As nações mais ricas já conseguiram assegurar três bilhões de vacinas, o suficiente para toda a população com duas doses. O excedente seria suficiente para “vacinar a totalidade da população adulta de África”.
Público, 19 de fevereiro de 2021
Os países ricos vão ter mais de mil milhões de doses de vacinas contra a covid-19 do que aquelas que vão precisar para a sua população, deixando as nações mais pobres a lutar por restos. É o retrato traçado num relatório de ativistas antipobreza publicado esta sexta-feira.
Numa análise aos atuais acordos de fornecimento de vacinas anticovid-19, a ONE Campaign sublinha que os países ricos, tais como os Estados Unidos e o Reino Unido, deveriam partilhar as doses que compraram a mais para apoiar uma resposta global à pandemia.
“Estas doses em excesso são suficientes para vacinar a totalidade da população adulta de África”, lê-se na análise.
A organização não-governamental, que luta contra a pobreza e doenças evitáveis, diz que, se isso não acontecer, vai negar-se a proteção essencial contra o SARS-CoV-2 (que causa a doença covid-19) a milhares de milhões de pessoas, algo que tem o potencial de prolongar a pandemia.
O relatório analisou os contratos já assinados com as cinco principais farmacêuticas detrás das vacinas contra a covid-19: Pfizer/BioNTech, Moderna, Universidade de Oxford/AstraZeneca, Johnson & Johnson e Novavax. E concluiu que, até à data, os EUA, a União Europeia (que inclui os 27 Estados-membros), o Reino Unido, a Austrália, o Canadá e o Japão já asseguraram mais de 3 mil milhões de doses — mais mil milhões de vacinas do que aquelas que precisavam para vacinar as suas populações com as duas doses necessárias.
Acumular aumenta risco de novas variantes
“Este excedente enorme é a personificação do nacionalismo das vacinas”, disse Jenny Ottenhoff, directora da One Campaign para políticas públicas. Afirma, ainda que é “necessário que se corrija o rumo” da vacinação se quisermos “proteger milhares de milhões de pessoas em todo o mundo”.
“Os líderes das nações ricas não estão a fazer nenhum favor aos seus próprios cidadãos nem ao resto do mundo se acumularem vacinas. Se o vírus puder prosperar em qualquer parte do mundo, o risco de novas variantes aumenta, e é apenas uma questão de tempo até que surjam estirpes que minem as vacinas e ferramentas que foram desenvolvidas para combater a covid-19”, continua.
A análise concluiu que, juntamente com as entregas das vacinas adquiridas através do plano global Covax e outros acordos bilaterais, as doses que os países ricos compraram em excesso contribuiriam em muito para proteger as pessoas mais vulneráveis nos países mais pobres.
Isto reduziria significativamente o risco de mortes causadas pela covid-19 e limitaria as hipóteses de surgimento de novas variantes de vírus, acelerando o fim da pandemia.
A Organização Mundial de Saúde instou na quinta-feira as nações que já compraram vacinas a doarem-nas ao Covax (em vez de as doarem a nações específicas, de forma unilateral) para assegurar a equidade.