O que é desconcertante e angustiante é a escassa reação dos setores mais afetados pelo colapso em curso. Assistimos a manifestações, greves, até a alguns levantes de natureza insurrecional como o que está sacudindo o Equador nestes dias, mas a tendência principal é a inércia, a volta à normalidade que, no fundo, todos desejamos.
Raul Zibechi, La Jornada / IHU-Unisinos, 1 de julho de 2022. A tradução é do Cepat.
O fato de a humanidade começar a sofrer a confluência de crises e pandemias que configuram uma situação de caos ou colapso da vida no planeta, parece fora de questão. O fato de as classes dominantes jogarem seu próprio jogo para permanecer em seu lugar de privilégio e os políticos terem pouca intenção de se mexer, também parece evidente para grande parte da população.
O que é desconcertante e angustiante é a escassa reação dos setores mais afetados pelo colapso em curso. Assistimos a manifestações, greves, até a alguns levantes de natureza insurrecional como o que está sacudindo o Equador nestes dias, mas a tendência principal é a inércia, a volta à normalidade que, no fundo, todos desejamos.
As razões para a falta de respostas à altura dos desafios são muito diversas. Uma delas é que as antigas formas de ação coletiva, cunhadas sobretudo pelo movimento operário, já são insuficientes diante dos desafios que enfrentamos. Uma nova cultura política não pode nascer da noite para o dia, embora existam experiências territoriais que são extremamente auspiciosas.
Há alguns dias, o Laboratório Europeu de Antecipação Política, centro de pensamento francês dedicado a analisar e antecipar os desenvolvimentos econômicos globais de uma perspectiva europeia independente, alertou para algumas questões centrais no seu editorial do boletim de junho.
A primeira é que estamos caminhando para uma crise total de uma civilização de 500 anos, que nos levará em cheio para uma nova Idade Média global. Para além da referência mais que discutível a esse período supostamente sombrio da história, o grande problema é que a transição para uma nova organização sistêmica não foi preparada e, portanto, não se dará de forma controlada.
Em suma, os próximos anos podem ser dramáticos. O Laboratório estima que ainda este ano pode haver uma ruptura, dada a paralisia dos governos, a escassez, o empobrecimento generalizado sem precedentes, as fomes e as catástrofes naturais, que configuram um colapso alimentado pelo crescimento insustentável da desigualdade.
A segunda questão aponta para o tema central: crises potencialmente aterrorizantes e sem precedentes históricos se sucedem, sem chegar a ter um impacto irreversível em nosso cotidiano, o que reduz o medo delas e as pessoas acabam voltando ao curso normal das suas vidas.
Esta questão nos desafia plenamente como movimentos e pessoas anticapitalistas. O desastre a que assistimos nos encontra mal preparados para enfrentá-lo. Desvantagem que pode ser superada com organizações coletivas territoriais, capazes de garantir a sobrevivência e a vida em tempos de morte e destruição. A crise na Ucrânia nos ensina que apostar nos Estados, como faz a esquerda europeia, é um mau caminho. Se não estivermos preparados para essa situação, os danos podem ser enormes.
Como aponta o citado editorial, nem mesmo os grandes Estados do Norte estão conseguindo deter o colapso. Por isso, o sistema aposta na repressão e na militarização. A irresistível tentação de estreitar seu controle sobre as massas é agora a única maneira de manter o que resta de seu sistema, estima o Laboratório. Controle facilitado pelas novas tecnologias que oferecem aos que estão no comando uma amplitude de poder sem precedentes.
Os que estão no topo têm uma estratégia amplamente testada em outras transições: o militarismo e a guerra para redesenhar o mundo que está entrando em colapso. É opção dos Estados Unidos e da União Europeia, mas também da Rússia e da China, e de qualquer outra grande potência, independentemente do discurso que fazem.
Há quem diga que a China não age dessa maneira, mas não quer lembrar como Pequim aniquilou os protestos populares em Hong Kong, recorrendo à violência policial e à brutalidade armada, como qualquer outro país que luta pela hegemonia.
Décadas de democracia e progresso anestesiaram grande parte da população que continua acreditando que o Estado ou os dirigentes políticos vão nos salvar, ou que o dinheiro será de alguma utilidade nos momentos extremos do colapso. O individualismo nos condena.
Há sete anos, os zapatistas alertaram para a iminência de uma tempestade sistêmica, mas poucos entenderam a urgência do chamado à organização. Os poderes de cima lançam manadas armadas contra as comunidades mais bem organizadas, que a mídia chama de narcos para disfarçar que são a ponta de lança do capitalismo.
O mundo que conhecíamos desapareceu; o capitalismo entrará em colapso da mesma forma que nasceu: escorrendo sangue e lama por todos os poros (Marx). Resta-nos apenas criar formas coletivas de poder, poderes vindos de baixo, para sobreviver como povos ao colapso e ao caos.