Novos presidentes da Câmara e do Senado sinalizam que por enquanto devem segurar movimentação por impeachment. Mas união de Bolsonaro com Centrão pode ter vida curta dependendo voracidade do bloco e dos ventos da crise.
Jean-Philip Struck, Deutsch Welle Brasil, 2 de fevereiro de 2021
Jair Bolsonaro teve relação tumultuada com a Presidência da Câmara nos dois últimos anos. Vitória de Lira tem potencial de melhorar relação, mas também torna governo mais dependente do Centrão
Jair Bolsonaro obteve nesta segunda-feira (01/02) duas vitórias significativas na escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado, em pleitos que considerados decisivos para o futuro do seu governo, ameaçado pela queda acentuada de aprovação nas últimas semanas e a gestão desastrosa da pandemia.
Na Câmara, o deputado governista Arthur Lira (PP-AL) venceu a disputa para a presidência da Casa ao conquistar 302 votos. O resultado também significou uma derrota acachapante para o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulador da candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP), que terminou com apenas 145 votos. Mais cedo, o Planalto já havia visto um nome da sua preferência vencer com folga a disputa pela presidência do Senado: Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Tanto Lira quanto Pacheco são encarados, pelo menos por enquanto, como contrários a um fim prematuro do governo por meio de um processo de impeachment, mesmo com um cenário de agravamento da crise econômica e sanitária no país, que foi exacerbada por posturas e medidas de Bolsonaro.
Mais de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro foram entregues à Câmara nos últimos 24 meses - 21 citam as ações catastróficas do governo na pandemia. E Lira e Pacheco, em diferentes graus, também são contra a instalação de uma CPI para investigar a conduta do governo durante a pandemia. Na Câmara, a saída de Maia ainda deve resultar num avanço sem tantas travas da pauta de costumes da agenda de extrema direita de Bolsonaro.
No entanto, esse alinhamento deve ter alto custo para o governo e não há garantias sobre sua validade.
Lira, o anti-Maia
Arthur Lira, o novo presidente da Câmara, é um membro notório do "Centrão" da Congresso, bloco informal que reúne políticos sem bandeiras ideológicas definidas e que se alinham com governos de diversas matizes de acordo com a ocasião, não tanto pelas pautas, mas pela defesa de interesses pessoais, seja com a indicação de cargos ou na busca por verbas. Na Câmara desde 2011, Lira integrou o grupo do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha - que hoje cumpre pena - e ganhou projeção no processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Assim como outros membros do PP, partido que colecionou escândalos nas últimas décadas e que tem a distinção de ter o maior de investigados no Petrolão, Lira tem sua fatia de problemas como a Justiça. Ele é réu no Supremo por suspeita de integrar uma organização criminosa e é investigado por ter supostamente recebido propinas. Ainda chegou a ser alvo de uma ação movida por sua ex-mulher, que o acusou de violência doméstica.
Ao contrário de Maia e Baleia Rossi, Lira se aproximou ainda mais do Planalto nos últimos meses. No início de janeiro, Rossi parecia estar caminhando para vencer a disputa, mas a aproximação de Lira com o Planalto acabou rendendo frutos na forma de cargos no governo e liberação de vultuosas emendas parlamentares - que já totalizaram R$ 3 bilhões - para aliados, provocando fissuras nos membros do Centrão que haviam se alinhando com o grupo de Maia.
Mesmo para os padrões do Congresso brasileiro, o uso de emendas em tal escala para cooptar deputados foi espantoso. Em pleitos anteriores, investidas tão diretas do Planalto na escolha do presidente Câmara acabaram tendo efeito adverso, com a vitória de figuras hostis ao governo que se elegeram com discursos de "independência", como no caso de Eduardo Cunha em 2015 e Severino Cavalcanti dez anos antes. Mas, no caso de Bolsonaro, a ofensiva acabou rendendo frutos.
Um casamento sem garantias
Lira já demonstrou que não deve ter a mesma postura de Rodrigo Maia em barrar temas de interesse da agenda de extrema direita de Bolsonaro, como a pauta de costumes, que envolve facilitação de acesso a armas de fogo e ofensivas contra direitos de minorias.
Para agitar sua base em meio à queda de popularidade, Bolsonaro já sinalizou que pretende retomar esses temas. Nos últimos dois anos, Maia freou muitas dessas iniciativas.
"O presidente não pode ter posições pessoais”, afirmou Lira, em discurso antes do pleito, deixando claro que não pretende atuar como seu antecessor. E Maia não atuou só para frear a pauta de costumes, mas também para paralisar projetos controversos como a autorização para mineração em terras indígenas.
No entanto, cientistas políticos apontam que embora Lira seja mais simpático ao bolsonarismo do que Maia, não há garantias de que ele permanecerá leal ao presidente pelos dois próximos anos, dado o histórico de volatilidade do Centrão dependendo da conjuntura política, como ocorreu na derrocada dos governos Fernando Collor e Dilma Rousseff. A natureza voraz do bloco por verbas e ministérios também tem potencial para provocar choques com a equipe econômica de Bolsonaro, que prega a austeridade. Lealdade não é uma palavra normalmente usada para definir a natureza do bloco.
A própria ausência de um partido diretamente ligado a Bolsonaro também torna a relação com a Câmara mais frágil. Desde sua saída do PSL em 2019 e o fracasso na aprovação da Aliança pelo Brasil, Bolsonaro segue sem um partido, tornando mais difícil a formação de coalizões. Há apenas algumas poucas dezenas de deputados verdadeiramente bolsonaristas na Câmara.
Mesmo a saída de Maia não significa automaticamente que os temas da agenda ultraconservadora de Bolsonaro para os costumes vão ter garantia de aprovação. No início do governo, iniciativas de aglutinar as bancadas da "bala" e da "bíblia" nesses temas acabaram fracassando.e boa parte do que Bolsonaroa avançou na área foi por meio de decreto ou portarias.
O cientista político Antonio Lavareda, por sua vez, aponta que a aproximação de Bolsonaro com as presidências das duas Casas também pode significar a perda de uma ferramenta de mobilização da base popular de apoio do presidente. "Tenho dúvidas se estar associado ao comando do Congresso – além de maior tranquilidade quanto ao impeachment – ajudará a imagem de Bolsonaro em 2022. Afinal, ele não terá mais a justificativa de culpar o Congresso pelo que não terá feito", disse.
A articulação política do Planalto, embora tenha se mostrado eficaz nestas eleições, também costuma ser inábil quando se trata de promoção de reformas, como ocorreu no caso da Previdência, que acabou sendo aprovada mais pelo esforço de Maia.
O casamento de conveniência com Lira também afasta ainda mais Bolsonaro do discurso do combate à corrupção e da rejeição à "velha política" que foi tão prevalente em 2018, e que já estava desgastado pelas encrencas da família presidencial na Justiça e o início da aproximação com o Centrão na metade de 2020, em troca de cargos e emendas. Em 2018, ainda na época do discurso contra a "velha política", o general Augusto Heleno (hoje ministro do GSI) foi filamdo num evento do PSL cantatolando “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. Hoje, tanto Bolsonaro quanto Heleno dependem do Centrão para sua sobrevivência política.
Pacheco, alinhamento condicional
Em contraste com a Câmara, a eleição para a presidência do Senado teve menos tensão. E o resultado também agradou o planalto - mas também partidos da oposição. O senador Rodrigo Pacheco foi eleito com 57 votos, contra 22 de Simone Tebet (MDB-MS), que acabou abandonada pelo próprio partido, em troca de cargos na Mesa Diretora do Senado. Pacheco também contou com apoio decisivo de Davi Alcolumbre (DEM-AP), seu padrinho político e que demonstrou sintonia mais regular com o Planalto nos últimos dois anos, em contraste com o deputado Rodrigo Maia.
Assim como Lira na Câmara e seu antecessor ba chefia do Senado, Pacheco deve inciar seu mandato dando continuidade ao bom relacionamento com o Planalto, especialmente em temas que envolvem blindagem política. Há expectativa de que o senador atue para enfraquecer a CPI das Fake News, que tem membros e aliados do governo como alvo.
Ele também deve exercer influência para manter a blindagem ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no Conselho de Ética. Embora não se posicione publicamente sobre CPIs, Pacheco, tal como Lira, é encarado como um adversário da instalação de comissões para investigar o governo, como a instalação de uma CPI da Saúde para investigar a conduta do Planalto e do Ministério da Saúde na pandemia.
Por outro lado, Pacheco já demonstrou menos alinhamento em outros temas, como a pauta de costumes promovida pelo governo de extrema direita de Bolsonaro, que deve ter uma abertura maior na Câmara e menos força no Senado.
Em janeiro, Pacheco disse que as prioridades da Casa devem ser a saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico do país, e não a pauta de costumes. Nos últimos dois anos, Pacheco também esteve em lados opostos ao Planalto em outros temas. O senador já defendeu o projeto de combate às fake news - amplamente rejeitado pelos bolsonaristas - e também a possibilidade de estrangeiros comprarem terras no Brasil.
O alinhamento de Pacheco - e Lira - também deve ser testado com a discussão da recriação do auxílio-emergencial, um assunto que causa desconforto na equipe econômica do governo. A candidatura do senador inclusive recebeu apoio do PT e outros partidos de esquerda e centro-esquerda por causa da expectativa de que ele pressione por uma nova concessão da ajuda.
Em seu discurso após a vitória, o senador afirmou que, "a despeito do teto de gastos", é preciso reconhecer o "estado de necessidade" das camadas da população mais atingidas pelos efeitos econômicos da pandemia. O novo presidente do Senado também evitou se comprometer com a agenda de privatizações do Ministério da Economia.