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A COP 26 segundo Daniel Tanuro e João Camargo

15 de novembro de 2021

[A 26a Conferência das Partes da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas foi encerrada neste sábado, 13 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Os movimentos ambientais ainda estão avaliando todas suas consequências, mas parece consenso que ela ficou muito distante das necessidades mais elementares para conter o aquecimento global, que coloca o planeta em uma situação de emergência climática.

Mais uma vez, os fósseis dominam!

Daniel Tanuro

Evolução ddo projeto de declaração final:

1ª versão: a COP "apela às partes para acelerarem a eliminação gradual do carvão e o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis".

2ª versão: a COP "convida as partes a acelerar a implantação, desenvolvimento e difusão de tecnologias e a adoção de políticas de transição para sistemas energéticos de baixo carbono, inclusive aumentando a participação da geração de energia limpa e acelerando a eliminação gradual da geração de energia com carvão não subsidiada, bem como a eliminação dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis".

Para falar sem rodeios:

1- O que importa são as tecnologias verdes, não a eliminação dos combustíveis fósseis, nem mesmo do carvão por si só;

2- O capitalismo pode continuar a explorar minas de carvão, e até mesmo abrir novas, desde que as usinas elétricas a carvão estejam equipadas para capturar e armazenar CO2 (CAC) ou utilizá-lo em outros processos industriais (CCU);

Nota: Esta frase não especifica nem o prazo, nem a proporção de CO2 a ser armazenada ou utilizada, nem a permanência da armazenagem (a questão do vazamento) ou utilização (uma usina elétrica a carvão cujo CO2 seria utilizado na produção de refrigerantes preenche as condições estabelecidas nesta seção do texto)!

3- O cúmulo é o adjetivo ineficiente adicionado para descrever os subsídios aos combustíveis fósseis. "Ineficiente" de que ponto de vista social e ecológico?

Dado que toda a abordagem é neoliberal no seu âmago, na medida em que as finanças estão estruturalmente integradas à formulação de políticas climáticas (através de Mark Carney, enviado especial da ONU para financiamento climático, ex-governador do Banco da Inglaterra e arquiteto do Gfanz, a aliança financeira global para o net zero [carbono], fazer a pergunta é respondê-la.

Um subsídio efetivo é um subsídio para os capitalistas. Um subsídio social é ineficaz porque não cria mais-valia. O subsídio público do óleo para aquecimento, como existe na Bélgica, por exemplo, é bastante "ineficaz", não é?

Estamos aguardando a versão final, que trará mais surpresas e fará cair as máscaras!

Chega de blablablá, só a luta pagará!

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João Camargo: A última COP

De hoje em diante o movimento pela justiça climática tem de olhar para a COP como o movimento antiglobalização olhava para a Organização Mundial do Comércio ou para o G20.

Chega ao fim a 26ª edição da Conferência das Partes da Conferência-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A conclusão é semelhante a tantas anteriores, um adiamento permanente da única medida que pode resolver a crise climática – o fim da produção e combustão de petróleo, gás e carvão – e a promoção de negócios vestidos de acção climática – offsets de carbono, captura de carbono, novos produtos “inovadores”. A notícia relevante é que as próximas COPs vão ser no Egipto e nos Emirados Árabes Unidos, enterrando de vez a ficção de que virão daí quaisquer soluções para a crise climática. Em Glasgow realizou-se, então, a última COP.

São duas escolhas criteriosas e finais. A COP 27 no resort de luxo de Sharm-El-Sheik, Egipto, em 2023, legitimando a ditadura assassina de Abdel Fattah el-Sisi, general que afogou em sangue os revolucionários da Praça de Tahrir e a COP 28 em 2024 nos Emirados Árabes Unidos, um petro-estado governado por uma cleptocracia real. Significa a ruptura absoluta com a sociedade civil mundial. Finalmente. Nem as elites do capitalismo global continuam a fingir que ligam o mínimo aos países mais pobres, aos movimentos sociais e à sociedade, nem estes movimentos podem fingir continuar a acreditar que influenciam as decisões suicidas do capitalismo global.

De hoje em diante o movimento pela justiça climática tem de olhar para a COP como o movimento antiglobalização olhava para a Organização Mundial do Comércio ou para o G20: a única interacção útil para o movimento é impedir a sua realização, porque é nesses espaços que se organiza a destruição do que falta, a expansão das novas fronteiras de exploração capitalista, a organização da próxima ronda de acumulação dos 1%, a materialização do colapso climático.

A COP de Glasgow foi portanto a última enquanto processo de ilusões. Porque ainda as havia. Porque ainda havia muita gente que falava da COP – já com muitas reticências - como lugar onde se influenciavam decisores e decisões. Sob as ditaduras de ferro e aço de Sisi e dos sete xeques sob Al Nahyan não haverá sequer espaço para simbólicas contra-cimeiras e protestos.

Isso significa que o movimento pode finalmente libertar-se da ilusão do institucionalismo e vai necessariamente deixar de seguir a agenda capitalista global para a crise climática. No ano passado foi lançado o Acordo de Glasgow – Compromisso Climático dos Povos - exactamente com esse objectivo, de dar ao movimento novas ferramentas. O movimento pela justiça climática tem neste momento nas suas mãos a melhor chance de conseguir travar esta crise. Com o seu próprio programa, a sua própria organização e sem ter medo do seu próprio poder.