Por um lado, a Rússia pretende opor-se à expansão da NATO para leste. Por outro, esta teme que a acumulação de meios militares na Bielorrússia e na fronteira com a Ucrânia possa ser o prenúncio de uma invasão deste país. Tensões que vêm desde a dissolução da União Soviética.
Liana Semchuk, Esquerda.net, 12 de dezembro de 2021
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos EUA, Joe Biden, tiveram uma “cúpula virtual” de duas horas em que discutiram as tensões crescentes na Ucrânia e à sua volta. Biden expressou preocupações com a acumulação de tropas russas na fronteira com este país, enquanto Putin procurou garantias de que não acontecerá uma maior expansão da NATO para leste. Pouco terá ficado resolvido mas os dois líderes concordaram em designar representantes para “começar rapidamente a discussão sobre esta situação complexa e confrontacional”.
Há três décadas, a 8 de dezembro de 1991, a União Soviética era formalmente dissolvida e a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia estabeleciam a Comunidade de Estados Independentes. Agora, passados trinta anos, os três países estão presos numa perigosa troika de confronto e de ameaças diplomáticas que ameaça mergulhar a região em mais conflitos.
A história política pós-soviética da Bielorrússia e da Ucrânia é interessante a vários níveis. A primeira tornou-se na única ditadura da Europa, fortemente dependente da Rússia para sobreviver. A segunda, entretanto, é uma democracia em transição que tem vacilado entre a influência russa e ocidental ao longo dos anos. Isto, por si só, tem levado a tensões que rebentaram em 2014 quando protestos pró-União Europeia na Ucrânia levaram ao colapso do governo pró-russo, à anexação russa da Crimeia e ao conflito com separatistas no leste da Ucrânia.
As hostilidades na região leste da Ucrânia têm continuado desde então. A mobilização de tropas russas em abril na ocupada Crimeia, assim como na fronteira com o leste da Ucrânia, perto de Donetsk, nas mãos de grupos separatistas pró-russos, desencadeou medo de que Moscovo pudesse estar a planear uma invasão. No final, tal não aconteceu, mas durante outubro e novembro ocorreu outra acumulação de monta de tropas na região. Dada a quantidade de equipamento militar já presente no terreno, as intenções da Rússia estão mais uma vez a preocupar os responsáveis da NATO.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO encontraram-se em Riga, na Letónia, no final de novembro, para discutir a situação. O secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, disse aos jornalistas que “não há clareza nas intenções russas mas há uma concentração pouco habitual de forças pela segunda vez este ano. Vemos mais armamento pesado, drones, sistemas eletrónicos de guerra e dezenas de milhares de tropas prontas para combate.” No início de dezembro, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, emitiu uma declaração em que previa que uma invasão pudesse acontecer no início de 2022 e disse que os EUA estavam “empenhados em ajudar a Ucrânia a defender o seu território soberano”.
Mas continuam a existir dúvidas entre os especialistas na região, assim como nos EUA e na Europa, sobre a ameaça de um ataque iminente. Há um conjunto considerável de opiniões de que Moscovo estará a usar a pressão como uma ferramenta negocial para impedir a expansão para leste da NATO, com um analista residente na Ucrânia a especular que Putin pretende “coagir o ocidente e começar novas negociações como as de Ialta com a Rússia”. Esta é uma referência à cimeira de 1945 entre Estaline, Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt na Crimeia que estabeleceu o leste da Europa como pertencendo à esfera de influência da União Soviética.
A situação atual, contudo, parece volátil por várias razões.
Potenciais pontos de ignição
Em primeiro lugar, a pilha de equipamento militar na zona permite uma mobilização rápida. Preocupações semelhantes sobre equipamento militar russo também foram levantadas no caso da Bielorrússia na sequência dos exercícios conjuntos Zapad-2021 em setembro. Com Minsk a anunciar agora mais exercícios ao longo da fronteira sul da Bielorrússia com a Ucrânia, a médio prazo o potencial para uma ofensiva militar rápida parece mais ameaçador.
Há também a questão do gasoduto Nord Stream. O ocidente olha para este, que quando concluído e operacional permitiria à Rússia contornar a Ucrânia para abastecer a Europa de gás, como um alvo potencial de sanções.
Entretanto, na Europa, a atual crise energética sublinha a dependência do continente do gás russo, com a Alemanha a ser o seu principal cliente. A pressão implícita sobre a Alemanha, por parte dos consumidores europeus e empresas, para a aprovação final do gasoduto é grande, com a empresa estatal de gás russa, a Gazprom, a prever que o mercado energético continuará em tensão no próximo ano. Se a aprovação não for concedida, uma subida nas faturas e o descontentamento subsequente são prováveis.
Antítese possível
No passado, por exemplo durante a anexação da Crimeia em 2014, ou na corrente crise na região de Donbass, a Rússia tem utilizado estratégias mais dissimuladas, como explorar as divisões internas etno-linguísticas entre falantes de russo e de ucraniano para alimentar tensões e disrupções domésticas.
Moscovo também tem conseguido utilizar a influência de oligarcas ucranianos com simpatias russas, incluindo Viktor Medvedchuk, de forma a aumentar descontentamento e promover retórica anti-ocidental. Isto é particularmente eficaz, dada a sua influência sobre camadas amplas da população – especialmente na zona industrial leste do país – e ao seu controlo de meios de comunicação nacionais. Esta estratégia tem permitido à Rússia negar o seu envolvimento em Donbass, pintando o quadro de um conflito interno. Esta é uma mensagem que o Kremlin provavelmente quererá continuar a promover.
Tensões latentes
Novos relatórios recentes sugerem que Biden pode estar preparado para recuar na pertença da Ucrânia à NATO. Mas o potencial para mais conflitos em 2022, especialmente em Donbass, continua elevado.
Entretanto, o crescente papel da Turquia na estratégia de defesa da Ucrânia – que passou por exemplo pela venda recente de drones a Kiev – apresenta-se como um ponto-chave de ignição. Afinal, Moscovo opõe-se veementemente ao armamento da Ucrânia, em particular pela Nato – da qual a Turquia é membro.
Em qualquer caso, a perceção de Moscovo sobre as ambições ocidentais na Ucrânia, junto com os exercícios militares no Mar Negro, continuarão a alimentar tensões entre os dois lados. E dado o envolvimento crescente da Rússia na Bielorrússia e a sua presença militar na região moldava dissidente da Transnístria, perto da Ucrânia, é pouco provável que os medos de um aventureirismo militar e de potenciais incursões na Ucrânia se dissipem em breve.
Liana Semchuk é doutorada pela Universidade de Oxford, especialista na política da Europa de Leste e na economia pós-soviética. Artigo publicado no The Conversation. Tradução de Carlos Carujo para o Esquerda.net.