Nós precisamos voltar ao verão do levante do Vidas Negras Importam
Tithi Bhattacharya, Spectre, 24 de março de 2021. Tradução de Isolda Benício.
Mas, as mudanças chegaram, elas se adicionaram. Você não acha que a burguesia negra mesquinha que nós temos nesse país chegou ao topo com as próprias pernas? Eles subiram nas costas dos jovens que tocaram fogo nas cidades (A. Sivanandan) ¹
Se você olhar para locais de trabalho americanos nesse momento, eu não lhe culparia se você pensasse que o antirracismo foi bem fácil. A velocidade em que os programas de treinamento de diversidade explodiram como resultado do levante anti-polícia no verão passado, junto com gurus especialistas liderando, poderia lhe levar a pensar que o antirracismo era um conjunto de políticas melhor praticadas no seio dos departamentos de RH. Sem corpos negros mortos largados na rua, sem departamentos de polícia pra queimar, só uma pilha de livros de Robin D’Angelo e sessões de treinamentos de sensibilidade guiados pela gerência no fim da tarde.
Empresas do EUA atualmente pagam 8 bilhões de dólares anualmente em treinamento de diversidade. Isso apesar dos múltiplos estudos demonstrando que esses treinos não aumentam diversidade e nem sanam racismo. Mas mesmo assim, continuam. Eles continuam exatamente porque esses exercícios de RH não vão destruir a supremacia branca; eles quem imunizar empresas e universidades contra processos de pessoas que sofrem racismo e machismo no trabalho.
Por mais de uma década, gigantes da Wall Street como Morgan Stanley, Merrill Lynch, e Smith Barney pagaram milhões de dólares em acordos de acusações de assédios, levando firmas a reavaliar suas estratégias sobre raça e gênero. A primeira dessas foi exigir que novos contratados assinem contratos aceitando não se unirem a processos judiciais coletivos e/ou sindicais. A segunda estratégia sobre isso foi aumentar o investimento em treinamento de diversidade. Até ferramentas limitadas para protestar contra discriminação foram tiradas de empregados enquanto os enfiavam em adornados seminários sobre diversidade da empresa.
Nós realmente atravessamos o espelho de Alice quando a resposta de McDonald’s ao Black Lives Matter foi um poderoso vídeo de 1 minuto listando o nome de George Floyd e outros que foram mortos, incluindo Trayvon Martin, Michael Brown, Alton Sterling, Botham Jean, Atatiana Jefferson, e Ahmaud Arbery. O amor e ódio efervescentes dos protesto do movimento BLM foram cegamente monetizados por uma empresa que ainda se nega a pagar a sua maioria gritante de negros e latinos 15 dólares por hora. Como George McCary, um negro trabalhador militante que trabalha no McDonalds disse: “Eu sou pago 8,25 dólares por hora. É tão pouco que a única conta que eu posso pagar é telefone, e eu sou forçado a recorrer à ajuda do governo pra comer.”
Mas a palavra final sobre a cultura da diversidade coorporativa deve ir ao Departamento de Polícia de Minneapolis. Nos últimos anos eles se tornaram um modelo de diversidade. Policiais foram forçados a participar de treinamentos de parcialidade implícita, workshops de mindfulness, seminários sobre apaziguamento e intervenção de crises. Mas nenhuma música calma, vela de soja, ou exercícios de respiração pararam Derek Chauvin em 25 de março de 2020. Porque assassinando brutalmente George Floyd, ele estava meramente cumprindo o propósito da instituição que ele servia: a polícia.
Inclusão predatória
É tempo de reconhecer 2 duas modas perigosas nos negócios da diversidade corporativa. Primeiro que a linguagem da diversidade, mascarada como antirrascista, tem se tornado desassociada de seu significado social; e segundo, porque agora mulheres e pessoas não-brancas são contratadas para serem fornecedores de violência para protegerem o sistema das críticas.
A especialista em Direito Negro Cheryl Harrys usa o termo inclusão predatória para descrever como família negras são encurraladas por hipotecas predatórias em nome da economia inclusiva e compartilhamento.
Eu quero resignificar esse conceito, inclusão predatória, para me referir a todas as mulheres e pessoas não-brancas “promovidas” a posições de poder, em altos níveis do governo, bancos, universidades e empresas. Isso é um meio de se distanciar de qualquer crítica e direcionar a atenção à forma vazia de representação. É também uma forma do sistema de limpar sua violência.
Há dois anos atrás. Cinzia Arruzza, Nancy Fraser e eu publicamos um manifesto no qual nós argumentamos que a linguagem e as políticas do feminismo tinham que ser arrancadas do feminismo branco de Sheryl Sandberg e Hillary Clinton, e reanimadas com o poder de greves e ocupações feministas. Nós apontamos que não importava para mulheres e homens do Sul global que a bomba ou peonagem (escravidão por dívida) indo em sua direção foi arquitetada ou lançada por uma mulher. Continua sendo importante hoje resgatar as políticas de antirracismo nas ruas de um capitalismo colorido que procura domá-las escondendo que o papel de mulheres da elite no encarceramento em massa, ou espalhando a ideia que uma pessoa não-branca lidera um dos mais perversos regimes imigratórios de nossos tempos.
Um exemplo instrutivo de estratégia do capitalismo vem de Porto Rico. Durante a greve dos estudantes militantes de 2010-2011 contra a privatização da Universidade de Porto Rico, a universidade contratou uma firma de segurança particular, Capitol Security, por 1 milhão e meio de dólares, para acabar com a greve. A firma contratou homens e mulheres jovens de Villa Cañona em Loíza, uma comunidade predominantemente negra e pobre num município predominantemente preto e pobre, para destruir os portões da universidade e atuar como fura-greves pagos.
Conforme o poderoso relato de Marisol Le Bron sobre a greve documenta, um funcionário municipal abordou os jovens com uma oferta de US $ 10 por hora para "trabalhar" na universidade. Em um arquipélago, Le Bron observou, “com as estatísticas oficiais de desemprego pairando acima de 16% e onde o salário mínimo federal era de US $ 7,25 por hora, não é surpresa que os jovens de um dos municípios mais pobres de Porto Rico aproveitaram a oportunidade apresentada pela Capitol Security.” A confusão resultante entre estudantes universitários e pobres, jovens negros trabalhando como fura-greves, tencionou as solidariedades anti-racistas dentro da greve e a enfraqueceu. Foi preciso um jovem negro, grevista socialista, Giovannio Roberto, ele próprio um produto da pobreza racializada, romper essa estratégia e falar diretamente com os jovens e falar com eles sobre suas histórias parecidas e interesses comuns:
Eu também sou de um barrio pobre e também sobre negro como vocês todos. Quando eu era mais jovem, meus pais não conseguiram arranjar emprego, assim como vocês não estão conseguindo agora. E eu vivi por muitos anos usando cupones [assistência federal]. Eu vivi até os dezesseis anos à base de cupones. Até os dezesseis... Mas o que tá errado? Nesse mundo não somos todos iguais. Por que Loíza é un pueblo de negros? Por que Carolina é un pueblo de negros? Por que Dorado e Condado são considerados pueblos de blanquitos? O nome disso é racismo. É chamado de racismo institucional... Eles não querem que a gente saia. Aqueles nascidos em Loíza ficam em Loíza. Aqueles nascidos em Carolina ficam em Carolina. Quando a gente vem aqui para lutar todo dia, é para que todos vocês também possam ter uma oportunidade de quebrar esse ciclo.
O discurso de Roberto encerrou uma noite de violência com o extraordinário ato dos fura-greve, dando as mãos aos grevistas num momento de solidariedade brilhante.
A predação capitalista se esconde na diversidade corporativa
Não houve vela de soja nem seminários de mindfulness nos gloriosos levantes negros do verão passado. O que costurou os protestos foi um profundo senso de injustiça e a história dos levantes antirracistas do passado. Homens e mulheres que correram às ruas não queriam uma cadeira na mesa do capital, se isso significasse que o resto de sua comunidade ficaria com migalhas. O levante estava lutando contra violência policial mas não com formas aceitáveis e aprovadas; eles estavam lutando para ferir o capital.
Tomando a liderança desses protestos globais, como membros de grupos oprimidos, nós precisamos reconstruir movimentos que representam nossos interesses, não só nossa raça, gênero, sexualidade, deficiência, origem nacional, religiosidade, etc. Se nossos interesses são atropelados em nome da “diversidade”, então a dor e sofrimento causados não podem diminuídas com a “garantia” que a pessoas em podem tem a mesma cor que eu.
Essa garantia é tão fútil quanto a assinatura no e-mail de um gerente branco quando ele lhe demite de seu emprego.
Nós queremos um retorno de levantes negros do verão não porque seu alvo foi mais pessoas negras trabalhando na CIA, mas porque nosso objetivo é desmontar um sistema que precisa da CIA.
¹Citado em Sita Balani, “Catching History: Vigils, Riots and the Right to Protest,” Verso blog (19 March 2021)
²: Cheryl I. Harris, “Whiteness as property,” in Critical Race Theory: The Key Writings That Formed the Movement, edited by Kimberlé Crenshaw, Neil Gotanda, Gary Peller, and Kendall Thomas (New York: New Press, 1995); ver também o uso do termo por Keeanga-Yamahtta Taylor em seu recente livro Race for Profit: How Banks and the Real Estate Industry Undermined Black Homeownership (Chapel Hill: UNC Press, 2019).