Diego Brito e Breno Rainan*
Em 2 de Julho de 1823, após mais de um ano de disputas e de um intenso processo, o Brasil enfim se tornava liberto do domínio português. Nesse dia tivemos como marco a Independência da Bahia. A luta pela real independência do nosso país perdurou mesmo após o famoso Grito do Ipiranga, dado pelo então príncipe regente português, D. Pedro, tendo ainda muito sangue sido derramado na Bahia, onde os portugueses continuavam a subjugar o povo baiano sob as ordens do Reino de Portugal.
Essa luta pela independência do povo baiano envolveu um contexto com inúmeros elementos, intensificada pela exploração de diferentes formas por parte dos membros da corte portuguesa, despertando um sentimento emancipatório do povo e impulsionando a luta contra o colonialismo, algo que teve impacto de caráter nacional. Uma batalha desigual, opôs nas águas da Baía de Todos os Santos uma esquadra de guerra a pescadores e seus barcos. Nas matas do recôncavo baiano, soldados foram derrotados pelo povo pobre, negros libertos, escravizados, índios e agricultores. Os caboclos e caboclas que até hoje são referência de luta e justiça. Na Bahia, terra invadida pelos portugueses e suas caravelas, o povo expulsava seu exército de nossas terras. Povo de luta, referendados na figura, entre outras, de Maria Quitéria, que se alistou no exército, disfarçada de homem, para contribuir com a luta pela independência.
A resistência e luta do povo baiano no processo de conquista pela independência da Bahia nos remete a fazer um resgate histórico desse legado com importância nacional e com grande relevância no estado baiano. Na Bahia, nosso povo, a partir da organização e inúmeros enfrentamentos, acaba quebrando a ideia pacífica e romantizada do que foi a Independência do Brasil, uma ideia que surge de um simbólico “grito” e que supostamente foi conquistado com paz entre os grupos sociais existentes no período. Historicamente, o 2 de julho tem sido uma data que além de relembrar os feitos dos e das lutadores e lutadoras do nosso Estado, nos leva à reflexão sobre a necessidade da luta pela justiça social e contra as diversas formas que continuam a oprimir nosso povo. Anualmente, no cortejo do 2 de julho levamos às ruas da capital baiana nossa indignação diária a este sistema onde mudam apenas os senhores, mas se perpetuam os ranços e grilhões que impedem nossa liberdade.
O 2 de julho para nós congrega de fato duas vertentes, onde no cortejo temos uma presença popular muito forte que remete à afirmação da identidade baiana desde a sua origem, e por outro lado na própria constituição da Independência da Bahia. Além disso, todo o processo representado através do cortejo está intimamente vinculado a um projeto de uma formação da memória nacional, de uma nação que começava a surgir nesse momento se libertando de Portugal. No cerne desta luta, há de se destacar as diferentes matrizes que formam nosso povo, e a unidade conformada entre elas. Negros e indígenas, tão castigados ao longo da nossa história, são as figuras centrais na Independência do Brasil e assim como hoje seguem sendo resistência. Como diz o samba-enredo campeão da Estação Primeira de Mangueira em 2019, “Salve os caboclos de Julho!”
Neste contexto, é imprescindível ressaltar nesta data a relevância que a mesma possui para a identidade nacional, especialmente diante do esquecimento que se tem acerca de como de fato se dá a Independência do Brasil. Os diversos interesses, políticos e econômicos, que naquela altura da história transitavam para o sul do país e não mais no nordeste, uma mudança da elite econômica e política também para o sul do Brasil, dentre outras questões, vão moldando as memórias nacionais a partir da centralidade que naquele momento o sudeste assume e que também o império nascente acaba assumindo. Desta forma, fazer esse resgate histórico do 2 de julho é afirmar a nossa identidade nacional a partir do que foi esse legado de luta, relembrando essa data tão importante para o Brasil e em especial para Bahia. Lembrar também do legado dos nossos e das nossas, em especial Maria Quitéria, Joana Angélica, Maria Felipa e tantos outros e tantas outras que estiveram diretamente nessa luta anticolonial.
Em tempos como estes, em que precisamos defender o óbvio. Tempos onde discursos de ódio inundam nossa sociedade, onde a tirania busca a todo momento se colocar como alternativa e cada vez mais ganha adeptos, precisamos ainda mais relembrar os guerreiros e guerreiras da Independência da Bahia. Dentre as batalhas travadas na ânsia de liberdade do nosso povo, destacamos a Batalha de Pirajá. Conta a história que naquela batalha, o exército português vencia as já combalidas tropas brasileiras, quando a figura histórica do Corneteiro Lopes recebeu a ordem para tocar a retirada. Após receber a ordem, erroneamente, o corneteiro tocou o pedido de avançar cavalaria, dando o ímpeto que faltava aos brasileiros e amedrontando os portugueses, saindo em debandada.
Que possamos carregar conosco o sentimento de avançar, afinal os cães ladram, mas a caravana passa. São tempos difíceis, mas tempos de resistência. Que levemos conosco a certeza de que só a luta cotidiana nos trará dias melhores e, sobretudo, a letra do hino que tanto orgulha o povo baiano, “nunca mais o despotismo regerá nossas ações, com tiranos não combinam brasileiros corações”.
*Diego Brito é professor, engenheiro de produção e secretário de formação política do PSOL-Itabuna; Breno Rainan é estudante, educador popular e secretário geral do PSOL-Juazeiro.
Ambos constroem a Insurgência na Bahia.
Foto: Uendel Galter / AG. A Tarde