Se o planeta está indo para o buraco, e tudo indica que isto acontecerá se não mudarmos alguns parâmetros e dinâmicas estruturais, é preciso fazer alguma coisa. A teoria do decrescimento, que Carlos Taibo (Madrid, 1956) prefere chamar de “perspectiva”, oferece algumas respostas ao que, como, quando e por que deveria conduzir a sociedade para tentar atenuar o máximo possível os efeitos de uma crise climática mais presente do que nunca.
O escritor e teórico do decrescimento aterrissa a ideia e a conjuga com outra das realidades mais prementes enfrentadas pela Península Ibérica, em seu livro recém-publicado “Iberia vaciada: despoblación, decrecimiento, colapso” (Catarata, 2021). Ao mesmo tempo, o autor condensou uma dezena de anos de trabalho em “Decrecimiento: una propuesta razonada” (Alianza Editorial, 2021), uma edição remodelada e atualizada de um antigo livro publicado há anos. Em entrevista, falou sobre aspectos como o ecofascismo, a cultura da pressa e a necessidade de que a resposta à mudança climática seja autogerida e antipatriarcal.
Guillermo Martínez entrevista Carlos Taibo, Público, 13 de fevereiro de 2021. A tradução é do Cepat.
Escreveu que “a perspectiva do decrescimento nos diz que se vivemos em um planeta com recursos limitados – e vivemos -, não parece fazer muito sentido que almejemos continuar crescendo ilimitadamente”. Isto, por mais lógico que seja, parece não estar muito interiorizado. Por quê?
A lógica do crescimento acompanha, sem fissuras, à do capital. É mais um dos elementos que colocaram dentro de nossas cabeças, nos países ricos, por meio da publicidade, os meios de comunicação e o sistema educacional. Sair dela não é simples, conforme demonstra o fato de insistirmos em defendê-la, mesmo quando sabemos que gera agressões incalculáveis contra a igualdade e contra o ambiente natural, e que estimula, ao mesmo tempo, um individualismo abrasivo.
Ainda assim, não desconsidero que a proximidade do colapso acabe produzindo mudanças radicais em nossa conduta. Nesse sentido, o que aconteceu no calor da pandemia talvez nos abra os olhos para um futuro marcado por esse colapso.
Em seu livro ‘Decrecimiento: una propuesta razonada’, aponta que as economias capitalistas desenvolvidas cresceram de forma notável, ao mesmo tempo em que empregos foram destruídos. Da mesma forma, o decrescimento acarretará uma grande perda de empregos. Que solução a perspectiva que você defende encontra para esse problema?
A solução é dupla. Por um lado, propiciar o desenvolvimento daqueles segmentos da economia que guardam relação com a atenção às necessidades sociais insatisfeitas e com o meio natural. Por outro, e nos setores da economia convencional que continuarão existindo, repartir o trabalho. A combinação destes dois fatores permitirá que trabalhemos menos horas, desfrutemos de mais tempo livre, aumentemos nossa muitas vezes abatida vida social e reduzamos, quando possível, nossos desenfreados níveis de consumo. Acredito que tudo isso é manifestamente preferível ao modo de vida escravo que hoje nos é imposto.
Em seu livro ‘Iberia vaciada’, afirma que “qualquer resposta ao capitalismo no século XXI tem que ser, por definição, decrescentista, autogerida, antipatriarcal e internacionalista”. O que pode acontecer, se não for assim?
Acontecerá que, no calor de um colapso provavelmente insuportável, continuarão em pé muitos dos defeitos arrastados pela esquerda que hoje vive nas instituições. E entre eles, a reverência à miséria capitalista, a idolatria à produtividade e a competitividade, o sindicalismo claudicante, os fluxos autoritários e personalistas, as pegadas da sociedade patriarcal, o etnocentrismo e o imediatismo. Quanto tempo dedicamos para falar de corrupção e como atribuímos pouco, aliás, à mais-valia [!].
Podemos realmente viver melhor com menos? Por quê?
Não nos restará outra opção. Além disso, impõem-se três considerações. A primeira ressalta que, deixados para trás os estágios iniciais do desenvolvimento, o hiperconsumo ao qual frequentemente os habitantes do mundo rico se entregam pouco ou nada tem a ver com o bem-estar.
A segunda chama a atenção para o fato de que, uma vez satisfeitas as necessidades básicas, e admito que este último conceito é mais polêmico do que possa parecer, esse bem-estar se relaciona mais aos bens relacionais, aqueles que surgem de nossa relação com outras pessoas, do que com os bens materiais que os supermercados nos oferecem.
Em terceiro lugar, “viver melhor com menos” só faz sentido se antes redistribuirmos radicalmente a riqueza.
No livro ‘Iberia vaciada’, você dá continuidade a uma obra anterior, que em 2020 chegou a sua quinta edição: ‘Colapso’. Acrescenta que diante de tal colapso ambiental ocorrem duas reações: os movimentos pela transição ecossocial e o ecofascismo. De que forma estas duas reações se expressam nos últimos anos?
Esclarecerei, antes de mais nada, que não defendo que sejam as únicas respostas esperáveis frente ao colapso. Interessava-me analisar essas duas porque acredito que contribuíam para enriquecer o debate correspondente. No que diz respeito à resposta dos movimentos, é fácil contemplar uma efervescência de espaços autônomos que reivindicam a autogestão, a desmercantilização e, quem dera, a despatriarcalização de todas as relações.
Entre nós, e nos últimos anos [na Espanha], o fenômeno adquiriu uma força maior, ainda que não suficiente, ao calor do 15M. Também não é exagero recordar o alcance dos numerosos grupos de apoio mútuo que germinaram, na primavera passada, por ocasião dos confinamentos.
No que diz respeito ao ecofascismo, e para não abandonar o terreno da pandemia, penso que os estamentos de poder que começam a flertar com soluções autoritárias diante do que entendem que é um excesso de população, observam com alegria o formidável exercício de servidão voluntária ao qual nos entregamos. Além disso, não deixa de ser chamativo que circuitos que são formalmente negacionistas no que diz respeito à mudança climática e o esgotamento das matérias-primas energéticas assumam, nos fatos, posições que remetem a critérios muito diferentes. Aí estava Trump, sem ir muito longe, tentando comprar a Groenlândia da Dinamarca.
Disse que o universo do automóvel e o da alta velocidade ferroviária, setores nada desconhecidos para grande parte da população, resumem bem muitas das aberrações que o decrescimento deseja contrapor. Por quê?
Resumem bem muitas das contradições de nossas sociedades. Dão rédea solta à cultura da pressa e do movimento desaforado, assentam-se em projetos que bebem de um individualismo feroz. Não demonstram nenhum respeito ao meio ambiente e, de maneira cada vez mais clara, estão ao alcance, penso antes de mais nada na alta velocidade, de uns poucos. Como é penoso que o progresso de uma economia continue sendo medido em termos do número de automóveis vendidos ou da abertura de um novo, e insustentável, percurso de alta velocidade ferroviária [!].
Os problemas que nos afligem, como disse, são os limites ambientais e de recursos, a mudança climática, o esgotamento das matérias-primas energéticas, os ataques que a soberania alimentar sofre e as perdas em matéria de biodiversidade. Considera que existe algum deles mais urgente do que os outros?
A mudança climática e o esgotamento dessas matérias-primas, seguramente. O certo é que no cenário da pandemia tivemos a oportunidade de comprovar como um punhado de fatores que pareciam chamados a desempenhar um papel menor acabaram configurando uma bola que foi aumentando e que, possivelmente, nos coloca na antessala do colapso.
Estou pensando, sem ir muito longe, nas pandemias sanitária, social, de cuidados, financeira e repressiva. Devemos estar atentos, contudo, às sequelas de um paradoxo: são os territórios mais deprimidos que, ao menos em primeira instância, se sairão melhor no cenário de colapso. E é importante saber disso em relação à Ibéria esvaziada.
De acordo com a perspectiva do decrescimento, o norte do planeta deve diminuir seus níveis de produção e consumo. Que princípios e valores teríamos que mudar para que tal redução fosse possível?
Os principais remetem ao desígnio de sair o quanto antes do capitalismo e de suas regras. Mas, no que concerne aos princípios e valores que reivindica, de maneira mais específica a perspectiva do crescimento, sem dúvida, estão a recuperação da vida social que nos roubaram, o desenvolvimento de formas de ócio criativo, a divisão do trabalho, a redução do tamanho de muitas das infraestruturas que hoje empregamos, a restauração da vida local e, enfim, no terreno individual, a sobriedade e a simplicidade voluntárias. Por trás disso estão, de modo inequívoco, a autogestão e o apoio mútuo.
“Mulheres, cuidados, decrescimento” é o título de um dos capítulos da publicação pela ‘Alianza Editorial’. São aspectos que você também trata em ‘Iberia vaciada’. De que modo estes três âmbitos que você menciona estão entrelaçados?
Nenhum projeto emancipador, e o decrescimento deseja ser, pode fugir da necessidade de articular uma radical despatriarcalização que acabe com a marginalização, material e simbólica, das mulheres. Não é exagero recordar que 70% dos pobres e 78% dos analfabetos existentes no planeta são mulheres, e que, segundo uma estimativa, estas realizam 67% do trabalho para receber em troca um minguado 10% da renda.
Sempre pensei que, em virtude de seu vínculo com os trabalhos de cuidado, e apesar das grandezas e as misérias que os cercam, as mulheres possuem uma compreensão mais rápida e fluida do que significa a perspectiva do decrescimento. Talvez seja assim porque, conforme destaca o ecofeminismo, são decisivas para o sustento de uma vida que foge com êxito da lógica mercantil do capitalismo. Se a Ibéria esvaziada resistiu, em boa medida foi graças às suas mulheres.
Vivemos em uma sociedade capitalista que há anos é marcada pelo neoliberalismo. Por que não é possível defender o decrescimento e ser capitalista ao mesmo tempo?
Não afirmo taxativamente que não seja possível. Na França e na Itália, existem empresários que flertam com a perspectiva do decrescimento, sempre que compreendem que o planeta, de fato, se vai. Mas não vejo que nossa atuação tenha sentido e eficácia, caso não questionemos, conforme faz a versão do decrescimento que defendo, todos os artefatos que cercam o capitalismo: a hierarquia, o mito do progresso, a exploração, a produtividade, a competitividade, o consumo e, naturalmente, o próprio crescimento.
A esse respeito precisamos aprender muito, certamente, das sociedades pré-capitalistas. E devemos colocar em primeiro plano as gerações vindouras, as mulheres, os habitantes dos países do sul e os membros das outras espécies com as quais, no papel, compartilhamos o planeta.