A nomeação anti-democrática de um aliado de Erdogan para reitor de uma universidade gerou uma revolta que dura há um mês. O poder político reage com prisões, gás pimenta e mobilizando o conservadorismo religioso contra os jovens.
Esquerda.net, 4 de fevereiro de 2021
O presidente turco nomeou um aliado, Melih Bulu, para reitor da Universidade Bogazici em Istambul, o primeiro de fora da academia a ser escolhido desde o golpe militar de 1980. Estudantes e professores revoltaram-se, considerando o processo anti-democrático. As manifestações duram há um mês. São as maiores desde a mobilização de 2013 contra a destruição do Parque Taski Gezi para fazer uma reconstrução de um quartel que incluía a possibilidade de se instalar também um centro comercial.
Na passada segunda-feira foram presos 159 manifestantes que pretendiam fazer uma vigília à porta do gabinete do reitor, por “não terem acabado com as manifestações apesar dos avisos”. Na terça-feira, um grupo de académicos protestou em frente ao mesmo edifício de costas voltadas para ele, enquanto exigiam a demissão do reitor e mostravam cartazes com o número 159.
Para além do uso das cargas policiais e das detenções, o governo procura colar ao protesto estudantil o rótulo LGBT, mobilizando assim a seu favor os setores mais conservadores da sociedade. O pretexto foi a prisão de quatro pessoas que tinham colocado na universidade uma imagem que misturava iconografia islâmica com os símbolos de apoio à causa LGBT.
Na terça-feira, o ministro do Interior Suleyman Soylu publicou no Twitter uma mensagem em que questionava: “Devemos tolerar os degenerados LGBT que insultam a grande Kaaba [a construção em forma de cubo na Grande Mesquita de Meca que é considerada o local mais sagrado para os muçulmanos]? Claro que não”. Depois insistiu na televisão na mensagem de que estava a proteger as famílias dos “degenerados LGBT”.
A rede social marcou esta mensagem como discurso de ódio, não apagando por considerar que havia interesse público em mantê-la publicada. O Twitter enfrenta a possibilidade de ver a sua largura de banda reduzida no país por não aceitar legislação turca, implementada o ano passado, que obriga as redes sociais a ter um representante na Turquia responsável pela retirada de conteúdos.
Por sua vez, o Gabinete dos Direitos Humanos das Nações Unidas condenou “os comentários homofóbicos e transfóbicos da parte de responsáveis”, ao mesmo tempo que apelava ao fim do uso excessivo da força contra os manifestantes.
O próprio Erdogan veio a terreiro acusar a comunidade LGBT de “vandalismo”. Num discurso dirigido ao seu partido, declarou que “no futuro vamos ter não uma juventude LGBT, mas uma juventude digna da história gloriosa desta nação”. Ameaçou ainda “fazer tudo o que for preciso para prevenir” que o país seja “governado por terroristas”.
No bairro de Kadikoy, centenas de manifestantes responderam ao governo fazendo ouvir a mensagem “LGBTQ nunca caminharão sozinhos”. Também aí a repressão foi a forma escolhida para lidar com o protesto: a polícia lançou gás pimenta e prendeu 104 pessoas. Segundo a Reuters, só esta semana mais de 250 pessoas foram detidas em Istambul e 69 em Ancara.