A sociedade brasileira, no dia 19 de novembro de 2020, acompanhou estarrecida mais um ato brutal de violência racial com o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro, nas dependências de uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS). Uma rede reincidente em casos de violência racial – e este é “apenas” um caso em sua lista de crimes raciais no Brasil. Lembrando que essa rede de supermercados é mais uma na extensa relação de estabelecimentos comerciais responsáveis, cotidianamente, por crimes contra a população negra: Extra, Pão de Açúcar, Assaí entre outros.
O racismo estrutural impõe diariamente aos milhões de negros e negras deste país a humilhação, constrangimento, tortura e assassinato, eliminação simplesmente ao ir fazer sua feira, suas compras. Repetir aqui os números que comprovam esse racismo institucional nos parece redundante. O Estado brasileiro tem esses dados, aliás, são produzidos pelos próprios institutos oficiais, e revelam a dura realidade de um racismo continuado que desumaniza, oprime, maltrata e mata o povo negro.
Diante de mais um ato de extrema violência racial, no combate inegociável ao racismo, tarefa que enfrentamos há cinco séculos neste país, o conjunto do movimento negro, articulado com outras organizações sociais e antirracistas, realizou protestos em todo o país denunciando, chamando boicote ao Carrefour e exigindo a responsabilização penal, civil e econômica a essa rede criminosa. Esse conjunto de ações resultou, de forma mais imediata, em uma queda em torno de 6% nas ações da empresa no dia 23/11/20 que significou uma perda de 2 bilhões de reais no valor da empresa. A repercussão na mídia convencional, nas plataformas, somada às manifestações fez um pequeno arranhão na gigante desse setor que, risonhamente, em horário nobre, anunciou “investimentos” na ordem de 25 milhões de reais em protocolos antirracistas.
Somos herdeiros de Zumbi e Dandara e, inspirados na luta por liberdade que travaram, seguimos em marcha por equidade e contra o racismo. Exigimos punição. Exigimos Reparação! A Reparação que demandamos é do Estado Nacional, é do Estado brasileiro! A Reparação que exigimos é que parem o genocídio contra o povo negro. A violência de seguranças militares ou civis é resultado, espelho, modelo da abordagem policial a que a população negra está submetida institucionalmente. Portanto, qualquer mudança de procedimento passa pelo debate do aparelho de segurança pública Brasileiro e, ao se frear a violência do Estado será freada a violência de empresas privadas, desde que haja dispositivo legal específico destinado às mesmas.
A reparação que propomos é de metas para enfrentamento das desigualdades raciais que violam todos os direitos do povo negro, com as maiores taxas de desemprego, pobreza e absoluta carência de infraestrutura básica, além de assassinatos. Requeremos uma política do Estado Nacional para enfrentar o desemprego entre nosso povo, com imediata implementação de renda básica, como recomendam organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Requisitamos políticas na área da saúde, infraestrutura digital e acompanhamento para diminuir a evasão escolar entre nossas crianças e jovens no ensino básico, expulsas cotidianamente das escolas por vários mecanismos, e a ampliação do acesso ao ensino superior (PL 4.656/2020) com cotas, de forma geral, para todas as redes de ensino superior. Requeremos que se assegure o direito à propriedade das terras a todos os territórios quilombolas e condições para o desenvolvimento socioambiental, econômico e cultural.
Reafirmamos que, ao longo dos anos de luta, o MNU tem se empenhado, junto com entidades do Movimento Negro, no combate ao racismo apresentando ao Estado Brasileiro propostas para resolver o problema do país. Para enfrentar o racismo que se realimenta de tempos em tempos, especialmente neste momento de forte avanço da violência racial, demandamos a urgente aprovação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Essa proposta foi formulada pelo MNU e apresentada pelo deputado Luiz Alberto em 1998 e, agora, tramita no Congresso como PEC 33/2016 do senador Paulo Paim e prevê que o Fundo receba recursos de diversas fontes, inclusive multas de crimes cometidos por empresas como Carrefour, Extra, Assaí, entre outras.
Outra reivindicação é a aprovação do projeto de lei que determina a responsabilidade civil e criminal das empresas por crime de racismo – essa proposta que altera a Lei de Racismo foi apresentada pelo MNU, por meio do mandato do deputado Luiz Alberto em 1997 e 2001, e está novamente na pauta de votação da Câmara Federal, PL 5232/2020, da deputada Fernanda Melchionna/RS. Reforçamos a denúncia de que, apesar da legislação determinar a punição, deliberadamente, desde a sua aprovação, a Lei 7.716/99 que tipifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível tem sido desqualificada pelas instituições brasileiras. A negação dessa lei reforça a ação dos racistas, mantendo a impunidade e, de forma cabal, naturalizando a morte de homens negros e mulheres negras. Para nós é uma questão de segurança pública a aplicação correta da Lei do Racismo, para isso defendemos a instalação de Delegacias especializadas em crimes raciais.
O Carrefour foi líder em faturamento no Brasil em setembro de 2020 perfazendo 62,2 bilhões de reais de lucro; essa multinacional está encadeada à cadeia produtiva global integrando vários setores da indústria alimentícia, agronegócio, logística empresarial e prestação de serviços terceirizados. No âmbito de sua administração existem grupos de interesses que interagem no mercado de valores com grande poder econômico e jurídico para garantia do lucro de seus acionistas – que concentram renda mundial – através de empresas de investimentos, especuladores e lobistas que interferem nos parlamentos, governos e agências reguladoras em vários países.
No Brasil, o Movimento Negro Unificado está dialogando com várias organizações sobre a necessidade de um “Alerta à Responsabilidade Coletiva da Luta Histórica do Movimento Negro Brasileiro” campo político que articula há décadas a construção de Políticas de Estado aquém de qualquer iniciativa corporativa de negociações aleatórias com o Carrefour para a implementação de medidas compensatórias paliativas que, equivocadamente, facilitem a defesa da multinacional a partir de suas próprias estratégias de desvencilhar-se do crime de racismo. No exterior, trabalhamos com pessoas e instituições no sentido de consolidarmos redes de combate ao racismo estrutural global, assegurando que o Carrefour seja exposto e pague pelo crime praticado, também, no que concerne às medidas internacionais.
Nós, negros e negras, somos 56% da população do Brasil e exigimos a aplicabilidade dos direitos individuais e coletivos à luz da Constituição Brasileira de 1988. Apoiamos a Comissão Externa de Parlamentares do Congresso Nacional que está realizando audiências públicas com governos, movimentos sociais e instituições públicas em defesa da justiça social para construírem medidas e legislações cabíveis ao assassinado ocorrido no Carrefour de Porto Alegre, bem como aos vários casos de trabalho escravo e discriminação racial antecedentes em outras sedes do Hipermercado. No âmbito dessas ações é fundamental a implementação de ampla investigação sobre a instalação do Carrefour no Brasil além, da reivindicação de medidas antidiscriminatórias, como indenização cabível e investimento orçamentário em cotas e ações afirmativas compatível com o montante de seus lucros, isenções fiscais e benefícios públicos concedidos à instalação dessa empresa multinacional em nosso país – segunda nação do mundo em população negra com 115 milhões de pessoas; exigir do Carrefour a adoção de uma política de ações afirmativas na contratação e formação de pessoas negras, possibilitando a ascensão profissional e ocupação de cargos de chefia e a criação um programa de enfrentamento ao racismo e assédio contra trabalhadores e trabalhadoras da rede; bem como busca medidas para que a União e os Estados implementem instrumentos efetivos de controle sobre a formação e atuação das empresas privadas de segurança, na sua maioria de propriedade de ex-policiais e que usam "ilegalmente" um grande número de policiais da ativa como seguranças.
Em defesa da vida do povo negro, declaramos à Nação que somos contra o PACOTÃO DO CARREFOUR. O MNU defende uma agenda conjunta de mobilização nacional e internacional articulada, concomitantemente, entre os vários setores do movimento negro brasileiro que fortaleça a luta global contra o racismo. Chamamos o Movimento Negro para formamos uma ampla frente para propor uma série de medidas ao Estado brasileiro para o fortalecimento do marco legal das leis antirracismo e garantia de direitos. Conclamamos todas as instituições, cidadãs e cidadãos a se somarem a nós nesta luta contra o racismo.
Brasil, dezembro de 2020
Movimento Negro Unificado
Racismo é Crime!
Reaja à Violência Racial!
Contra o genocídio do povo negro
Racistas não passarão!
Justiça por João Alberto!
Fora Bolsonaro!