Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual, 5 de setembro de 2020
Referência internacional em estudos sobre mudanças climáticas e aquecimento global, o cientista Carlos Nobre defende a restauração da Floresta Amazônica para a estabilização do clima global, do regime de chuvas em toda a América do Sul e também para evitar que desequilíbrios ecológicos no bioma produzam pandemias até mais graves do que a da covid-19. “Eu já nem falo em zerar o desmatamento só. É preciso restaurar. Isso porque essas perturbações causadas pelo desmatamento, queimadas, exploração ilegal de madeiras, garimpos e o avanço do gado já estão colocando possíveis patógenos muito perto de se tornarem epidemias e pandemias.” Nobre participou de live na noite desta sexta (4) pelo Museu do Amanhã – véspera do Dia da Amazônia.
“Dar continuidade ao modelo de destruição da Amazônia iniciada pelos militares na década de 1970 e adotada pelos demais países amazônicos, de substituição da floresta, é apostar que vamos ter pandemias na Amazônia”, disse. O bioma Amazônia tem a maior biodiversidade do planeta. Para se ter uma ideia, uma única árvore da floresta hospeda 300 tipos diferentes de formiga e uma série de organismos, bactérias, vírus. Ou seja, é um complexo ecológico que é desequilibrado com o desmatamento.
Como ponto de partida para reverter a situação, Nobre defende que os políticos passem a entender a importância de ouvir a ciência para reduzir riscos futuros, em vez de se associar ao que ele chama de indústria da legalização de crimes ambientais. Essa indústria, aliás, deve ter um fim. “Precisamos dar um basta nessa legalização, na aprovação de leis para legalizar o desmatamento ilegal, o garimpo, a grilagem de terra, de roubo de madeira que financiam essa classe política impatriótica”, disse, referindo-se a mudanças na legislação que já foram feitas e àquelas ainda em discussão, com apoio do governo, que tem como objetivo anistiar os responsáveis.
Preservação
Os políticos devem ouvir também a população. “Há 25 anos, 90% da população já era contra o desmatamento. Uma pesquisa de agosto do ano passado, mostrava que era 96%. E 90% dos amazônidas também são contra. Nós precisamos implantar uma democracia de fato no Brasil e eliminar essa falsa representatividade desses políticos, que não representam a vontade dos amazônidas e que conduzem esse modelo que acelera a destruição da Amazônia”.
Autor de diversos estudos sobre a Amazônia, Carlos Nobre afirma a preservação do bioma, bem como de todas as florestas tropicais do mundo, é plenamente possível. Ele citou estudo recente, publicado há algumas semanas, sobre o custo para preservar. “O custo é equivalente a menos de 1% da perda econômica trazida por essa recessão global. Ou seja, para proteger para sempre. Essa é uma rota de saída para a pós-pandemia, para proteger as florestas e a Amazônia, onde tem mais biodiversidade e mais microorganismos”.
O cientista foi enfático: “Não vamos contar com a sorte. A leishmaniose é uma doença com origem na biodiversidade da Amazônia, mas há cura e nunca virou epidemia. Mas há na Amazônia todo elemento necessário para gerar uma pandemia. O desmatamento, o fogo, que perturbam demais os animais, assim como os milhares de garimpeiros ilegais, os madeireiros. Com todas essas pessoas chegando junto, são altíssimas as chances de chegar uma hora que esses coronavírus, hantavírus ou qualquer outros passem para o corpo humano e virem. É importante salientar que não podemos brincar em serviço.”
Biodiversidade
O biólogo Paulo Moutinho, que no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) estuda as causas do desmatamento na Amazônia e suas consequências para a biodiversidade, dividiu a live com Carlos Nobre. Entre outras coisas, disse que o Brasil tem tudo para reverter o atual panorama socioambiental. Há cientistas respeitados no mundo todo, organizações sérias e todo um acúmulo de décadas na preservação ambiental. Mas falta a vontade política. “Nós temos hoje o que já tínhamos há 25 anos na Amazônia: madeireira, garimpo de ouro. Só que hoje são mais eficientes, com retroescavadeiras que custam alguns milhões, avião pra cima e pra baixo carregando garimpeiro, e há também os garimpeiros explorados. E quem paga os R$ 1.200 pelo desmate de um hectare de floresta, especialmente em área pública?”, questiona.
Mas há esperança, segundo ele, nos povos indígenas. Apesar de toda perseguição, criminalização e vulnerabilidade a doenças, vigiam 100 mil hectares. Citando o cacique Raoni, negou que haja no Brasil muita terra para pouco índio. O que há é muito pouco índio para tomar conta de muita terra.
“É exatamente isso que eles fazem enquanto estão exercendo um direito sagrado à terra, que é sagrada para a cultura deles. Menos de 1% é o percentual de desmatamento da terra deles na Amazônia. Se olhar o mapa de desmatamento, vai ver que a degradação é menor nas áreas indígenas. Então as terras indígenas não são importantes apenas para eles, mas também para aqueles que estão nas cidades. A água que recebem vem do regime de chuvas graças à preservação por eles. Temos de preservar o direito desses povos não só porque são os primeiros brasileiros, mas porque são os brasileiros que mais fazem pelos brasileiros”.
Assista o video Impactos da pandemia na Amazônia | Amanhãs Aqui e Agora, com o climatologista Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), e o ecologista Paulo Moutinho, cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e especialista na questão do desmatamento da floresta.