se elevar o perfil público, nacional e global da causa ambiental na Venezuela, pois este ecocídio afeta não apenas as populações das regiões afetadas, que continuarão a migrar, mas também tem consequências para os países que compartilham fronteiras marítimas, terrestres e aéreas com a Venezuela.
Além disso, as empresas chinesas e russas parceiras da PDVSA herdam o passivo ambiental da empresa petroleira venezuelana. Isto os torna co-responsáveis e sujeitos às leis e tribunais de países como os Estados Unidos, Canadá e União Européia, que devem considerá-los responsáveis por seus erros ecológicos.
É claro que uma solução de médio e longo prazo depende de uma mudança política na Venezuela, que não parece estar em discussão na mesa de negociações no México. Resgatar a indústria petrolífera implicará não apenas em investimentos multimilionários, mas também em novas maneiras de conceber a exploração de petróleo e gás, a fim de reduzir o impacto ambiental. A mineração terá que ser reconsiderada e limitada, e uma política agrícola terá que evitar o desmatamento.
Mas não devemos nos iludir. Nada de bom para o meio ambiente pode ser esperado do regime chavista. Enquanto permanecer no poder, o ambiente da Venezuela continuará a declinar.
Isaac Nahón Serfaty é professor no Departamento de Comunicação da Universidade de Ottawa (Canadá) e consultor em comunicação sobre saúde, gestão de crises e riscos e responsabilidade social corporativa. PhD da Universidade de Montreal.