Cobertura vacinal de doenças graves como meningite, coqueluche e paralisia atinge patamares de 1987. Dez municípios têm menos de 7,5% da população alvo imunizados. Governo cortou mais da metade de gastos das campanhas
Lucas Scatolini, Outra Saúde, 23 de março de 2022
A partir do dia 4 de abril, começa a Campanha Nacional contra o Sarampo de 2022, junto com a campanha contra a Influenza, com foco nas crianças. Será uma chance para começar a reverter a crise de queda histórica na aplicação das vacinas do calendário infantil. Desde 2016, após o ápice da cobertura de imunização, a queda aumenta – e se agrava a partir de 2019: hoje, o Brasil vive com a pior taxa em mais de 30 anos, critica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Um fato é que a urgência da pandemia transferiu os esforços da Saúde para priorizar o combate ao vírus, e prejudicou as demais campanhas. Mas dados inéditos obtidos por uma investigação da Repórter Brasil revelam que o ministério da Saúde empurrou o país ao abismo.Diante das dificuldades já trazidas pelo coronavírus, o governo Bolsonaro ampliou o retrocesso. No ano passado, a pasta comandada por Marcelo Queiroga reduziu em 52%, em comparação a 2020, o orçamento das campanhas de gripe, sarampo, poliomielite, vacinação geral e febre amarela. Se comparada a 2017, a queda foi ainda maior: em 2021 chegou a apenas um terço do valor, como mostra o gráfico abaixo. Entre as maiores quedas, segundo dados do Plano Nacional de Imunização (PNI), estão a da vacina tríplice (contra sarampo, caxumba e rubéola), que em 2015 chegou a 96% das crianças e já despencou para 71%; a da prevalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e hemófilo B), com queda de 96% para 68%; e a da poliomielite (ou paralisia infantil), que foi de 98% a 67%. Um dos principais temores em relação à baixa taxa de vacinação é o retorno de doenças consideradas erradicadas, como é o caso da poliomielite. Nos últimos anos, o retrocesso já trouxe à tona diversos surtos, como de sarampo, febre amarela e coqueluche, além de casos de difteria e doença meningocócica. O principal motivo é a ausência de comunicação, já que essas enfermidades, quando controladas, deixam de existir no imaginário da população. E não podia ser diferente com a imunização infantil contra a covid: não só faltou uma campanha mais consistente, como o próprio ministério da Saúde desestimulou a aplicação das doses, atrasando o início da vacinação. Hoje, apenas 39% das crianças de 5 a 11 anos receberam a primeira dose e menos de 5%, a segunda, de acordo com a Fiocruz. Há também uma imensa discrepância em relação aos estados. Segundo dados obtidos pelo Globo, enquanto a média nacional da cobertura vacinal registrou o patamar de 60,8% em 2021, dez municípios brasileiros com a taxa mais baixa computam menos de 7,5% do público alvo das campanhas completamente vacinados. Em Belford Roxo (RJ), por exemplo, a cobertura atinge 6,2%. Além do problema de registros e documentação, a secretaria do município constata que muitos pais deixaram de levar seus filhos para atualizar a caderneta de vacinação, principalmente na pandemia. Por isso, é urgente que as autoridades de saúde do país corram atrás do tempo. A próxima grande campanha é a contra sarampo, que começa no dia 4 de abril e será voltada para 12,9 milhões de crianças entre seis meses e cinco anos, além de trabalhadores da saúde. Em nota, o ministério afirmou que a meta é imunizar 95% dessas crianças. No mesmo dia, serão administradas também as vacinas da tríplice viral e influenza.