Executiva Nacional da Insurgência
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo movimento que luta pelo fim da escala 6x1 ultrapassou o número necessário de assinaturas para começar a tramitar na Câmara dos Deputados. Já são 194 deputados federais apoiando a PEC de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que formalizou a iniciativa de origem do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), fundado pelo vereador eleito Rick Azevedo (PSOL/RJ).
A chamada escala 6x1, que significa seis dias de trabalho por um de descanso, é atualmente permitida pela legislação, uma vez que a Constituição Federal estabelece um limite de jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais, as quais podem ser distribuídas durante 6 dias na semana (já que a Constituição também assegura o direito ao repouso semanal remunerado). Para parte dos trabalhadores, a jornada de trabalho é cumprida ao longo de 5 dias da semana, com a compensação das horas de trabalho do sábado ou redução da jornada para 40 horas semanais. No entanto, para muitos trabalhadores, em especial aqueles empregados no setor da saúde, na hotelaria, em restaurantes, em shoppings e demais estabelecimentos comerciais, é comum que as 44 horas semanais sejam distribuídas ao longo de 6 dias da semana.
A PEC apresentada, então, propõe a alteração do atual texto do inciso XIII do artigo 7º da Constituição, com vistas a reduzir o limite da jornada de trabalho semanal para 36 horas a serem cumpridas em quatro dias por semana. Essa proposta representa não só um avanço significativo em relação ao atual texto constitucional, como vai além da simples proibição da escala 6x1, prevendo o estabelecimento da escala 4x3, ou seja, quatro dias de trabalho por três de descanso.
A proposta é, sem dúvida, a iniciativa mais progressiva dos últimos tempos em defesa do conjunto da classe trabalhadora, e é bastante simbólico que tenha partido da indignação de um jovem trabalhador precarizado, negro e gay, em articulação com a primeira deputada federal negra e travesti do país. É também a primeira vez que o debate da redução da jornada de trabalho adquire corpo e expressiva mobilização desde a Constituinte, quando o limite semanal da jornada de trabalho, até então 48 horas, foi reduzido para 44 horas semanais (embora o movimento sindical tenha pautado à época a sua diminuição para 40 horas).
Ao longo das últimas cinco décadas, vimos as transformações do mundo do trabalho indicarem uma nova configuração da classe trabalhadora, no Brasil e no mundo. O trabalho formal tem sofrido profunda deterioração, com significativa perda de direitos ao longo dos anos, em especial após a contrarreforma trabalhista de 2017 e as recentes contrarreformas da previdência. Com o processo neoliberal de desindustrialização desde os anos 1990 e transferência de postos de trabalho para o setor de serviços, marcado por contratos de trabalho precários e pela alta rotatividade da mão de obra, a população jovem, negra e periférica é a mais impactada. A sua exploração se dá tanto mediante o pagamento de baixo salários, normalmente próximos ao salário mínimo, como pela extensão da jornada de trabalho até o máximo permitido pela legislação trabalhista (por vezes também ultrapassando os limites legais). Esse movimento é combinado com a expansão da chamada “nova informalidade” e da uberização do trabalho, impactando profundamente a juventude e a colocando em condições ainda mais precárias de trabalho.
Diante desse cenário, o potencial de mobilização dessa pauta é imenso, uma vez que dialoga com sentimentos genuínos e realidades muito concretas da classe trabalhadora. São inúmeros os relatos de exaustão, adoecimento e alienação da vida que explodem nas redes sociais, vindos inclusive de pessoas que manifestamente votaram em candidatos da direita tradicional e da extrema-direita e gerando uma pressão política sobre estes parlamentares. Existe, portanto, uma uma janela de oportunidade ímpar de incidir sobre a conjuntura em favor da classe trabalhadora brasileira e para desmascarar a extrema-direita e seu projeto anti-povo.
Tendência mundial
O Brasil é um dos países do G20 em que mais se trabalha semanalmente, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocupando a 11ª posição com uma carga média de 39 horas. A OIT também aponta que há uma tendência mundial de redução da jornada de trabalho. Atualmente o Canadá tem a menor média semanal de horas trabalhadas entre os países do G20, com um total de 32,1 horas. A Alemanha aparece com uma média de 34,2 horas, enquanto a França ocupa a 4ª posição, com 35,9 horas semanais de trabalho. No entanto, não precisamos ir longe: no Chile, entrou em vigor em 2024 uma lei que reduz progressivamente a jornada de trabalho até 2028, quando chegará a 40 horas semanais. Antes, o limite eram 45 horas. Na Colômbia, desde 2021 está em vigor uma lei que também reduz progressivamente a jornada a cada ano até chegar a 42 horas semanais.
Pesquisas comprovam que, nos países onde a redução da jornada de trabalho já é realidade, o resultado é positivo, com as pessoas dispondo de mais tempo para cuidar da saúde e do bem estar, consumindo mais lazer, esporte e cultura, sem registro de queda de produtividade no fim do mês (para alívio dos empresários).
Matriz de opressão e exploração
A precariedade é a condição da classe trabalhadora hoje, expressada na alta taxa de informalidade, jornadas excessivas de trabalho, baixos salários e nas barreiras de acesso ao sistema de proteção social; além de moradia, saúde, transporte e educação de baixíssima qualidade.
Dados da Pnad Contínua de 2023 realizada pelo IBGE evidenciam as diferentes dimensões da desigualdade no mercado de trabalho, indicando raça e gênero como matriz de opressão e exploração da classe trabalhadora, no Brasil. Entre trabalhadores desocupados, 65,1% são negros, quando a taxa de desocupação dos não negros era de 6,3%; e entre as mulheres negras é de 11,7%. Quase metade (46%) dos negros estava em trabalhos desprotegidos, ao passo que entre os não negros, essa proporção era de 34%. Uma em cada seis (16%) mulheres negras ocupadas trabalha como empregada doméstica. Os negros ganhavam 39,2% a menos do que os não negros, em média. Em todas as posições analisadas, o rendimento médio dos negros é menor do que a média da população.
Já estudo do Datafolha estima que apesar de 15,5 milhões de brasileiros pertencerem à comunidade LGBTQI+ no Brasil - o equivalente a 7% da população -, em um universo de 300 empresas analisadas, com 1,5 milhão de trabalhadores, essa parcela ocupa apenas 4,5% dos postos de trabalho. Quando essa análise é feita em relação às pessoas trans, a situação é ainda pior: não chega nem a 0,5% (0,38%). É uma expressão muito forte da espoliação da maioria da classe.
A militância e as organizações de esquerda precisam compor esse movimento, entendendo e respeitando o seu caráter amplo e plural.
Rick Azevedo é um jovem que viralizou no Tiktok, indignado por não poder ir a um show devido a trabalhar na escala 6x1. Essa indignação se tornou coletiva, pois assim como ele, milhares de outros jovens vivem a mesma condição e experienciam a mesma realidade exaustiva e injusta de trabalho. A partir desse viral, Rick lançou um abaixo assinado, que cresceu e aglutinou pessoas de diversos estados.
A campanha contra a jornada 6x1, portanto, é uma campanha feita por pessoas comuns, trabalhadoras, unidas em defesa de trabalho e vida digna. Não é um movimento organizado da forma como tradicionalmente conhecemos, e isso é incrivelmente potente. Trata-se de uma demonstração da auto-organização da classe e precisa contar com o apoio dos partidos e das organizações de esquerda, que devem atuar com respeito para cumprir com o seu papel de organizador coletivo para a disputa de um projeto de futuro anticapitalista.
Às ruas pelo fim da escala 6x1
Vamos todas, todos e todes atender à convocação do Movimento Vida Além do Trabalho e ir em peso às ruas, na próxima sexta-feira, dia 15, em todo o país para debater sobre um modelo de jornada de trabalho no qual as pessoas trabalhem para viver, e não vivam apenas para trabalhar.
Os argumentos contrários à PEC estão cheios de desinformação que buscam esconder o caráter explorador anacrônico, improdutivo e desumano da escala 6x1, e a face nefasta da ordem econômica neoliberal, especialmente para o Sul Global.
Também é hora de pressionar Arthur Lira (PP/AL), presidente da Casa, e líderes das siglas e de blocos parlamentares, para a PEC começar a ser discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara e tão logo vá ao plenário. Com a força da mobilização, o governo pode e deveria encampar essa batalha. Para isso, é imperativo manter a pressão nas redes e nas ruas. Uni-vos!
Executiva Nacional da Insurgência