Contágios disparam até os níveis alcançados no auge da pandemia, e teme-se a perda de eficácia da imunização nos próximos meses
Juan Carlos Sanz, El País Brasil, 20 de agosto de 2021
As ruas de Jerusalém voltaram a se encher de rostos com máscaras, mesmo que seu uso não seja obrigatório ao ar livre. Faz dois meses que as últimas restrições foram suspensas em Israel, com a sensação de ter alcançado a imunidade coletiva, e os onipresentes acessórios de proteção contra a covid-19 foram esquecidos nas gavetas. Com quase 60% de seus 9,3 milhões habitantes já tendo recebido a pauta completa da vacina Pfizer-BioNtech, os israelenses pareciam ter deixado a pandemia para trás no primeiro semestre, enquanto outros países ainda davam os primeiros passos na campanha de imunização.
Não é mais assim. Israel sofre uma elevada taxa de contágios por coronavírus depois da propagação da variante delta. Apesar da campanha maciça, 15% dos cidadãos não quiseram se vacinar. O primeiro-ministro Naftali Bennet soou o alarme numa entrevista coletiva transmitida pela televisão na noite de quarta-feira: apesar de ele querer a todo custo evitar um novo fechamento da economia, não haveria alternativa a reimpor o confinamento “como última linha de defesa se todas as demais opções fracassarem”, coincidindo com as festividades judaicas de setembro.
O presidente do grupo de especialistas que assessora o Governo, o médico sanitarista Ran Balicer, disse ao site informativo Ynet que a velocidade de propagação da covid-19 em Israel é atualmente “uma das mais altas do mundo”, com quase 8.000 novos contágios diários e uma taxa de positividade de 5,5% nos exames de diagnóstico feitos na quarta-feira. Durante o último pico da pandemia, registrado em janeiro, havia cerca de 10.000 casos diários, com uma taxa de positividade próxima de 10%. “São dados preocupantes, à vista da centena de casos graves contabilizados a cada dia, o que representa um pesado ônus para o sistema sanitário”, alertou. Israel registrava na quarta-feira um total de 603 pacientes internados com sintomas graves ou muito graves, dos quais 106 estavam conectados a respiradores.
Há dois meses, no começo do verão local, o cotidiano israelense parecia ter voltado ao que era nos dias anteriores ao primeiro confinamento, em março de 2020, e os israelenses viajaram maciçamente ao exterior após mais de um ano de fechamento de fronteiras. Alguns supostamente importaram a variante delta.
Israel já não é o único país com uma alta percentagem de vacinação. A Espanha, por exemplo, lhe supera em dois pontos, com 64,7% da sua população inoculada, embora a quantidade de crianças com menos de 12 anos ―portanto não vacinadas― seja muito maior no Estado judaico. Entre os maiores de 40 anos, porém, a maioria se vacinou em Israel em janeiro ou fevereiro, recebendo um certificado que garantia a eficiência da imunização durante seis meses, validade que o Ministério da Saúde depois ampliou para um ano.
“Estamos travando uma guerra em meio a uma morbidade que cresce dia após dia”, admitiu também o coordenador nacional de combate à pandemia, o médico Salman Zarka, em um depoimento ao Knesset (Parlamento). A aplicação de uma terceira dose da Pfizer-BioNTech, que foi a arma esgrimida por Israel ante a denominada quarta onda da covid-19, começa a se mostrar eficaz três semanas depois de começar a ser administrada aos maiores de 60 anos como forma de frear as internações hospitalares.
A eficácia da injeção de reforço nesse coletivo chega a 86%, segundo um estudo preliminar da administradora de planos de saúde Maccabi, que dá cobertura a um quarto da população. O Ministério da Saúde disse em julho que a eficácia da proteção após a segunda dose da Pfizer-BioNTech já havia caído a 39%, em comparação com os 90% observados entre os imunizados em janeiro. Nenhum desses estudos foi publicado em revistas médicas mais prestigiosas, com revisão entre pares.
Os Estados Unidos acabam de anunciar que seguirão os passos de Israel e aplicarão uma terceira dose a partir de setembro para os coletivos mais vulneráveis. Muitos países europeus cogitam enquanto isso adotar a mesma medida, embora a Organização Mundial da Saúde tenha recomendado que se espere até que a população de risco dos países mais desfavorecidos possa ser imunizada, para prevenir a aparição de novas variantes mais contagiosas e letais do coronavírus.
1,2 milhão de terceiras doses
Nesta quinta-feira, o comitê de especialistas de Israel aprovou a administração da terceira dose a todos os maiores de 40 anos, depois de ter ampliado essa opção no último dia 13 para os maiores de 50, para os profissionais sanitários e para pessoas imunodeprimidas. Mais de 1,2 milhão de israelenses, 12% da população, já se revacinou. A imprensa local antecipa que nas próximas semanas a terceira dose já poderá ser oferecida a todos os maiores de 12 anos. Apesar dos indícios animadores, a curva letal entre os infectados pela covid-19 não para de crescer ―foram mais de 120 mortes na última semana, o dobro que durante todo o mês de julho, e 15 vezes mais que em junho.
A injeção de reforço, que vem se mostrando segura e quase sem efeitos secundários, veio acompanhado da readoção de restrições. Na semana passada, Israel reintroduziu o certificado covid como salvo-conduto na vida cotidiana para poder frequentar casas de shows, espaços culturais e esportivos, bares, restaurantes, academias, hotéis e cinemas, entre outros estabelecimentos. O chamado passe verde confirma que a pessoa tem a vacinação completa, passou pela doença ou pode apresentar um exame negativo recente.
Desde quarta-feira, o certificado covid é exigível inclusive para crianças maiores de 3 anos, que precisam se submeter a testes rápidos de antígenos para poder entrar nos recintos controlados. A saúde pública cobre o custo dos exames sorológicos de pessoas com até 12 anos, já que esta faixa etária não tem a opção de se vacinar. O Ministério de Defesa mobilizou também 6.000 reservistas do Comando da Frente Interna para auxiliar na realização dos testes por amostragem em escolas antes início do próximo ano letivo, em setembro. Os demais israelenses não imunizados por vontade própria a partir de agora precisarão pagar pelos exames de detecção, como um pedágio no passe verde para disfrutar da mesma liberdade de movimentos que os cidadãos com a inoculação completa que eles recusaram.