A guerra da informação é parte central da guerra perpétua da superpotência para sobreviver em meio à desordem. É evidente que aqui não há ética, mas poder e violência, sem mais, para a sobrevivência do mais forte, sem a menor concessão a qualquer tipo de humanismo.
Raúl Zibechi, La Jornada, 10 de setembro de 2021. A tradução é do Cepat.
A informação é ao mesmo tempo nosso produto básico e o fator mais desestabilizador de nosso tempo”, escreve o tenente-coronel aposentado Ralph Peters, em um artigo intitulado Constant Conflict, publicado em 1997 na revista militar Parameters, porta-voz da política do Pentágono.
Nunca pensei que a informação fosse capaz de moldar sociedades, setores e classes, talvez por uma deformação iluminista que me levou a confiar na autonomia de juízo dos seres humanos. Nada mais distante da realidade, como nos ensina o panorama de submissão de uma parte da humanidade ao poder dos poderosos.
Peters raciocina como a minoria privilegiada que se sente vencedora. Para as massas do mundo, devastadas por informação que não podem gestar ou interpretar com eficiência, a vida é desagradável, brutal e em curto-circuito. Sustenta que o ritmo de mudança é capaz de assolar, ou seja, de paralisar a capacidade de pensar.
Menciona que uma das bifurcações decisórias do futuro será o conflito entre os mestres da informação e as vítimas da informação. Escreve pouco depois que os Estados Unidos liberaram a Internet, que rapidamente se tornou um meio hegemônico para as comunicações, em um volume de informação impossível de digerir
“A imagem triunfa sobre o texto na psique das massas”, afirma Peters, explicando o poder da cultura popular estadunidense. “Se a religião é o ópio do povo, o vídeo é seu crack”, sentencia, parafraseando Karl Marx.
O militar compreende as profundas razões do sucesso da cultura ianque, sem concessões à ética, nem ao bom gosto. Os filmes mais desprezados pela elite intelectual, os que apresentam violência extrema e sexo para os vencedores, são nossa arma cultural mais popular, comprada ou pirateada em quase todas as partes.
Esse poder reside no fato de que narrativas visuais, como as praticadas por Chuck Norris, não requerem diálogo para a sua compreensão, já que se assentam em impulsos básicos como motor de uma cultura que ele define como “vulgar” e, ao mesmo tempo, “maravilhosa”.
A “guerra da informação” é parte central da guerra perpétua da superpotência para sobreviver em meio à desordem. É evidente que aqui não há ética, mas poder e violência, sem mais, para a sobrevivência do mais forte, sem a menor concessão a qualquer tipo de humanismo. “Só os tolos jogarão limpo”, sentencia o militar.
Penso que é necessário compreender para agir acertadamente. Sem julgar, sobretudo porque certa intelectualidade abusa de conceitos como fascismo ou democracia, que bloqueiam a compreensão ao abusar de adjetivos. O mundo está sendo moldado pela violência bruta dos de cima, que não é irracional, e diante disso só nos restam a organização e a ação coletiva.
A respeito da guerra de informação e a concentração monopolista dos grandes meios de comunicação, é preciso pararmos para debater. Foram assumidos vários caminhos. A esquerda e o progressismo no governo tentaram regulamentar os monopólios da informação, com pouco sucesso. A União Europeia vem perdendo em sua tentativa de regulamentar minimamente megaempresas como Google e Amazon. É quase impossível, dado o enorme poder que ostentam.
A segunda opção é fortalecer a comunicação comunitária, alternativa ou popular. Existe uma enorme variedade de meios de comunicação desse tipo, em todos os países do mundo. Em alguns, como na Argentina, conseguem uma audiência importante, que pode alcançar 15% da população, o que de forma alguma é pouco.
No entanto, ainda estamos longe de emitir mensagens potentes como faz a indústria audiovisual estadunidense, capazes de fisgar corações e mentes das populações. Um dos casos de maior sucesso é a série colombiana Matarife que denuncia a aliança entre o ex-presidente Álvaro Uribe e os narcoparamilitares que o conduziram ao governo.
Daniel Mendoza Leal, autor da série, a define como subversão criativa, de seu exílio na Espanha por ameaças da ultradireita. Seu objetivo é chegar aos jovens dos setores populares, que não têm acesso a plataformas como Netflix e Amazon, por isso a série é propagada nas redes sociais.
A terceira é que não seremos capazes de criar imaginários potentes, se não fizermos parte de realidades em resistência. Matarife se retroalimenta com a luta social: mostrou a brutalidade das máfias estatais, sendo um fator importante no protesto em curso porque iluminou zonas da política quase inacessíveis.
Finalmente, dizer que “a mente pensa com ideias, não com informação”, como destaca Fritjof Capra, com base nos trabalhos de Theodore Roszak. Na informação não existem ideias. “As ideias são padrões integradores que não derivam da informação, mas da experiência” (Fritjof Capra, A teia da vida).
Temos muito trabalho pela frente.