Ana Carvalhaes e José Correa Leite, Junho de 2017
Este texto não trata do “varejo” da conjuntura nacional. Não debate as consequências da não cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, o inédito pedido de impeachment de um ministro do STF, as peripécias do “fico não fico” do PSDB, as perspectivas da campanha das Diretas Já, nem os caminhos fundamentais da resistência às contrarreformas ultraliberais do capital para o Brasil, que seguem em curso veloz no Congresso Nacional cada vez mais desacreditado.
A ideia é tentar uma aproximação do que significa a atual crise brasileira num sentido mais amplo, em suas dimensões econômica, social e política, e também mais longa no tempo – a crise que vivemos desde que a burguesia se unificou para derrubar Dilma Roussef via impeachment, que permanece nos dias atuais e que não dá mostras de vai arrefecer.
Uma crise histórica
Nossa hipótese é que estamos atravessando, desde inícios de 2015, uma crise político-institucional de tal profundidade que, somada às graves crises econômica e social, torna o quadro comparável àqueles de 1929-30 e de 1984 – para citar dois exemplos, bem diferentes entre si, do século XX.
No caso de 1929-30, a crise levou a uma mudança do bloco de poder hegemônico no país, ou seja, à substituição do até então dominante setor oligárquico “café com leite” por outro setor burguês, com um projeto industrializante. Abriu-se, com o movimento de 1930 um vácuo duradouro de hegemonia, Getúlio se consolidou a partir da revolta paulista de 1932 e formulou outro projeto para o Brasil, apoiando-se no tenentismo: projeto de desenvolvimento nacional baseado na indústria, na criação de uma classe trabalhadora assalariada urbana com algum tipo de direito, num regime bonapartista até 1937– sucedido por uma sequências de regimes que mantiveram o mesmo projeto (Estado novo ditatorial até 1945, o regime dito “populista” até 1964 e uma ditadura militar até 1984).
No segundo caso, em 1984, depois fim do “milagre brasileiro” e de anos de recessão (iniciada com o segundo “choque do petróleo” em 1980), com um terço do povo nas ruas na campanha pelas Diretas, o regime militar foi substituído, em eleição indireta no Colégio Eleitoral. Não houve mudança de bloco de poder. Tancredo, do PMDB, foi eleito presidente, e, com a morte dele, Sarney, homem da ditadura, subiu a rampa do Planalto. Ambos eram de fato muito ligados aos militares. O regime se reformou, sem que se tenha destruído o aparato repressivo da ditadura militar. O “entulho autoritário” foi incorporado na legislação e na prática vigentes até hoje.
Não nos parece que haja hoje um horizonte de mudança do bloco no poder, mas – só para lembrar – não havia isso também nos anos anteriores a 1929-30. Alguns economistas afirmam, quiçá para justificar a necessidade das reformas que defendem, que a crise atual é mais grave que as anteriores – o que nos parece exagerado pelo menos em comparação com a de 1930, resultante do crack (sic, não se dizia crash) da Bolsa de Nova York e da recessão mundial iniciada naquele ano.
Já se vão três anos de recessão e uma completa paralisia do sistema político. Esta realidade evidencia que o regime se tornou disfuncional para amplos setores do capital. (Usamos o termo regime como sinônimo de sistema político, ou seja, aquela dada articulação de instituições utilizadas para a dominação política de classe) Uma burguesia com a dimensão e interesses (leiam-se negócios) globais como a nossa não pode coexistir com tanta instabilidade e incerteza sobre o futuro por tanto tempo, já que o prolongamento da crise política aprofunda a crise econômica e prejudica tanto a extração direta de mais valia quanto os lucros do rentismo no sistema financeiro.
O que está em disputa no “andar de cima”
Toda fase de contração do ciclo econômico é, para os capitalistas, de disputa feroz de mercados e capitais. Com a globalização neoliberal, a disputa passa a envolver principalmente as transnacionais, inclusive as brasileiras. Mas o novo, o elemento chave do quadro atual, que agrava as incertezas e as divisões no seio da burguesia, é a crise política escancarada.
O diagnóstico que intelectuais e dirigentes petistas fazem da atual situação é de que há, por trás da crise brasileira, uma disputa entre a “burguesia nacional” e o “grande capital financeiro globalizado”. Esta narrativa se encontra, a esta altura do jogo, um tanto desatualizada. Em primeiro lugar, porque não estamos na década de1960 e a “burguesia brasileira” é tremendamente globalizada, como comprovam os acionistas privados da Petrobras, as operações internacionais da Vale e da Embraer, os lucros extraordinários das empreiteiras brasileiras por toda a América Latina, a pujança do agronegócio – tanto na exportação de carnes, em que se destaca a JBS, como na de grãos – e bancos como Itaú e Bradesco, com suas seguradoras e asset managers (gerenciadoras de fortunas).
Não há que se descartar que setores do capital de origem nacional, que dependem mais diretamente da ação do Estado, estejam disputando com as trans verde-amarelas os financiamentos do BNDES –como é o caso de setores da indústria. Tampouco é desprezível a hipótese de que a ação da banca imperialista global e de países imperialistas hegemônicos, em competição com o subimperialismo brasileiro, queira enterrar de vez qualquer resquício de política neokeynesiana de incentivo a “campeãs nacionais”. Mas o mais plausível para explicação da profundidade da crise atual é que esteja em jogo a forma de o Estado lidar com os “negócios”.
Apostamos na hipótese que um setor do aparelho de estado, autonomizado, representado por parcela da PF, pelo MP do PR e juiz Moro, está tentando fazer uma limpeza do pessoal político e empresarial formado na velha escola patrimonial – para usar a linguagem e a análise que empresários estão empregando. Esse setor está querendo “moralizar o ambiente de negócios” no Brasil. E faz isso golpeando outros setores dirigentes do aparelho de estado e empresários importantes– todos muito beneficiados nos anos do lulopetismo. Está se dispondo a degolar políticos e capitalistas. É neste sentido uma disputa pela “modernização” do estado, tendo como pano de fundo um cenário internacional de instabilidade e incertezas sobre o futuro da globalização neoliberal.
É bom lembrar que uma das grandes interpretações da formação nacional brasileira, a mais utilizada pelo Judiciário na formação de seus quadros, não é outra senão a de Os donos do poder, não por acaso de um jurista, Raymundo Faoro. É uma visão liberal clássica, muito crítica às relações patrimoniais que as classes dominantes brasileiras sempre mantiveram com o poder político e o estado. Para esses liberais, não se trata de democratizar o poder, mas de colocar regras mais rígidas e “republicanas” (antioligárquicas) para o poder lidar com sua relação com capital.
Por que Joesley Batista (JBS) agravou a crise política ao ponto atual?
Depois de fazer estragos históricos sobre os enormes negócios e lucros das empreiteiras multinacionais com o Estado brasileiro, a Operação Lava Jato passou a devassar, no início do ano, os negócios da era Lula-Dilma entre o BNDES e as chamadas “campeãs nacionais” – expressão pela qual economistas keynesianos denominam os setores empresariais escolhidos pelos governos para incentivar com crédito farto e assim propiciar o “desenvolvimento nacional”.
Luciano Coutinho, que foi presidente do BNDES durante nove anos entre os governos Lula e Dilma, aplicou manu militari essa política, com o aval do lulopetismo. As empreiteiras, todas elas implicadas na Lava Jato, receberam R$ 40 bilhões do BNDES para se transnacionalizarem entre 2006 e 2013. Têm operações em toda a América Latina e alguns países da África. JBS, Marfrig, Bertin e BRF, no setor de carnes, receberam R$ 14 bilhões. Fibria, Oi, LBR, de lacticínios e a EBX de Eike Batista também receberam vultosos empréstimos e aportes de capital.
Engana-se quem atribui essa política apenas ao lulopetismo. O setor financeiro já tinha sido saneado e capitalizado durante o governo FHC, entre 1995 e 2001, pelo Proer. O setor financeiro brasileiro, bom recordar, é quase que completamente nacional (privado e estatal, concentrado em Bradesco, Itaú, BB e Caixa). O único grande banco do varejo brasileiro de propriedade estrangeira é o Santander.
Em princípios de 2017, a Lava Jato atinge a JBS, a campeoníssima global da agroindústria da carne. A Lava Jato já começava a cercar os financiamentos da JBS, ao mesmo tempo em que apertava o cerco contra Lula. Os irmãos Batista – já com grande parte de suas empresas instaladas nos Estados Unidos –, provavelmente com o aval da cúpula petista, decidiram vingar-se do novo governo e contribuir para a queda de Temer (além de ganhar uns trocados no mercado cambial).
“Sei que nada será como antes, amanhã”
O pessoal político estabelecido nos atuais partidos – o que é conceitualmente e na prática diferente de burguesia, são sua representação política constituída, com autonomia frente a ela, como também o são as figuras de proa do Judiciário – vai tentar a todo custo que esta crise imensa termine em pizza. Em outras palavras, que se encerre preservando suas carreiras e sua liberdade frente à ameaça de encarceramento e preservando ao máximo as regras atuais do jogo atuais, ou regras do jogo ainda mais antidemocráticas.
Mas pelo menos uma parte do Judiciário não vai recuar da “limpeza antipatrimonialista” e o conflito pode se prolongar. É muito provável que termine no STF, onde a presidente Cármen Lúcia já defendeu um plebiscito ou referendo para a reforma política. A reforma política desejada pelas forças da ordem, evidentemente não resolve a crise econômica, mas pode formalizar o desmantelamento da Nova República como regime – para o qual convergiam tanto o PSDB como o PT, além do PMDB e todos os cerca de 30 partidos fisiológicos.
Essa disputa já teve uma conclusão importante para o campo popular ao inviabilizar a doação empresarial de campanha, uma reivindicação democrática importante. Nos EUA, a Suprema Corte conservadora legalizou o financiamento privado ilimitado das campanhas políticas, consolidando as eleições como um show midiático de representações burguesas.
Uma conclusão mais minimalista é que a burguesia como classe não consegue mais governar como antes da crise, de um lado. De outro, que ela não tem projeto claro, para além de aumentar a exploração do trabalho e restringir os gastos sociais. Por fim, a pizza não está dada e pode ser disputada. Se não é certo que novas regras do jogo sejam necessariamente melhores, é certo que a qualidade do desfecho dependerá da intensidade e qualidade da ação independente do “andar de baixo”.
Qual a natureza conceitual desta crise e quais saídas a propor?
As duas perguntas vão juntas, porque, da leitura de conjuntura e da do que vivemos decorrem as saídas a serem propostas.
A crise brasileira do período tem todas as características de uma “crise nacional” no sentido desenvolvido por Lênin. Insistimos: estamos falando da crise que começou quando a maioria do capital resolveu “trocar” o projeto lulopetista pelo impeachment de Dilma, apoiando setores de massas na rua contra o petismo, articulando o golpe, catapultando Temer ao poder, pisando no acelerador da agenda ultraliberal e não somente se deparando com a impopularidade e resistência popular a sua agenda, como começando a provar do próprio veneno via Lava Jato.
Uma crise nacional é uma crise política da dominação, uma crise do conjunto das relações sociais. Não é casual que explodam, paralela e articuladamente à crise fiscal da União, as falências dos estados, as sangrentas rebeliões nos presídios do Norte e Nordeste e as não menos sangrentas reações repressivas do Estado punitivo aos rebelados – expondo à luz do dia a forma brutal como é tratada aquela parte “oculta” da sociedade segregada. Não é casual o fortalecimento de milícias e que agrupamentos do crime organizado governem hoje parcelas dos territórios nas grandes metrópoles. Não é casual que, com 14 milhões de desempregados, com benefícios cortados pelo ajuste, e com estados falidos, os índices de violência urbana disparem e que, com eles, cresçam as matanças da juventude negra e a popularidade de soluções fascistas. Não é casual que se multipliquem as denúncias de violência contra a mulher, LGBTs e transexuais.
Numa crise nacional como que vivemos, a forma como as classes se relacionam tende a ser redefinida de maneira profunda e não superficial. Esse é o sentido de a burguesia brasileira ter despachado o lulismo e passar a apoiar um ultraliberalismo, em sintonia com o que se dá no cenário internacional.
Sistema político em “disfuncionamento”
É parte desse quadro geral de crise nacional a crise profunda do sistema político da Nova República, que já se desenhava em 2013. Já não funciona como antes, engasga, derrapa e cria problemas para o bloco no poder esta articulação historicamente determinada de instituições que deu corpo até agora à dominação da burguesia no Brasil a partir de 1985 e mais formalmente a partir da Constituição de 1988.
Esse sistema ou regime baseou-se no presidencialismo de coalizão (em que jamais um partido pode governar sozinho), apoiado num Congresso sempre partidariamente muito diverso (35 siglas, o maior número do mundo ocidental!), em que reinou, no dizer do velho Plínio de Arruda Sampaio, a lei do “toma-lá-dá-cá” (emendas parlamentares, compra de votos, cargos por votos etc) – ou, na fala de um dos próceres do baixo clero, o “é dando que se recebe” – com todos no sistema tendo suas campanhas fartamente financiadas pelo capital privado. É um sistema apoiado no papel-chave de um “partido” que nunca foi partido, mas uma reunião de caciques das oligarquias regionais chamado PMDB – o que levou cientista político Marcos Nobre a defini-lo como o regime “pemedebista” (com um “e” apenas).
É um problema grave para as regras do jogo da velha Nova República o fim do financiamento empresarial das campanhas. É um sintoma de crise o rechaço popular crescente aos políticos, aos partidos tradicionais e à política institucional. É um problema maiúsculo que suas entranhas de negociatas espúrias e enriquecimentos ilícitos estejam sendo expostas há mais de dois anos, que porcentagem altíssima dos eleitos estejam acusados e/ou citados nas delações da Lava Jato. É um problema grave para seu funcionamento o papel cada vez mais autônomo e por vezes de protagonista assumido pelo Judiciário, diante do desprestígio e falta de ação de Executivos e Congresso. É um elemento gravíssimo para o regime que, enquanto suas instituições insistem em buscar caminhos formalistas para demover Temer da ideia de permanecer no cargo e para sua sucessão indireta, 95% da população deseje eleições diretas.
Crise nacional X crise revolucionária
Crise nacional, é bom lembrar, não é “crise revolucionária”. O conceito mais conhecido desta última, desenvolvido por Lênin em A falência da Segunda Internacional, é o seguinte:
“1) impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominação de forma inalterada (…); 2) agravamento, além do comum, da miséria e da angústia das classes oprimidas; 3) desenvolvimento acentuado, em virtude das razões indicadas acima, da atividade das massas (…) para uma ação histórica independente”.
Fica evidente que o terceiro elemento está ausente no Brasil, pelo menos por enquanto.
Lembremos de alguns exemplos mais ou menos próximos de crise revolucionária: no Caracazo venezuelano (1989), ocorreu uma crise revolucionária, que abriu uma situação revolucionária, porque a insurreição dos morros pobres das cidades da Venezuela por alguns dias foi repentina e espontânea. Durante o governo de Siles Suazo (1982-1985), a Bolívia viveu várias crises revolucionárias consecutivas. A correlação de forças prévia é em geral altamente favorável aos explorados e oprimidos e, em geral (embora não tenha sido esse o caso do espontâneo Caracazo), eles estão organizados em instituições próprias e independentes – na Bolívia de então na COB. Em geral, estabelece-se por dias um vazio de poder.
Mas não se abre situação pré, nem revolucionária, nem crise revolucionária por ação e desejo de outros setores sociais que não sejam as classes trabalhadoras e seus aliados despossuídos em ofensiva e organizados de forma independente. Afirmar que viveríamos uma situação pré-revolucionária aberta pela Lava Jato não encontra nenhum respaldo nos fatos.
Assim, o nó de górdio da crise brasileira é o desequilíbrio entre a profundidade da crise dos de cima e a relativa fragilidade da ofensiva e organização dos de baixo depois de 13 anos de governos petistas (relativa, em relação à dimensão da crise dos de cima). A retomada das lutas populares de março para cá é extraordinária. A greve geral de 28 de abril foi uma vitória estrondosa, devemos trabalhar pelo êxito da nova greve de 30 de junho e por novas mobilizações e atos massivos contra as reformas. A velocidade da retomada pode crescer em proporções geométricas e a situação pode, sim, tornar-se mais aguda, caso os trabalhadores e o povo assumam mais iniciativas.
É preciso partir do fato de que a correlação de forças, que se tornou negativa sob os governos Dilma (pela dinâmica da economia e pela resposta dada pelo PT e seu governo às mobilizações de 2013), depois da derrota que significou o golpe de 17 de abril de 2016, deslocou-se ainda mais para a direita – mas para isso é preciso admitir que houve um golpe institucional que depôs Dilma. De que só muito recentemente ela começou a mudar, com um campo popular voltando a adquirir capacidade de ação e a encaminhar iniciativas de frente única. De que o movimento sindical brasileiro ainda tem sobre si o peso de burocracias de direita (Força Sindical principalmente), lulopetista (CUT, MST) e pecedobista (UNE, CTB). E de que vai ser preciso muito mais força, combatividade e capacidade de iniciativa para derrubar as reformas.
Distinguir o político do social
Convivemos, na esquerda e no movimento social, com correntes e ativistas formados no quadro de declínio e derrota do petismo, e críticos à cooptação dos movimentos pelo estado, que confundem política com “movimentismo”. Parcelas da juventude crêem que bandeiras como “greve geral de 48 horas” ou “construir conselhos operários” (como o PSTU) são saídas “políticas”. Como se estas palavras fossem mais radicais e opostas pelo vértice àquelas que dialogam com o funcionamento geral da sociedade. Para muitas delas, apontar para saídas que incluam propostas no plano das instituições seria “capitulação à institucionalidade burguesa”. Essa postura é uma negação, quando não da própria política, pelo menos das chamadas reivindicações de transição, que dão destaque fundamental às bandeiras democráticas.
Algumas correntes da esquerda não dão importância ou simplesmente negam ter havido um golpe, ou uma virada desfavorável na correlação de forças em 2016, tendendo a colocar sinal de igual entre os governos lulopetistas e o atual. Elas flertam também com os movimentos anticorrupção da direita, em boa medida instrumentalizados, até há pouco, como movimentos antipetistas.
A contribuição específica de Lênin para a política revolucionária foi, na análise do filósofo marxista francês Daniel Bensaïd, a afirmação da centralidade da luta política e sua distinção da luta social. Dizia Bensaïd, “tudo conduz em Lênin, a compreender que a política tem sua gramática e sua sintaxe próprias. Ela é o lugar de uma elaboração, de uma aparição, de uma representação, que trata de apresentar aquilo que está ausente” (Lênin, ou a política do tempo partido). Na clave de Bensaïd, cabe aos socialistas brasileiros, sem prejuízo algum das palavras de ordem pela greve geral e outras formas de luta, superar o sindicalismo e o movimentismo e buscar apresentar uma solução política global para a crise econômica, social e política em que se encontra o país, articulando reivindicações que trabalham contradições em diferentes terrenos da sociedade.
Com todo nosso apoio e nossa participação nas lutas reivindicativas, mobilizações de massa e greves, precisamos de saídas radicais no terreno da política e das instituições do estado, bandeiras de radicalização da democracia em um ponto que a burguesia da época oligopolista não suporta porque não é democrática. Muito menos a fração brasileira da burguesia global, de origem escravagista, demofóbica até a medula.
Grande parte daquilo que Trotsky chamou, na sua análise das formações sociais da periferia do capitalismo, de reivindicações democráticas e que, para ele, seriam capazes de deslanchar uma dinâmica de revolução permanente, permanecem atual nas condições do Brasil de hoje. Devemos apresentar saídas baseadas na História recente, da qual as trabalhadoras e trabalhadores e o povo têm memória, e a partir da correlação de forças real entre as classes no Brasil.
A importância das demandas democráticas e da Diretas Já!
A luta social nos exige seguir firmes e organizados na construção da nova greve geral chamada para 30 de junho. A luta social nos exige mobilizar e animar a nossa base popular, sindical e estudantil para seguir resistindo, com greves, bloqueios e outras formas de mobilizações direta, às contrarreformas do capital (teto de gastos, terceirização, reforma trabalhista, reforma da previdência…). A luta social exige a constituição da mais ampla unidade na ação para derrotar Temer e suas políticas de austeridade e suas reformas ultraliberais.
Nada disso é contraditório – muito antes pelo contrário! – com ter bandeiras políticas democráticas para responder ao anseio dos trabalhadores, de jovens, de mulheres e LGBTTS, negros e negras, que rechaçam Temer mas também as manobras dos partidos da ordem que buscam alternativas para ele em uma eleição indireta. A alternativa à destituição de Temer e a eleição indireta de um novo presidente é a eleição direta deum novo presidente. É Diretas Já!
Nada disso é contraditório com o debate que já está instalado entre trabalhadores e trabalhadoras, oprimidas e oprimidos em torno de como substituir os políticos odiados e as atuais instituições corrompidas por outras formas de participação e decisão popular. Sim, é necessário debater também a necessidade de novas eleições gerais, para todos os cargos, sob novas regras, e a revisão das medidas tomadas por este Congresso comprado pelas grandes empresas.
Mas o caminho começa pela tarefa mais urgente não realizada: derrubar Temer. Apesar da enorme fragilidade do governo golpista e da divisão da burguesia em torno das suas saídas para a crise, não está dada a queda imediata do governo, muito menos a saída positiva de eleições diretas para a Presidência da República. Há farta sinalização da movimentação dos representantes políticos do capital (que incluem Lula como um dos protagonistas), em busca de algumas alternativas: ou (1) manter a Temer por absoluta falta de unanimidade ao redor de um nome alternativo num pleito indireto; ou (2) firmar um grande acordo por eleições indiretas e substituir Temer outro nome em um mandato tampão de “unidade nacional” até 2018.
Em qualquer dos cenários, faz parte dos planos dos “de cima” a continuidade, ainda que aos trancos, bombas e cassetetes, da aplicação dos planos de austeridade e das reformas ultraliberais. A queda de Temer é, então, um passo imprescindível para num primeiro momento atrasar as contrarreformas e multiplicar as possibilidades de derrotá-las. Estender e popularizar a nova campanha pelas Diretas Já! é um elemento politizador e potencializador das lutas sociais contra as reformas ultraliberais.
Junho de 2017