Ricardo Pereira, Secretário de Saúde do Sepe/RJ
Em função das últimas declarações de representantes de diferentes esferas de governo, fazer greve para salvar nossas vidas é a nossa grande tarefa hoje. Em plena curva ascendente de contaminações e óbitos pelo novo coronavirus no país, os governos insistem na reabertura gradual dos estabelecimentos, incluindo escolas, apelidando tragicamente tal política como “novo normal”. Em outros países a ajuda econômica vem dos próprios governos, como no Uruguai, que resolveu taxar as grandes fortunas para auxílio dos mais necessitados.
No Brasil, que deve bater um triste recorde e possivelmente será o campeão mundial de mortes e de contaminação pelo novo coronavirus, no momento de maior pico da pandemia, ao invés de organizar o lockdown para achatamento da curva, a proposta dos governos, pressionados pela burguesia nacional, é a reabertura da economia, expondo trabalhadoras e trabalhadores a risco real de vida. Essa mesma burguesia que, diferente dos trabalhadores, tem recebido vultosos auxílios financeiros do governo federal, como é o caso dos bancos, da grande indústria e do Agronegócio (único setor da economia que teve efetivo crescimento.
Os profissionais da Educação serão os principais atingidos em uma perigosa roleta russa, um ciclo vicioso onde empresários pressionam governos para que trabalhadores de vários setores voltem às suas atividades normais. Esses trabalhadores precisarão inevitavelmente de creches e escolas para que possam trabalhar.
Parâmetros e códigos de condutas para retorno já começam a ser delineadas por governos e empresariado. Mas o principal critério não está sendo levado em consideração: as garantias sanitárias, garantias de saúde pública, de número de leitos em hospitais, de respiradores. Qualquer debate sobre retorno precisa estar condicionado a um real achatamento da curva, à redução drástica nos casos de contaminação e morte.
Aqui já temos um primeiro problema: como confiar no ministério da Saúde que tem um militar alinhado com o negacionismo do governo federal à frente da pasta? Como confiar em secretarias estaduais e municipais de saúde se, além da subnotificação, há casos, como no Rio de Janeiro, de tentativa de omissão dos casos de morte? Em documento da Fiocruz de 06/05/2020 é apontada a vulnerabilidade principalmente nas comunidades mais carentes e a recomendação nesse momento é de lookdown é de fechamento rigoroso para evitar um verdadeiro genocídio.
O retorno às atividades nos países acometidos pela pandemia aponta para situações alarmantes. A França teve que dar um passo atrás no retorno das crianças à escola. Houve aumento da contaminação pelo novo coronavírus na população, além do surgimento de novas doenças, como a síndrome de Kawasaki, que é o aparecimento de doenças autoimunes em crianças após o “gatilho” operado pelo novo coronavírus.
Ainda pautando o exemplo de outros países, é preciso levar em conta medidas de redução de turmas, construção de novos ambientes readaptados, controle sanitário na entrada, distribuição de álcool gel, medição de temperatura, kits de exames de detecção do novo coronavírus, salas para isolamento de possíveis casos, atendimento sócio-psicológico para famílias de profissionais da educação e estudantes e, principalmente, respeito às famílias que não se sentirem à vontade para enviar seus filhos para a escola e aos profissionais de educação, principalmente aqueles do grupo de risco. Aqui cabe a pergunta: será que teríamos as mesmas condições nas escolas públicas brasileiras?
Documento da fundação Getúlio Vargas de 26/04/2020 aponta para o não retorno das atividades nas creches por maior contato com maior número de profissionais. Todas as vezes em que vemos as matérias jornalísticas ou pronunciamentos oficiais sobre volta às escolas fala-se da preocupação com o corpo discente, mas se desconsidera o principal fator, o fator humano. Nas escolas, os funcionários e professores, em sua maioria, possuem idade avançada e comorbidades causadas pela própria falta de condições de trabalho e pela redução das equipes em seus postos de trabalho. Nesse setor da educação a solução dos governos é sempre a terceirização e a precarização. Não à toa esses profissionais foram os primeiros a serem atingidos na pandemia, não pelo vírus mas por uma política cruel do Estado de redução salarial e em muitos casos, demissões.
O Secretário de educação do Rio de Janeiro fez uma reunião a portas fechadas com a FINEP, órgão patronal da Educação, para debater um possível retorno sem a presença dos sindicatos ou associações dos trabalhadores em educação. Não sabemos o que foi debatido, mas é do nosso interesse saber o quanto antes. De qualquer modo, o documento publicado pela mesma federação aponta critérios para um possível retorno, critérios esses impossíveis de serem realizados nas escolas públicas do Brasil, onde estudantes levariam de casa as máscaras inclusive máscaras extras toalhas e um par de calçados extra, em uma realidade que o nossos alunos não tem nem o que comer. Contudo, já era de se esperar uma ideia tão absurda, vindo de um secretário que questionou a ação de distribuição de cestas básicas para os estudantes da rede pública.
Portanto qualquer possibilidade de retorno coloca em risco toda a comunidade escolar e é um verdadeiro crime contra a defesa das vidas das nossas crianças, de suas famílias e dos nossos profissionais educação.
A greve é a única medida possível para salvar vidas. Agora é greve pela vida!