Simone Nascimento* em Alma Preta. 27 de maio de 2022.
As instituições brasileiras estão executando com rigor o projeto; Genivaldo morreu numa câmara de gás, no estilo hitlerista, mas a verdade é que, no Brasil, todo camburão descende de um navio negreiro
O Estado brasileiro precisa ser imediatamente responsabilizado pelo genocídio que pratica contra população negra. Os governos e governantes têm ordenado que as forças policiais executem a população no Brasil. Nesta semana, uma viatura da Polícia Rodoviária Federal foi transformada numa câmara de gás para sufocar um homem negro. Genivaldo de Jesus Santos, neurodivergente, viveu seus últimos minutos de vida com os pés segurados por agentes do Estado, preso, onde inalou gás lacrimogêneo e morreu por asfixia mecânica, com comprovação em laudo do IML.
Assistimos, em vídeo gravado por populares que poderiam ter tido o mesmo fim, uma cena macrabra de tortura e assassinato, típica dos DOI-CODI que o Presidente da República reivindica e sempre estimulou em sua carreira parlamentar. No registro, dois agentes do Estado não se intimidaram em tornar público suas técnicas diante de muitas pessoas. O trabalho autorizado pelas instituições brasileiras foi comprovado, por meio da nota da PRF, que alega que os policiais envolvidos “utilizaram de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” na BR-101, em Umbaúba-SE, quando trancaram um homem neuroatípico de 38 anos num porta malas cheio de gás.
A reação, diante de cenas bárbaras como essa, é uma rápida assimilação ao fascismo, um movimento político que surgiu na Itália sob a liderança de Benito Mussolini e seguiu para Europa, com o nazismo de Hitler. Esses regimes mataram centenas de milhares de seres humanos, baseado no racismo "científico" que tem por ideologia a eliminação das diferenças étnicas. Genivaldo morreu numa câmara de gás, no estilo hitlerista. Mas a verdade é que, no Brasil, todo camburão descende de um navio negreiro.
Sua morte ocorreu em maio, mês da abolição inconclusa, que faz referência ao período da escravidão negra, que durou mais de três séculos e também torturou, matou e desumanizou, deixando como principal legado o Racismo. Inconclusa porque persistem no país a discriminação e desigualdade racial, sem nenhum tipo de reparação histórica ao povo negro. A morte de Genivaldo também ocorreu no mês da luta antimanicomial, que combate a tortura imposta aos neurodivergentes. E se a Itália viveu o fascismo, a Alemanha o nazismo. No Brasil, vivemos o Racismo há 520 anos. Tortura e morte não fazem parte apenas dos regismos nazistas e fascistas, mas da história branca e capitalista de dominação.
Certamente muitas pessoas acham exagero essa comparação. Mas eu ouso repetir que são séculos e séculos de tortura, morte e um plano de Estado que busca a eliminação do povo negro e indígena no Brasil. Um plano que tem a segurança pública como pilar de concretização.
Tal projeto atravessa inclusive as nossas fronteiras e nos conecta a todas e todos de pele não branca no mundo. Desgraçadamente, Genivaldo morreu no dia exato quando há dois anos vimos a morte George Floyd, afro-americano assassinado em Minneapolis, sufocado pela polícia. Separados por frações do tempo e território, esses dois homens são pele alvo do genocídio em curso no mundo e, infelizmente, a comunidade negra tem histórias para lembrar para cada mês do ano, sempre dos nossos mortos.
Da mesma forma, Genivaldo também morreu dois anos após uma bala rasgar o pequeno corpo de João Pedro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, estado onde a mesma PRF, junto com o BOPE, nos fez contar mais corpos essa semana, que já chegam a 25, após uma chacina na Vila Cruzeiro. O Estado genocida mata crianças, adultos e idosos.
Essa mesma eugenia racista que matou Genivaldo também segue em curso em São Paulo. A operação Caronte, na Cracolândia, move usuários de drogas, com repressão, pelas ruas da capital, prendendo ou internando compulsoriamente.
É verdade, é crescente a escalada de ódio com o atual governo, seja nacional ou estaduais, mas as polícias têm cumprido seu verdadeiro papel no genocídio nos últimos séculos, desde o Brasil colônia, em que ao passo que as cidades se tornavam “incontroláveis”, com a presença da população negra nos centros urbanos e no campo, foi imposto o controle e sufocamento da liberdade de corpos específicos, para avançar com repressão e morte.
Não há lugar para fugirmos, e longe de serem histórias coincidentes, convivemos assim com a insegurança de que nós ou os nossos sejamos os próximos.
No Brasil, fascismo é racismo e entender as causas dessas mortes é parte do caminho para construirmos saídas. Precisamos seguir mobilizados, organizando a luta em nossos territórios e nas ruas, contra o racismo e pelo bem viver. Precisamos cobrar Justiça por Genivaldo e os 25 que perdemos no Rio de Janeiro.
Em maio, duas importantes iniciativas de resistência negra aconteceram. Recentemente, o Movimento Negro Unificado (MNU) organizou seu 19º Congresso Nacional e tirou como um dos nossos objetivos a derrota do governo Bolsonaro em 2022. Isso porque sua presidência e gerência do país cria um ambiente ainda mais favorável para o Racismo e as violações de direitos humanos.
O MNU é uma importante entidade para aqueles e aquelas que tem como objetivo se organizar em coletivo para reagir a violência racial e construir avanços para derrotar o Estado Racista. Uma organização para aqueles que querem derrotar Bolsonaro, mas não só, para aqueles e aquelas que querem construir um Brasil sem Racismo. Dar fim a esse projeto de poder bolsonarista que intensifica nossa morte é um passo importante para seguir o avanço do projeto político do povo negro para o Brasil, que deve ter em suas bases a desmilitarização das polícias e a construção de um modelo de segurança pública coletivo, que preze o bem estar comunitário do povo brasileiro.
Além das mobilizações permanentes, o movimento social negro também tem atuado na esfera jurídica e institucional para culpabilizar o Estado brasileiro de genocídio. Recentemente, junto a Coalizão Negra Por Direitos, protocolamos a ADPF Pelas Vidas Negras, denunciando o genocídio à população negra brasileira no Superior Tribunal Federal.
Agora é hora de tomarmos as ruas por Justiça por Genivaldo e exigir um projeto de futuro onde vidas negras importem e possam florescer em suas máximas potencialidades e dignidades.
Desde a travessia, de muitos antes do Atlântico, nossos ancestrais nos ensinaram a confrontar o racismo e o colonialismo e mais uma vez aqui estamos até derrotá-lo.
* Simone Nascimento é militante da Insurgência e do Movimento Negro Unificado.