“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente” ( MARX, Karl)
O Supremo Tribunal Federal iniciou hoje o julgamento da ADO 26 sobre a criminalização da LGBTIfobia. Queríamos estar discutindo junto com a sociedade brasileira as melhores maneiras de combater a LGBTIfobia, por meio da educação para a diversidade e da formulação de políticas públicas inclusivas. Infelizmente, no Brasil que elegeu Bolsonaro, não é esse o debate que está colocado para a opinião pública. O que será julgado pelo STF, como continuidade do debate eleitoral, é se as vidas de LGBTIs importam ou não. E quanto a essa questão, não podemos titubear em dizer que sim, nossas vidas importam.
A redução do debate sobre a criminalização em termos de “sim ou não”, nesta conjuntura especificamente, não nos cabe. O lesbocídio teve um aumento de 237% em 03 anos. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans do mundo. As denúncias de LGBTIfobia vem aumentando exponencialmente. É preciso compreender que estamos falando sobre parar de reivindicar nossas mortes. É preciso considerar a imensa fragilidade e a permissão social para a violência contra LGBTIs. Qualquer redução deste debate a um binário purista será insuficiente para esta conjuntura e tempo histórico e, inevitavelmente, insuficiente no diálogo com os muitos movimentos sociais e suas trajetórias, envolvidas.
A posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, apresentando um discurso nitidamente militarista, machista, LGBTIfóbico, racista e de criminalização dos movimentos sociais. A agenda bolsonarista expressa perseguição nominal ao PSOL e a quadros do partido como Jean Wyllys, recentemente forçado ao exílio para defender a própria vida. Os recentes acontecimentos apontam para o risco do aprofundamento da violência contra LGBTs, e, sobretudo, para a exposição definitiva deste conjunto de vidas à morte e à vulnerabilidade extremas.
Os ataques à população LGBTI passam pelo apagamento social, demonstrações de ódio e retirada de qualquer política pública e segurança social da comunidade, efetivadas especialmente nos âmbitos dos Ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos, Educação e Relações Exteriores. As LGBTIs não são representadas pelo governo eleito, nem por um STF que se guia pelos ventos da conjuntura, já ameaçado pelo exército às vésperas da condenação de Lula e reiteradamente ameaçado de fechamento pela família Bolsonaro.
As vidas dos sujeitos LGBT tem, neste período, sua precariedade acentuada. Se antes, a violência simbólica e letal era uma realidade cotidiana, hoje, ela é reiteradamente promovida e permitida no âmbito do Governo Bolsonaro. Houve um acirramento do autorização social para a violência. A LGBTfobia corre o risco de ser reconduzida ao lugar de brincadeira ou opinião, uma vez que os corpos e vidas desses sujeitos não são reconhecidos como merecedores de dignidade. Não devemos confundir o direito a liberdade de expressão e livre manifestação com a fomentação do discurso ao ódio. Ridicularizar, xingar e humilhar, não é brincadeira, não é opinião.
O que é a ADO 26 e o MI 4733?
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, impetrada pelo PPS – Partido Popular e Socialista, intima o Congresso Nacional a retirar a criminalização da LGBTfobia do limbo deliberativo, onde não se afirma nem se nega a existência e direitos dessa população na esfera penal, mantendo engavetados projetos que se pretendem a tratar do tema desde 2001. Por sua vez, o Mandado de Injunção nº 4733, julgado em conjunto com a ADO, propõe que os direitos à livre sexualidade e identidade de gênero, constitucionalizados, são inviabilizados pelo alto grau de violência e discriminação sofridos pela população LGBT e pela ausência de legislação penal sobre essas condutas, de modo a necessitar da criminalização como forma de coibir a violência. Em resumo, objetiva-se submeter o debate ao Congresso Nacional, o mais conservador desde 1964 e com bancada abertamente fascista e majoritária nas casas legislativas nacionais, para que este formule a punição adequada a LGBTfobia.
Criminalização e Populismo Penal
A criminalização da LGBTfobia não é a resposta capaz de pôr fim à violência contra LGBTs. O Brasil vive problemas como o hiperencarceramento, a justiça absolutamente seletiva e uma mentalidade social profundamente punitivista. O Governo Bolsonaro, neste sentido, é expressão do que podemos pensar como “populismo penal”. Frente ao medo generalizado da violência, ele se elege, ofertando um estado que confunde política de segurança com justiça criminal.
Uma rápida olhada nos dados sobre os crimes letais de LGBTfobia no Brasil perceberemos que as populações mais expostas à violência, coincidem também com aquelas que menor acesso à justiça possuem. Negras e negros, pobres, trabalhadores sexuais. É preciso compreender que as mortes de LGBTs tem classe e tem raça e que, as condições que possibilitam a morte destes sujeitos constituem-se socialmente, muito antes da violência letal, no abandono estatal, na ausência de políticas e na extrema precariedade.
Entendemos, contudo e apesar da evidente insuficiência da equiparação da LGBTfobia com racismo, que, se num sentido a medida é completamente incapaz de cambiar as condições objetivas da vida dos sujeitos LGBTs, por outro, caso o STF recuse a criminalização, então os efeitos de legitimação social da violência estariam corroborados pela suprema corte do país. É neste, sentido, entendendo os desafios que a conjuntura nos apresenta que nossa posição é pela aprovação da ADO 26.